Dano ambiental em São Miguel da Serra pode ser revertido

Engenheira aponta alternativas. Fatma esteve nesta semana no local para concluir laudo a pedido do MP

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Atualizado há 8 anos

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(Foto: Arquivo).

Uma equipe da Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) esteve na quarta-feira, 3, no interior de Porto União, em São Miguel da Serra, para concluir um laudo a pedido do Ministério Público (MP) de Porto União. Conforme a promotoria o laudo feito no início de janeiro – logo após as denúncias de dano ambiental – foi preliminar, por isso o pedido pelo definitivo. O conteúdo do documento ainda não foi divulgado pela Fatma. Conforme a assessoria da Fundação, o resultado pode sair na próxima semana. Outra visita foi realizada na quinta-feira, 4, pelo escritório regional da Fatma, situado em Canoinhas, com apoio da Polícia Militar Ambiental. Um novo laudo será concluído. Ambos serão encaminhados para o MP de Porto União.

Até lá algumas alternativas para a recuperação da área são apresentadas por especialistas. A reportagem de O Comércio conversou com a engenheira ambiental Lisandra Kaminski. Segundo ela o dano ambiental registrado em São Miguel da Serra tem, sim, como ser revertido. Para isso deve-se aplicar um processo de recuperação de área. Segundo Lisandra o tempo para que ocorra a recuperação total do dano irá depender da quantidade de sólidos (solo) que atingiu o rio e das medidas de recuperação que serão adotadas, bem como da rapidez com que estas medidas serão implementadas. “Algumas consequências negativas podem ser minimizadas rapidamente, como o retorno das águas do rio ao seu curso normal, que pode ocorrer retirando o material sólido deslizado do local com maquinário apropriado (desassoreamento), entretanto para que a qualidade da água se restabeleça será necessário mais tempo, já que os sólidos se misturam à água e a deixam com alta turbidez. Desta forma, a qualidade da água vai restabelecendo-se de forma natural à medida que vai ocorrendo a diluição com a vazão do rio”, explicou.

Assim, é possível retirar os sólidos que estão concentrados no local – principalmente na área próxima ao deslizamento – ou decantados no fundo do rio com ajuda de maquinários. Mas a engenheira adianta que não há como retirar os sólidos finos que se misturam à água e não se sedimentam no fundo do leito do rio. “Estes terão que ser diluídos de forma natural, o que chamamos de processo de “autodepuração”. Ocorre que quanto mais tempo se espera para iniciar o processo de retirada dos sólidos concentrados, maior é o processo de diluição deles na água”, comentou.

A engenharia ainda explica que a alta turbidez da água faz com que os raios solares não consigam penetrar no rio. Assim, os peixes e outros organismos aquáticos não conseguem visualizar o alimento. “Além disso, a falta de radiação solar faz com que os vegetais aquáticos parem de realizar a fotossíntese e falta oxigênio para os organismos aquáticos, ocorrendo morte. Quanto mais organismos aquáticos morrem, maior a necessidade de oxigênio para a decomposição deles por bactérias, ou seja, ocorrem reações em cadeia que culminam com a falta de oxigênio no rio”, completou.

Outra alterativa são as ações para conter o morro evitando um novo deslizamento. “Com a suavização dos taludes (deixando-os com menor inclinação); implantação de tubos de drenagem da água da chuva para evitar arraste de partículas e novos processos erosivos; e plantio de espécies vegetais gradativamente (espécies mais resistentes e de pequeno porte e espécies maiores posteriormente) para a recomposição da mata no local”, pontuou a especialista.

Mudança do curso do rio

Para Lisandra as consequências do desvio são incontáveis, começando que o novo curso do rio pode não conter a mata ciliar, já que não se tratava anteriormente de um rio e, portanto, não havia obrigatoriedade de preservação desta mata. “Desta forma ocorre maior erosão (arraste de partículas por não conter raízes de vegetais para fixar o solo) no entorno e consequentemente maior assoreamento, que reduz a velocidade da água e pode causar cheias quando ocorrem chuvas fortes, além de promover maior turbidez à água.”

Também, provavelmente a vazão de água do rio não é a mesma após o desvio, podendo ocasionar cheias e secas antes ou posteriormente ao ponto do desvio, impactando no ecossistema local para sobrevivência de espécies vegetais ou aquáticas, e também impactando nas atividades humanas que utilizam a água ou as áreas para plantio que serão afetadas pelas cheias.

O desvio do curso da água também promove consequências negativas do ponto de vista social, pois ocupa áreas utilizadas para atividades econômicas, como a agricultura, que é o caso, trazendo prejuízos aos proprietários ao redor da área.

Em janeiro a Fatma informou que o morro poderia ter desabado por conta do tempo que ficou abandonado. A empresa deixou o local em 2011 e, segundo a Fundação, não informou sobre o fim da exploração.

Para Lisandra sempre que ocorre o encerramento de uma atividade licenciada é necessário comunicar ao órgão ambiental licenciador e fiscalizador, neste caso a Fatma. “Para atividades de mineração, é necessário, nesta fase, apresentar um projeto de recuperação ou utilização futura da área, o qual, após aprovado pelo órgão ambiental, é implantado pela mineradora, evitando danos futuros e promovendo a minimização do impacto ambiental causado pela atividade”, disse. “Como neste caso a área foi abandonada sem a implantação destas medidas de minimização do impacto ambiental, o local ficou susceptível ao dano que ocorreu. As raízes da vegetação promovem a fixação do solo e funcionam como obstáculos para a água da chuva, reduzindo a sua velocidade de escoamento. Sem a presença de vegetação o solo fica descoberto e susceptível ao arraste de partículas pela água da chuva, principalmente em locais com alta inclinação, como é o caso. Sem proteção o solo encharcou com a água da chuva e ficou pesado, ocorrendo o deslizamento.”

Como funciona a fiscalização

Qualquer atividade de mineração precisa estar licenciada pelo órgão ambiental competente. As licenças ambientais possuem validades diferentes dependendo das características da atividade e do empreendimento, e possuem condicionantes determinadas pelo órgão ambiental para que a atividade possa operar de forma a atender as legislações ambientais. Nestas condicionantes é comum que o órgão ambiental exija a entrega de relatórios, inclusive fotográficos, com frequência determinada, por exemplo anual ou semestral. Por meio destes relatórios o órgão ambiental acompanha o desenvolvimento do empreendimento e as formas de controle dos impactos ambientais gerados. Geralmente são exigidas entregas de laudos de análise de água e ar dependendo da atividade. “Como não tive acesso à licença ambiental da mineradora, não posso afirmar se a Fatma exigiu ou não que a empresa entregasse relatórios frequentemente”, disse Lisandra.

Assim, o órgão ambiental acompanha por meio destes relatórios se o empreendimento está cumprindo com as exigências ambientais e então, caso necessário, realiza fiscalização no local. Estando tudo em conformidade, o órgão ambiental realiza visita a área somente na renovação da licença ambiental, cuja validade varia. “O órgão ambiental pode fiscalizar a qualquer momento, entretanto com exceção dos casos que comentei acima, somente em casos de denúncias ela acaba ocorrendo”, declarou Lisandra.

“O que ocorre, de forma geral, é a fiscalização pelo órgão ambiental para emissão da licença e na renovação da licença ambiental, que pode ocorrer em até dez anos. Neste intervalo, é comum que ocorra somente em caso de denúncias de irregularidades. É fato que a fiscalização deveria ocorrer com maior frequência em todas as atividades que causam impactos ambientais, entretanto como trata-se de um grande número de empreendimentos, os órgãos ambientais não possuem, em sua maioria, quantidade de técnicos e estrutura física para um processo de fiscalização necessário”, comentou Lisandra.

*As informações repassadas pela especialista foram baseadas em fotografias e materiais divulgados pela imprensa. A engenheira não foi até o local onde foi registrado o deslizamento.

Sem respostas

Desde a aplicação da multa emitida pela Fatma no final do mês passado, a mineradora Areial Ressaca ainda não se pronunciou. Conforme a promotoria de Porto União, nenhum representante ou advogado da empresa apresentou defesa. O auto de infração no valor de R$ 1.352.000,00 nem a multa diária estipulada em R$ 1 mil foram pagas até o momento. A empresa não existe mais. Vale lembrar que a Areial Ressaca passou por dois embargos: em 2008 e 2009. Mas a liberação, nos dois casos, foi feita pela Assessoria Jurídica da Fundação, em Florianópolis.