Desacato ao servidor público é mais comum do que se pensa

Tolerância existe mas penalidade para este tipo de crime também

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Atualizado há 9 anos

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Na Receita Federal, Cássio Meyer precisou dar voz de prisão para uma contribuinte

A plaquinha atrás dos balcões de atendimento parece não intimidar. Nem sempre o letreiro que afirma que o desacato ao servidor público é crime assusta. Na verdade, em União da Vitória, alguns órgãos públicos vivem sob pressão, a espera do estouro de uma bomba. Às vezes, o “não” ou o “não é possível”, dito pelos funcionários, soa muito mal aos ouvidos de quem busca ajuda. O resultado pode ser assustador.

O limite chegou ao seu auge no escritório de União da Vitória da agência da Receita Federal. No início deste mês o agente Cássio Luiz Meyer precisou dar voz de prisão para uma contribuinte. “Nossa funcionária estava atendendo a senhora com tranquilidade e boa vontade até que ela se exaltou, bateu na mesa, falou palavrões”, conta. A mulher foi levada à 4ª SDP que, por coincidência, fica na frente do escritório da receita, no centro da cidade. Mas, segundo Meyer, o caso, embora tenha chegado ao limite, não é isolado. Outras situações de desacato já foram registradas pela equipe, especialmente desde janeiro deste ano. “O servidor público tem que trabalhar dentro da Lei e quando diz o não, pode fazer com que a pessoa fique exaltada”, diz.

Na Prefeitura, alguns setores são especialmente vítima dos ataques gratuitos. É o caso da Tributação, que, por cobrar imposto e autuar quem age de modo ilegal, se torna alvo dos escândalos. Em Porto União o setor parece ser um “escudo” de toda a Prefeitura. “Nunca aconteceu de chamar a Polícia, mas os fiscais, por exemplo, são enfrentados quando cobram algo. É quando surgem as grosserias”, conta o diretor do setor, Orlando Schmidt. Para enfrentar bem a situação, os funcionários são treinados a respirar fundo, quase repetindo mantras de yoga. “É o setor que é preciso paciência. Ninguém gosta de pagar imposto ou de ser notificado por algo. Por isso, quando o contribuinte é notificado, vem tirar satisfação ali. Primeiro a gente escuta o desabafo e depois explica”, sorri Schmidt. “Acho que até periculosidade o pessoal merecia”, brinca.

O crime

desacato-servidor-publico2Desacato é crime, descrito no artigo 331 do Código Penal (CP). Conforme o texto, a pena para o ato é de seis meses à dois anos de detenção. Segundo o criminalista Ernani Bortolini desacatar é humilhar, menosprezar o servidor, seja através de palavras ou mesmo de gestos. “Essa conduta é prevista no CP com a finalidade de assegurar o respeito à função pública”, explica Bortolini. Ainda, de acordo com o doutrinador Nelson Hungria, autor do CP de 1940, desacato é a “agressiva falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos ou gritos”.

Porém, na prática, o desacato é tratado de maneira mais branda. Conforme as polícias militares de União da Vitória e Porto União, os casos de prisão são raros, mas, quando acontecem, terminam no Fórum, já que são classificados como um crime de “menor potencial ofensivo”. Ou seja, xingar ou destratar um servidor pode garantir, no máximo, o pagamento de um serviço comunitário ou de cestas básicas. A “pena” é decidida pelo juiz.

Estrovando no balcão

A psicologia tem uma explicação bastante interessante para explicar os “surtos” nos balcões de atendimento público. Conforme os estudiosos, o comportamento é fruto de fatores conscientes e inconscientes. “É importante também levar em conta os fatores inconscientes, aqueles que não sabemos que possuímos até que se manifestem através de nossos comportamentos. O que quero dizer é que a ‘explosão’ de raiva não ocorre devido a um fato pontual, ela ocorre como um grito de ‘chega!’, por várias outras situações que foram ‘fermentando’ em nosso aparelho psíquico”, avalia a psicóloga Daniele Jasniewski.

Pessoas mais quietinhas, inclusive, tendem a surpreender neste aspecto. “Quando atingem o ápice da fermentação emocional e incontrolavelmente soltam o verbo e os adjetivos mais feios também”, sorri.

Extravasar é preciso, mas, de maneira certa. “Descontar” em cima de alguém, está na contramão do indicado. “É o que temos visto não somente no atendimento público, mas também no trânsito, nas relações hierárquicas em organizações de trabalho e, infelizmente, nas relações familiares”, pontua Daniele.

Prevenir as “explosões” é possível, porém, é preciso fazer a lição de casa. “Jogando o lixo fora diariamente, ou seja, lidando com as situações de maneira saudável dia após dia. Ter uma boa comunicação com as pessoas com quem convivemos, expressando como nos sentimos em relação a determinado assunto, expressando nossas queixas, decepções e o que esperamos que o interlocutor faça a respeito. Importante também é saber calar e ouvir outras opiniões e sugestões, dando espaço para que a situação seja observada sob outra ótica”, ensina.