DEPENDÊNCIA: Em ano de crise econômica, aumenta consumo de álcool

Pior expectativa financeira alavanca venda de bebida e, por consequência, o número de dependentes

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Atualizado há 8 anos

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(Foto: Mariana Honesko).

O fim de um relacionamento. A formatura. A morte de um familiar. O Ano Novo. Embora diferentes, todas estas cenas têm em comum a mesma protagonista: a bebida alcoólica. Bebemos por estarmos tristes. Bebemos quando estamos felizes. Bebemos para comemorar. Bebemos para lamentar. Mas, afinal, porque o álcool precisa acompanhar essas aventuras da vida?

O brasileiro consome mais cachaça, por exemplo, quando a expectativa com a economia brasileira piora. A conclusão é de um estudo do PeopleScope divulgado neste mês, pelo Ibope DTM, unidade do IBOPE Inteligência e do SPC Brasil. A pesquisa mostrou que foram vendidas mais garrafas da tradicional bebida brasileira em três redes de varejo quando o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec) – medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) – estava 12,2% abaixo de sua média histórica, em dezembro do ano passado.

Mas, na verdade, pouca gente sabe o motivo para tanta bebedeira. “Se conversarmos com pessoas que bebem frequentemente e as questionarmos sobre o porquê, elas terão respostas prontas com algumas razões que parecem lógicas e conscientes (para elas), mas para os estudos da psicologia a realidade não é bem assim”, avalia a psicóloga Daniele Jasniewski.

As contribuições da psicologia revelam que a maioria das pessoas não está consciente sobre as reais razões e motivadores que as levam a beber. “Uma pessoa pode acreditar que está bebendo por uma razão específica, ou, como na maioria dos casos, sem razão nenhuma, quando na realidade ela bebe por um motivo completamente diferente sobre o qual ele não está consciente”, explica. Isso quer dizer que geralmente as pessoas que costumam beber, fazem isso por razões inconscientes.

Na prática, existem basicamente dois principais motivadores inconscientes que conduzem as pessoas ao uso abusivo de álcool: para regular o humor e para deixar os outros ter uma ideia diferente sobre você. “Um regulador de humor parece não ser uma má ideia, entretanto, se alguém precisa consumir bebida alcoólica para melhorar, então deve haver algo muito errado com suas emoções. Ainda, existem algumas pessoas que afirmam precisar beber para aumentar a coragem de se aproximar de outras pessoas, nesse caso o que lhes é consciente é apenas o “aumentar a coragem”. O problema aqui não é o álcool em si, mas o estado de fraqueza e timidez que a pessoa vivencia quando está sóbria”, define Daniele.

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Dentro da garrafa, vícios e frustrações: nem sempre beber é sinônimo de alegria

Tentar ser o que não se é, também é outra armadilha da bebida. “O ator inconsciente faz com que o indivíduo beba para criar uma nova identidade, produzir um novo comportamento, dessa forma, as pessoas o verão de uma maneira diferente da qual ele julga não ser adequada ou satisfatória. Novamente, o álcool é usado como meio de alterar alguma característica em si, da qual o indivíduo não gosta, não aceita, não admite”, mostra a psicóloga.

Além destes dois fatores, há ainda a “modinha”, que faz com que os jovens, especialmente, ostentem garrafas e latinhas de bebida nas mãos. É quase uma questão social, de interação em grupos. Por ser lícita, a bebida pode ser encontrada em qualquer estabelecimento: é barata, geralmente, e vendida para maiores de 18 anos. “Tem até adolescentes que se garantem quando estão com um copo na mão. Na minha opinião, existe por parte dos fabricantes algo viciante dentro da bebida, que considero a droga mais viciante, responsável por 99% dos crimes, das separações, do fim das famílias. Pessoas com pré-disposição da dependência, bebem para comemorar qualquer situação. Alcoolistas são pessoas carentes de tudo: de família, de responsabilidade, de autoestima”, compartilha Salete Venâncio, responsável pela Associação dos Dependentes de Álcool e Drogas (Adad), de União da Vitória. “Beber regularmente não é apenas um péssimo hábito que conduz a pessoa á sérios problemas de saúde, como também é um hábito que revela que existe algo muito errado em sua mente”, endossa a psicóloga.

De maneira geral, as pessoas que bebem com regularidade não bebem porque querem beber, mas sim, porque precisam beber. Por isso, a recomendação para quem se enquadra no perfil de dependente, é procurar ajuda para tratar as raízes do problema com a bebida. Neste sentido, o Vale do Iguaçu é bem servido, especialmente União da Vitória. Os grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) são canais fortes de auxílio, preservam a integridade de quem procura a entidade ao mesmo tempo em que ensina a superação, um pouco por dia, todos os dias.

Sem identidade, para quem quiser

bebidas-alcool-pessoas3Os grupos de AA foram criados em 1935, em Nova Iorque, por dois alcoólatras em recuperação – um corretor e um médico. Eles montaram um programa de reabilitação de 12 passos, que até hoje tem ajudado muitas pessoas a superar o alcoolismo. A organização funciona através de grupos locais que não possuem regras formais além do anonimato, e também sem funcionários e taxas de cobrança. Qualquer um que tenha um problema com a bebida pode se tornar um membro.

Mais uma, por favor

Engana-se quem pensa que alcoólatra é apenas quem bebe todos os dias. Beber em grandes volumes e com regularidade, uma vez por semana por exemplo, já pode ser considerada uma pessoa que desenvolveu a dependência

Ricos, os mais pessimistas*

O Índice da Cachaça, como foi batizado pelo PeopleScope, dividiu a população brasileira em 13 macrossegmentos e 42 segmentos para concluir que, quanto mais pessimista é um grupo social, maior a propensão de sair para beber ou ir a bares e restaurantes. A tendência ficou mais evidente entre as classes mais altas, especialmente na categoria “elite metropolitana”, composta por domicílios com uma das maiores rendas médias e famílias pequenas que residem em apartamentos localizados em bairros nobres, diz o estudo.

Outro grupo propenso a frequentar bares ou sair para beber é o que “vive em mansões”. Entre a população conhecida como “legado estabelecido”, com alta proporção de idosos que vivem em apartamentos com um ou dois moradores em bairros nobres de grandes metrópoles, está a segunda confiança mais baixa nas questões econômicas e a maior propensão a sair para beber ou ir a bares e restaurantes.

*com informações do Ibope

Grupos de AA

UNIÃO DA VITÓRIA

Grupo Excelsior, ao lado do Corpo de Bombeiros

Grupo Renascer, nas salas de catequese do Bairro São Joaquim

Grupo Rocio, nas salas de catequese da Igreja Nossa Senhora do Rocio

PORTO UNIÃO

A reportagem de O Comércio confirmou a existência de apenas um grupo. Ele funciona nas quintas à noite, nas salas de catequese da Matriz