‘CASARÃO DA GISA’: Destino do imóvel histórico ainda é desconhecido

Casarão no centro de União da Vitória foi vendido e negociação ‘viralizou’ nas redes sociais

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Atualizado há 6 anos

(Foto: Mariana Honesko).
(Foto: Mariana Honesko).

Se você é morador de União da Vitória ou de Porto União há muito tempo, certamente tem na memória alguma lembrança com ‘Casarão da Gisa’. Ele está localizado no coração da cidade paranaense, foi e ainda é cenário histórico da divisa das cidades irmãs. Há alguns meses, a venda do imóvel que abrigou por muitos anos a Papelaria Gisa e a Casa de Noivas Gisa, chama a atenção da comunidade. Na rede social, a publicação dessa transação imobiliária ‘viralizou’ e causou comoção, especialmente entre quem está ligado à cultura e à história.

Conforme os antigos proprietários, a venda aconteceu após três anos desde a colocação da placa de ‘vende-se’ na fachada. Quem o comprou foi um empresário da região que, segundo o que confirmou à reportagem, não definiu ainda um projeto para o local. O receio da comunidade é pela demolição do casarão, porém, o empresário adiantou que, seja qual for a intenção para a endereço, boa parte da construção deve ser preservada.

E, embora tenham colocado o prédio à venda, o casal João e Iria Berejuk, além de seus funcionários, torcem, no íntimo, que uma demolição do local não aconteça. “Aqui poderia ser uma casa de chá, algo chique. Era o sonho de muita gente. Mas agora não há mais condições. É uma página queimada”, lamenta Iria, que acumulou 55 anos de trabalho nos dois pontos de comércio que o casarão abrigou. Célia, funcionária que dedicou duas décadas de trabalho nos dois empreendimentos do casarão, veio de São Paulo, onde mora atualmente, para ajudar na arrumação e encaixotamento do estoque. “Há uns 20 anos, vivemos a melhor época nossa aqui. É uma vida, uma história aqui dentro”, relembra. João Berejuk, que comprou o imóvel quando ali funcionava a Tipografia Cleto, lembra com carinho do seu primeiro dia de trabalho. “Foi em 31 de maio de 1971”, comenta. Conforme ele, a decisão de vender o imóvel foi bem particular e tem a ver especialmente com a idade, sua e da esposa, e por conta disso, das limitações. “Para alguns, vai fazer falta este cenário”, diz, com simplicidade.

casarao-gisa-valedoiguacu (3)Ainda que compreendam a necessidade da venda e a própria derrubada do imóvel, pois a situação do prédio está realmente ruim, o casal lamenta a falta de interferência do Poder Público, no sentido de tentar preservar a casa. Com um século de história, o casarão guarda em sua arquitetura o estilo art déco – inicialmente usado na Estação União e depois adotada por muitas construções no Vale do Iguaçu– um aspecto visual digno de um cartão-postal. “Ela (a casa) foi construída na década de 50, provavelmente com estilo remanescente da época. Ela faz uso de elementos estruturais e decorativos, como o arco na parte interior, os detalhes com forma geométrica. A casa é um compilado de detalhes do art déco, com um certo excesso de informações”, avalia a professora e pesquisadora da área de Patrimônio Cultural, Ana Inêz Schreiner.

A professora defende a preservação do espaço e, como dona Iria, lamenta a falta de um planejamento para o imóvel, que deveria ter acontecido já há algum tempo, sem deixar que esses imóveis se deteriorem. “Os tempos mudam, mas penso que as duas cidades (União da Vitória e Porto União) estão no limiar. O que pode acontecer é a cidade seguir o caminho de outras que na tentativa de modernizar a imagem urbana, ficam confusas, sem ser antigas, nem modernas, nem contemporâneas”, pontua. Ana Inêz acredita que o desagrado de parte da população por conta da demolição do imóvel é reflexo da falta de uma política pública que se volte para este aspecto da cultura.

O secretário de Planejamento da prefeitura de União da Vitória, Clodoaldo Goetz, explica que o Estatuto da Cidade traz instrumentos que podem ser usados para proteger alguns espaços. Entres outras, estão o tombamento municipal, uma “troca” de negócios, sugerindo que os proprietários, caso tenham interesse na venda, ofereçam o espaço primeiro ao Poder Público e até uma desapropriação. Entretanto, Goetz não soube confirmar se algumas destas ferramentas foi usada no caso do Casarão da Gisa. A arquiteta e urbanista, Gilda Botão, diz que é favorável para que haja um instrumento dentro do Plano Diretor que favoreça a permanência e a manutenção destas edificações para que possam ser usadas adequadamente dentro das normas. Ela ressalta que é importante que as edificações histórias, que rementem o progresso de uma determinada época, precisam se adaptar às normas atuais de segurança também. “Modificando o que é necessário, entendo que é interessante que haja este instrumento, para que nossa história se mantenha em pé”, completa.

Mapa histórico

casarao-gisa-valedoiguacu (1)A discussão sobre o destino do casarão é mais longa. A localização do espaço abre essa possibilidade. O imóvel fica no final – ou no começo, dependendo do ponto de vista – da Avenida Manoel Ribas, coração de União da Vitória. Fica bem próximo dos trilhos, portanto, quase está também em Porto União. Ainda mais perto está o Cine Teatro Luz, imóvel tombado pelo Patrimônio Cultural do Paraná. Um é vizinho do outro, se encontram especialmente nos fundos.

Diferente das especulações, uma mudança nos imóveis no entorno do Cine Luz é permitida. Chegou-se a levantar a possibilidade que, se o Cine Luz é tombado, as edificações em seu entorno deveriam ser mantidas como estão. Porém, é possível sim mudanças, “desde que uma nova construção não impeça ou reduza a visibilidade do bem tombado ou que tenha uma importância de conjunto maior de um bem tombado”, alerta a equipe da Secretaria de Estado da Cultura. Este alerta está mais claro na Lei 1.211, de 1953. Não há no documento, por exemplo, o tamanho deste controle no entorno, pois os bens tombados são muito diferentes entre si. “Temos desde um livro até a Serra do Mar como bens tombados. Não há como mensurar essas dimensões”, esclarecem os profissionais. Na prática, trata-se de um conceito que, para ser válido, vai depender do bom censo de quem atua nas transações imobiliárias.

O que diz os artigos 14, 15 e 16 da Lei 1.211 de 1953*

Artigo 14 – As coisas tombadas não poderão em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem sem prévia autorização do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento (50%) do dano causado.

Parágrafo único – Tratando-se de bens pertencentes ao Estado ou aos Municípios, a autoria responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.

 Artigo 15 – Sem prévia autorização da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso, multa de cinquenta por cento (50%) do valor do mesmo objeto.

 Artigo 16 – O proprietário da coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requer, levará ao conhecimento da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.

*na integra