CEMITÉRIO DO LIMEIRA: TERRA DE NINGUÉM

Corpos sepultados sem qualquer regularidade criam um endereço de desrespeito e um cenário ilegal. Órgãos não assumem responsabilidade

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Atualizado há 6 anos

(Foto: Mariana Honesko).
(Foto: Mariana Honesko).

O cemitério do bairro Limeira, zona Sul de União da Vitória, fica no alto, em uma curva. Fica no fim da comunidade, no acesso ao bairro Bela Vista. E mesmo estando nessa ligação social, não representa a organização em sociedade. Na verdade, desorganização resume o endereço. Desrespeito também. O cemitério, que não tem nome, não é de ninguém. Mas, nem sempre foi assim.

A equipe da prefeitura nega a administração do local, embora ajude, eventualmente, com a limpeza. Foi o que aconteceu em novembro passado, para a ocasião do Finados. Quem visita o cemitério hoje, percebe esta lacuna ao encontrar por lá lixo, gramado alto, sujeira.

A secretária do Meio Ambiente, Sandra Jung, explica que dos 14 cemitérios da cidade, apenas dois – o de São Cristóvão e o Municipal, no centro – são de responsabilidade da prefeitura. Os demais, pertencem às entidades, associações ou igrejas. No caso do cemitério do Limeira, o nome do atual presidente do bairro, Geraldo Sidoli, aparece como responsável. No entanto, ele desconhece a função e em conversa com a reportagem, ajuda na reclamação de seus vizinhos e demais moradores da comunidade. “O nome dele aparece aqui como responsável, mas não sei quem o nomeou”, explica Sandra.

A informação dessa responsabilidade é completamente nova para Sidoli. Por telefone, ele se mostrou admirado ao saber que seu nome aparece como responsável. “Se fizeram isso foi sem mim. Como vou ficar responsável por isso? Como vou dar ordem para sepultar? Não ganho nada, a Associação não tem lucro de nada”, justifica.

Nos bastidores, ao que parece, existe um jogo de empurra-empurra entre prefeitura e a Igreja Ucraniana São Basílio Magno. A administração da igreja, de fato, era responsável pelo cemitério. Inclusive no espaço, no Cruzeiro, há o desenho de um símbolo da etnia, logo acima da inscrição do ano, 1988. “Data em que foi fundada nossa Igreja aqui”, confirma o pároco, Josafá Firmann.

CemitXXrioXX2XConforme o religioso, na década de 80, a igreja tinha como intenção sepultar no cemitério do Limeira apenas os ucranianos e seus descendentes. Acontece que este propósito foi se perdendo com o tempo, assim como o interesse da comunidade ucraniana em continuar com a administração do local. Na gestão do então prefeito, Pedro Ivo Ilkiv, a paróquia apresentou a proposta de doação do cemitério. O terreno, de acordo com Firmann, está no nome da igreja. “O terreno foi adquirido e colocado para os ucranianos. O cemitério era só para os ucranianos. Hoje a comunidade não tem mais esse interesse, até pela localização. Não temos condição de manter, de ter equipe, a comunidade não tem interesse em assumir a manutenção do cemitério”, esclarece o religioso. “O (prefeito) Pedro Ivo mostrou interesse em até adquirir o terreno, até porque ele comentou que a cidade tem pouco espaço. Ficamos aguardando, mas até hoje está neste impasse, se a prefeitura vai ou não assumir. Precisamos resolver para que aquele local não fique abandonado”, completa.

Enquanto os órgãos discutem de quem é o cemitério, a vida segue. Mais ou menos assim. O cemitério não tem coveiro, zelador, muito menos livro de registro ou algo assim. Os sepultamentos acontecem de dia e de noite, em covas feitas pelos próprios familiares, como contam os moradores do bairro. Não há padrão, não há medições, pouca saudade. A maioria dos túmulos denuncia a ausência de visitas. O curioso é que no mesmo espaço, avizinham-se lápides bastante antigas, com detalhes sobre a identidade de quem foi sepultado, e túmulo novos, decorados por um simples vasinho de flor sobre lâminas de cerâmicas igualmente humildades. “Olha a santidade que é um local destes! Não é assim que deve ser, enterrar e abandonas”, espanta-se a secretária do Meio Ambiente.

Como fica

Sandra Jung garante que nos próximos dias, deverá se reunir com os responsáveis pelos cemitérios que a prefeitura não administra. A ideia, segundo a secretária, é entender estes espaços, sua situação legal, suas demandas e necessidades. Por outro lado, a equipe da Igreja Ucraniana abre mão do cemitério, alegando a mudança de proposito inicial e a sensibilidade em doar o terreno para a prefeitura.

A reportagem procurou também a Secretaria de Planejamento. Pela rede social, o secretário da Pasta, Clodoaldo Goetz, apenas reforçou o que já havia dito Sandra, que o cemitério do Limeira “não é responsabilidade do município; os do município são só o do centro e São Cristóvão”.

Ossos à mostra

CemitXXrioXX1XEm maio de 2015, o jornal O Comércio mostrou os problemas que já há quase três anos, marcavam o espaço. A cena mais improvável encontrada pela reportagem naquela ocasião, foi o encontro de restos mortais, à mostra em vários túmulos semiabertos. Conforme os moradores, o descaso com os corpos ficou mais evidente após duas enchentes, em 2014. Por conta da força das enxurradas, alguns túmulos desceram para a parte baixa, já próximo à rua, no acesso da pedreira Kerber. Além do abandono, a comunidade questionava em 2015 a presença e ações de jovens em horários noturnos no espaço.

Em junho, também de 2015, a prefeitura havia manifestado interesse na gestão do espaço. Como mostrou o jornal naquele mês, essa transferência, da igreja Ucraniana para prefeitura, seria gradual, mas encerrada ainda em junho, “Ficou acordado que vamos assumir a responsabilidade do cemitério. A comunidade da igreja não tem condições, nem dinheiro e pessoal, para isso”, disse na época o então secretário da Administração, Eraldo de Castro. Na prática, isso não ocorreu.