ESPECIAL: População revive as dores da enchente

Rio Iguaçu sufoca moradores das Cidades Irmãs. Chuva em excesso prejudica estradas, interdita pontes e compromete funcionamento dos serviços mais essenciais. Enchente é a terceira maior da história

·
Atualizado há 10 anos

Por Mariana Honesko

Capa  -  CHEIAS B
(Foto/Aeroarte/Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo de União da Vitória)

O cenário é de destruição e soa como repetição. Impossível não associar as cheias e seus efeitos com as enchentes de 1992 e 1983. Desde domingo, especialmente, as Cidades Irmãs, bem como as demais cidades do entorno, amargam momentos difíceis. Bairros e centro ficaram quase incomunicáveis entre si, barreiras caíram, rodovias ficaram intransitáveis, ninguém vai à escola.

O cotidiano atípico é resultado da chuva que caiu no final de semana com força e sem interrupção. O esperado para dois meses caiu em apenas 72 horas. Foram mais de 300 milímetros de chuva neste pequeno intervalo de tempo. O excesso foi suficiente para quase triplicar o nível do Iguaçu: dos pacatos 2,87, registrados pela Companhia Paranaense de Energia (Copel) no dia 7, ele subiu e alcançou os 8,01. Na prática, a elevação foi traduzida com o desespero de moradores, móveis e roupas perdidos, mais de 15 mil pessoas afetadas e uma morte. O cotidiano que tenta acontecer, ainda não acontece. A região parou e está, de novo, cercada pela impotência.

Capa  -  CHEIAS
(Foto/Aeroarte/Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo de União da Vitória)

A situação que vivem União da Vitória e Porto União é provavelmente a mais séria da região. Ambas as cidades ficaram até quarta-feira praticamente isoladas, já que há problemas nas BRs 280, 153 e 476, principais vias para seu acesso. Em União da Vitória, conforme a Defesa Civil, mais de 14 mil pessoas foram afetadas pelas cheias. Mais de cem famílias estão em abrigos públicos e as demais em casas de familiares e amigos. Em Porto União, aproximadamente 800 pessoas foram retiradas de suas casas pela Defesa Civil. Outras 1,3 mil saíram por meios próprios. No Bairro Santa Rosa, 35 quadras foram afetadas pela enchente. Alguns bairros estão sem abastecimento de energia elétrica e de água.

A ponte férrea funcionou nos dois sentidos, com intervalos de 15 minutos. A Domício Scaramella funciona, mas seu uso no sentido São Cristóvão, está bloqueado pelas águas. A Ponte dos Arcos está interditada e o morro que fica atrás dela apresenta sinais de desbarrancamento. Parte do Bairro Rio d’Areia, próximo da Uniguaçu, está isolada. Na segunda-feira, o pedido das famílias era por embarcações. “Precisamos atravessar, comprar fralda. Minha menina tem asma. Está atacada. Estamos pegando água do morro para fazer mamadeira e dar banho”, contou a moradora Marta Lúcia de Lima. Seu vizinho, João Mello, deixou a casa de número 701 para morar em uma barraca, do outro lado da Autopista João Reolon. “Entrou uns 30 centímetros dentro de casa. Os vizinhos vão ter que sair também”, diz.

Capa  -  02As histórias replicam-se nas Cidades Irmãs. Um grupo de sete famílias esteve abrigado nos pavilhões do Parque de Exposições Jayme Ernesto Bertaso. Não há informações oficiais sobre a legalidade da estadia que durou dois dias. Sabe-se contudo, que antes de serem transferidos para o ginásio de esportes do Bairro João Paulo II, muitos esperavam o tempo passar e o rio recuar ao lado de poucas e pequenas trouxas de roupa. “Minha casa está só aparecendo o telhado. Conseguimos tirar só um pouco das coisas”, conta Marcos Correia, que no Bairro Cidade Jardim morava com a esposa e quatro crianças. A jovem Jaqueline, vizinha de Correia, segurava seu filho, de apenas 14 dias. “Está bem difícil”, lamenta ela, que ficou alojada perto das “mangueiras” para bovinos.

O caos que se instalou nas Cidades Irmãs alterou o funcionamento do sistema de transporte coletivo. A Piedade, empresa que explora o serviço, não estava nem cobrando passagem dos moradores da linha do Bairro São Sebastião. Como o trajeto ficou mais curto, a empresa cedeu o valor dos bilhetes para o trânsito que passava concentrado apenas pelo Distrito de São Cristóvão. As empresas Rodec e a Zona Azul isentaram a cobrança também do estacionamento público. As aulas nas instituições de ensino superior são parciais e total na rede de ensino municipal e estadual.

Pela região

Na região da Associação dos Municípios do Sul do Paraná (Amsulpar), as cidades de Cruz Machado e Bituruna registram os maiores prejuízos. Em Cruz Machado, os acessos aos municípios ficaram interrompidos. Na área urbana, boa parte dos serviços públicos esteve suspensa. Em alguns lugares mais distantes, o abastecimento de energia elétrica ainda é comprometido. A prefeitura trabalha em regime de plantão.

Em Porto Vitória, a situação também é delicada. A cachoeira, cartão-postal da cidade, está com seu volume bem acima do normal e, segundo a prefeitura, apenas a área rural teve mais prejuízo.

Em Bituruna, as cheias invadiram a área central e deixaram muito prejuízo nos estabelecimentos comerciais e residências. O prefeito decretou situação de calamidade pública no domingo. Os córregos transbordaram e a água barrenta escorreu pelas ruas. Mais de 80 famílias estão fora de suas casas.

Paula Freitas, Paulo Frontin, Irineópolis e São Mateus do Sul também tiveram registros de perdas. As prefeituras, bem como os órgãos de Defesa Civil, monitoram os níveis dos rios. Com exceção das perdas materiais, não há registro de danos maiores.

Gráfico ContaminaçãoGovernadores visitam a região

O governador do Paraná, Beto Richa, sobrevoou a região afetada no estado pelas cheias. Além de União da Vitória, Richa esteve também em Guarapuava, Pinhão, Cruz Machado, Prudentópolis, Irati e Porto Amazonas. Também na segunda-feira, 9, o governador assinou decreto que colocou 77 municípios em estado de emergência, o que agiliza o envio de verbas públicas para auxílio das famílias vítimas das cheias. “Resolvi vir pessoalmente para avaliar os estragos e nos solidarizar com a situação delas. Saio de União da Vitória impressionada. Nunca vi uma situação parecida como essa”, disse. Segundo o governador, as ações de “reconstrução” das áreas atingidas já ocorrem e há recursos para isso. O dinheiro impacta ainda a manutenção, especialmente, da saúde, alimentação, meio rural e estradas. “Nossa presença é para avaliar tudo isso”, afirmou. Richa garantiu ontem em nova visita ao município a liberação emergencial de R$ 11 milhões em recursos estaduais. O recurso é do programa Família Paranaense e prevê auxílio para os municípios atingidos pelas cheias.

Na terça-feira, o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, esteve em Canoinhas, para, assim como Richa, ver de perto as necessidades da população e sentir o que é prioridade nas ações de socorro. Ele se reuniu com prefeitos de dez municípios. “O Governo vai agir inicialmente de forma emergencial no apoio humanitário. Para isso já foram disponibilizados aproximadamente R$ 5 milhões, dos governos federal e estadual. A próxima parte do processo depende do levantamento em cada cidade, principalmente no interior. Os técnicos devem avaliar os prejuízos na infraestrutura, estradas, lavouras e prédios públicos”, explicou o governador.

Saiba como ajudar

As ações de voluntariado e solidariedade tem se multiplicado pela região Sul. Diversas instituições, empresários e lojas do comércio, abraçam a causa. Na região, o ginásio de esportes da Uniuv, o Provopar e os batalhões do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar, estão abertos às doações. O Lions e o Rotary também estão sensíveis a causa e, além de reunir donativos, preparam refeições para os desabrigados. Pela rede social, também é possível ter mais informações. Telefones e e-mails de voluntários estão sendo compartilhados. Além de colchões, cobertores, roupas e mantimentos, o pedido é por transporte. Com uma demanda excessiva de pedidos – na noite de segunda-feira a Defesa Civil de União da Vitória tinha 145 pedidos de mudança – a doação do serviço também é válida.

Capa  -  03Preparados para a crise? Talvez não

As cheias do Iguaçu acenderam um comportamento de histeria. Não é raro, por exemplo, ver grupos nadando contra a maré, na busca de estabilidade diante da crise. A orientação de não fazer filas em postos de combustíveis, viajar, sair ou não de casa, nem sempre é acatada. Na verdade, agir de maneira contrária parece mais interessante e, até certo ponto, correta. Para o padre e sociólogo Abel Zastawny, o descrédito das autoridades, que nas ocasiões de crise também aparecem, é um dos motivos para a preferência pelas decisões “por conta própria”. “Em vista de tantos escândalos, o povo não acredita mais na autoridade. É um fenômeno da modernidade e no Brasil um pouco mais acentuado”, avalia. Endossa a decisão aleatória a “onda” dos boatos e das informações populares. “Alguém fala que está acabando a gasolina nos postos, todo mundo vai atrás disso. É uma presunção e cria-se todo este início de pânico”, pontua padre Abel. A falta de preparação para o imprevisível aparece na lista para motivar o comportamento que destoa das orientações. “Nunca estamos suficientemente preparados para a crise. Há pessoas mais tranquilas que enfrentam o problema de uma forma diferente. Outras não são e ai surge a situação de tumulto e inquietação”, pondera.

Palavra de especialista

Dago Woehl, presidente da Sec-Corpreri, está debruçado sobre os números que indicam a elevação dos níveis do Iguaçu. Desde que eles começaram a subir, Woehl montou sua própria força-tarefa para garantir cálculos exatos, transformados em conforto para quem está com sua família e bens dentro da água. Para ele, os números combinam com as cheias de 1992 e, como à época, também merecem consideração.

ACOMPANHE O QUE ACONTECEU DESDE DOMINGO, 8

 

DOMINGO: DRAMA NA CHUVA

domingo (1) Impossível não se lembrar dos dois piores momentos da história de União da Vitória e Porto União. A chuva que não deu trégua, caiu com força, para lavar as ruas, tirar a tranquilidade de quem vive próximo do Rio Iguaçu e voltar aos anos de 1983 e 1992. Foi nestas duas ocasiões que as duas maiores cheias do Iguaçu foram registradas. A deste ano, não seria diferente.

No domingo, porém, poucos sabiam, de fato, que o momento era de alerta. Aos poucos, contudo, uma fatia dos 100 mil habitantes que abriga as Cidades Irmãs, começou a preparação de sua mudança. Não era para menos: em 72 horas, foram mais de 300 milímetros de chuva. Em condições normais, o volume era esperado para dois meses, aproximadamente. No início da noite, vários bairros já estavam embaixo da água.

domingo (2)Logo, o que eram apenas “ruas alagadas”, transformaram-se em inundações. Às 11 horas, o nível do rio alcança os 5,30 e distanciava-se dos pacatos 2,87 que marcavam o início do final de semana. Choveu, choveu muito. No mesmo dia, o prefeito de Cruz Machado, município vizinho às Cidades Irmãs, também afetado pelas chuvas, decretou situação de emergência. “Está preocupante. O rio está fora da caixa. As pontes não vencem. Pedimos para que as pessoas não saiam de casa. Pelo amor de Deus, se estiverem seguras, continuem assim. Estamos trabalhando para que o estrago esteja menor. Faz muitos anos que a população não via essa quantidade de chuva. Pedimos que Deus feche as torneiras. Esse momento é de grande desespero”, disse o prefeito Antonio Luis Szaykowski.

A rapidez com que a água subiu pegou muitos de surpresa e fez com que muitas famílias abandonassem suas casas, tentando levar o máximo de coisas possível. O Rio Iguaçu subia com força. De acordo com o monitoramento hidrológico da Copel, a média era de oito centímetros por hora. “Estamos apreensivos. O nível do rio já passou dos 5,12 e a enxurrada continua nos atrapalhando. O importante agora é tirar as pessoas. Não vamos nos ater aos bens materiais”, alertava o chefe da Defesa Civil de União da Vitória, Marco Antônio Coradin.

SEGUNDA-FEIRA: COTIDIANO E ISOLAMENTO

segunda (2)O dia amanheceu, mas parece que já nasceu parado no tempo. Compromissos, festas, visitas, trabalho e escola mudaram de perfil em poucas horas. Por decisão das secretarias da Educação de União da Vitória e Porto União, as aulas na rede municipal foram suspensas. Na rede estadual, ninguém foi à escola e nas faculdades, o funcionamento foi parcial.

A chuva parou na madrugada mas deixou um rastro de destruição. Os caminhões da Defesa Civil organizavam-se para atender o socorro das famílias e outros tantos voluntários, mobilizavam ajuda para conhecidos e desconhecidos. A força-tarefa envolveu ainda o 5º Batalhão de Engenharia de Combate Blindado, que foi às ruas com seus homens, caminhões e embarcações. Entidades de classe organizaram mutirões em prol do próximo e uma grande rede de altruísmo espalhou-se pela internet. Solidárias à situação e aos seus próprios funcionários, muitos vítimas das cheias, as empresas Rodec e Zona Azul, que exploram o estacionamento rotativo, suspenderam a cobrança por uma semana.

Rio iguaçu Segunda Feira-01Foi na segunda-feira que o governador do Paraná, Beto Richa, colocou 77 municípios em situação de emergência. “Estamos agilizando a medida para que os municípios atingidos pelas fortes chuvas possam receber recursos e contratar serviços para o imediato atendimento à população atingida”, afirmou Richa. Também na segunda, o governador viajou para o interior do estado para verificar as condições de municípios das regiões, Sul, Centro e Centro-Sul do Estado, mais castigados pelas inundações. Em entrevista concedida no gabinete da prefeitura de União da Vitória, o governador declarou que ficou impressionado com a situação que encontrou na nossa região. Conforme dados da Defesa Civil do Paraná, às 11h30 do dia 9, quase 56 mil pessoas haviam sido atingidas pelas cheias em 86 municípios. Outras 7.530 pessoas ficaram desalojadas e 2.436, desabrigadas.

Foi também no dia 9 que o pânico dominou o comportamento de muitos. As Cidades Irmãs ficaram isoladas das demais. Todos os acessos estavam comprometidos, ora pelas cheias, ora pelos danos causados na malha asfáltica e nas pontes. As BRs 153 e 476 não tinham acesso, bem como a BR-280, que liga Porto União à Canoinhas. “Sozinhas”, as Irmãs contaram com a sorte e com o socorro que vinha do céu. Apenas aeronaves tinham acesso às cidades. Faltou energia elétrica e água mas sobrou ajuda comunitária. De novo, ela se replicou nos abrigos e em apoio a quem ainda retirava seus pertences de casa.

Especialmente as cidades de Cruz Machado e Bituruna, contabilizavam seus números. Na região da Associação dos Municípios do Sul do Paraná (Amsulpar), elas foram as mais prejudicadas com as cheias. Na região, contudo, as cidades de São João do Triunfo (PR) e Rio Negrinho (SC), também estavam no mapa de cidades com grandes perdas.

segunda (1)Em São João, por exemplo, pelo menos 400 pessoas foram atingidas e outras 40, estavam desabrigadas. Parte da cidade, de 13 mil habitantes, estava sem água potável. As duas pontes que dão acesso ao município foram levadas pelas cheias do Rio da Vargem e os moradores construíram sozinhos, e com seus próprios materiais, uma escada de madeira para ligar uma delas. Em Rio Negrinho, apenas um bairro não foi atingido pelas cheia. Por lá, 900 casas foram atingidas, 616 comércios e 14 indústrias. Em meio ao caos, oportunistas exploravam o valor de seus produtos no mercado. Em Rio Negrinho, o litro do leite era comercializado por até R$ 6.

O comportamento também ocorreu nas Cidades Irmãs, na exploração do preço do gás de cozinha e de água mineral. As notícias sobre os preços abusivos fizeram com que a Promotoria Pública e o Procon deflagrassem operação e fiscalização para coibir a ilegalidade.

TERÇA-FEIRA: CALAMIDADE 

terça-feira8As nuvens ainda cobriam a região e a ameaça de mais chuva não estava descartada. Na terça-feira, porém, ela não veio. A estabilidade, contudo, não segurou os números de vítimas, tampouco do nível do Rio Iguaçu, que subiu consideravelmente e, diante das consequências da elevação, levou o prefeito de União da Vitória, Pedro Ivo Ilkiv, a assinar o decreto de calamidade pública.

O documento, de número 193, foi emitido pela prefeitura e apontava para cerca de 400 famílias desabrigadas e outras 12 mil pessoas desalojadas. A colocação do município na condição favorece a comunicação com o Governo Federal ao mesmo tempo em que mantém o diálogo – e o recebimento de socorro – do Estadual. “Não queremos chamar a atenção mas precisamos disso. Estamos com pontes destruídas, as empresas tem prejuízos”, afirmou o prefeito.

terça-feira2A cidade de Porto União, ainda que com danos menores e “apenas” em estado de emergência, também foi olhada com mais atenção pelo governo de Santa Catarina e pelo Ministério da Integração Nacional. O município catarinense comemorou a liberação de R$ 3 milhões do Governo Federal para ações de socorro às vitimas da chuva. O balanço da Defesa Civil do Estado informava no dia 10 que 31 municípios haviam sido afetados pelas fortes chuvas. O número de desabrigados e desalojados chegava a 18 mil. No total, 55.659 pessoas foram afetadas pelas chuvas no Paraná.

Rio iguaçu Terça feira-01No Paraná, os dados eram bem mais elevados e chamou a atenção da comunidade o valor de repasse enviado pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), bem aquém do estado vizinho. Para o todo o Paraná, R$ 140.386,00 foram enviados. Será preciso dividir o bolo: no estado, 124 municípios foram afetados pelas chuvas e mais de 75 já tinham, na terça, decretado sua situação de emergência. O número de desabrigados chegava à 2.286 desabrigados e outros, 6.053 desalojados. No total, mais de 55 mil pessoas foram afetadas pelas cheias.

Mortes

Foi também na terça-feira que a primeira vítima da enchente foi identificada. Osni do Amaral, de 41 anos, foi encontrado boiando no Rio da Prata, na localidade de São Domingos. Amaral era de Cruz Machado e morava no bairro Jardim Muzzolon.

QUARTA-FEIRA: TOQUE DE RECOLHER E ESTRADAS LIBERADAS

quarta1O tempo seguiu nublado e o nível do Rio Iguaçu alcançou seu ápice. Nas margens da ponte férrea de União da Vitória, a leitura não deixava dúvidas: o rio alcançava a linha dos oito metros mas permanecia estável. Nas Cidades Irmãs, o trânsito ganhou mais movimento com a presença de caminhões de mudanças e filas nas pontes Domício Scaramella e Manoel Ribas. Houve auges com até quatro e cinco quilômetros de congestionamento sobre elas.

No dia 11, a Defesa Civil de União da Vitória adotou o toque de recolher como medida. O decreto 195 determinou que após às 20 horas, apenas pessoas, veículos e embarcações identificadas da Defesa Civil, Exército, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar circulassem pelas áreas inundadas. A ação, garantiu o órgão, era salvaguardar a segurança pessoal e patrimonial nestes locais.

Outra medida de proteção veio do governo de estado. O governador Beto Richa determinou a instalação de uma unidade da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil no município, um dos mais atingidos em todo o Paraná. O governador também liberou um helicóptero do Governo do Estado para ficar baseado na cidade. A aeronave deve atender a todos os municípios da região.

Na quarta-feira, a situação das estradas melhorou consideravelmente. O acesso à BR-476 foi liberado, bem como foi o início do trecho de acesso à BR-280, que estava prejudicado por causa de problemas na ponte sobre o Rio Pintado. As áreas rurais das Cidades Irmãs voltaram a ser liberadas e a ponte sobre o Rio Vermelho, também na 476, foi liberada.

O dia foi mais tranquilo também nos abrigos. Em Porto União, especialmente as famílias alojadas no ginásio de esportes Lauro Müller Soares, receberam atenção do curso de Psicologia da Universidade de Contestado (UnC) e em União da Vitória, a Secretaria da Educação liderou o processo de cadastramento das vítimas. Houve filas e em pouco menos de duas horas, mais de 200 cadastros já haviam sido feitos.

Rio iguaçu Quarta Feira-01Projeto Gaps alcança o terceiro dia

Desde segunda-feira, o curso de Psicologia da UnC lidera o projeto que prevê mais conforto aos desabrigados. Diante da demanda, a ação está concentrada especialmente com as famílias do ginásio Lauro Muller Soares, em Porto União. Mas, a partir de hoje, a intenção é desdobrar o trabalho. Trata-se do Grupo de Apoio Psicológico em Situações de Emergência (Gaps), assinado pelos acadêmicos, sob a coordenação da professora, Daniele Jasniewski.

Além de checar se as necessidades básicas têm sido atendidas, o Gaps foca na identificação de outros problemas. O foco vai além de manter as famílias alimentadas e aquecidas. “Sabemos que não vamos tirar a dor de quem perdeu mas é para aliviar a dor de quem está ali”, explica Daniele. Os alunos trabalham a partir das respostas dadas na triagem. Ela é individual e em seu roteiro envolve a anotação de queixas, sugestões de melhorias e condições dos moradores. “Sabemos que a comida está certinha mas tem outras necessidades. Por exemplo, tem mães que precisam de fraldas, outros querem extensão, pilhas, cordas para fazer varal, toalha de banho, medicamentos”, aponta a professora. “O trabalho cuida da má distribuição que pode ocorrer dentro dos abrigos e também dá conforto para o espírito deles”, completa.

No Lauro Muller, há 25 famílias desabrigadas e a expectativa é que o retorno para casa ocorra em apenas dois meses. O Gaps, contudo, segue com as famílias pelos próximos seis meses. “Queremos acompanhar o retorno e a expectativa de cada família”, explica.

QUINTA-FEIRA: SOL E GOL DO BRASIL

Rio iguaçu Quinta Feira-01O dia foi um dos mais pacatos desde que as cheias, de fato, inundaram as Cidades Irmãs. O sol, que já não aparecia, voltou a brilhar. E com força. As temperaturas ficaram bem acima do esperado e o calor agradou. As famílias abrigadas limparam seus endereços temporários, secaram suas roupas, colchões e cobertores. O sol, bem no alto do céu, renovou a esperança de quem está longe de casa. Ainda assim, estima-se que o retorno ocorra apenas em dois meses. O tempo estável também impulsionou o recuo do nível do Rio Iguaçu. Na quinta, as réguas marcavam 7,96 metros, um avanço desde os 8,01 registrados na semana.

Nos abrigos, o tempo bom renovou o espírito e por quase duas horas, muitos esqueceram as dificuldades e diante do televisor – emprestado, comunitário e um dos poucos resistentes à enchente – torceram pela estreia e vitória do Brasil. “É difícil torcer, mas a gente vai tentar comemorar”, disse Irineu, uma das vítimas das cheias que atingiu o Bairro Navegantes, em União da Vitória. Às 17 horas, ele, sua esposa, duas filhas e os vizinhos, sentaram-se nos colchões diante de uma TV de poucas polegadas. A família de Irineu está alojada no estádio Antiocho Pereira. No ginásio, Isael Pastuch, ao lado do estádio, apenas duas famílias estão. Elas improvisaram uma casa no alto das arquibancadas: a quadra está coberta de água. “Não esperava passar a Copa alojada. Quem sabe na próxima a gente assiste em casa”, sorriu Fátima, que está temporariamente no endereço ao lado de sua filha, genro e dois netos. Duda, a netinha de oito anos, caprichou na arrumação do que transformou-se em seu quartinho e na estreia do Brasil, apostava em uma vitória mais singela. “Dois à zero”, palpitou. O time de Felipão fez mais. Depois de um gol contra, os canarinhos fizeram mais três gols em cima da Croácia.

quinta-feira (5)Na quinta, com exceção da movimentação dos órgãos de Defesa Civil e das aeronaves, que mantém curtos intervalos entre um voo e outro, a notícia que mais replicou na rede social foi a que anunciou a mudança na data da Festa da Fogueira, em Porto União. Conforme nota enviada à imprensa, os eventos que ocorreriam em julho, acontecem em agosto, nos dias 2, 9 e 10, na comunidade do Bairro São Pedro.

 

SEXTA-FEIRA: SOCORRO

sexta (3)Ontem os órgãos de Defesa Civil mostraram especialmente sua organização. Depois de quase uma semana desde a enchente, as equipes montaram uma central para recebimento de doações. Ela ficará concentrada no Ginásio de Esportes do Centro Universitário da Cidade de União da Vitória (Uniuv). As doações serão organizadas para entrega às famílias após a volta para casa, tendo em vista que, além dos abrigos públicos, muitas pessoas estão alojadas em casas de familiares e amigos, e também necessitam do apoio do poder público. Nesta semana, o município recebeu também dois mil cobertores, 500 litros de leite, 300 kits dormitório, 176 de alimento emergencial, 124 cestas básicas, peças de roupa masculina, feminina, infantil e sapatos.

betoricha-uniaodavitoria-enchente (11)O governador Beto Richa esteve em União da Vitória novamente. Dessa vez, trouxe a solidariedade como doação. “O momento é crítico, mas estabilizado. Toda a estrutura está mobilizada, organizada e em um segundo momento vamos calcular os prejuízos para a reconstrução destas cidades atingidas”, disse Richa. Segundo ele, ainda que em caráter precário, cerca de 90% da passagem entre os municípios da região foram restabelecidos. “Vim me solidarizar com o povo de União da Vitória, oferecer ajuda ao prefeito e me colocar à disposição mais uma vez junto da população”, afirmou. O deputado estadual Valdir Rossoni (PSDB) acompanhou o governador e sua esposa, Fernanda Richa, durante visita à União da Vitória. Otimista, incentivou especialmente seus conterrâneos, moradores de Bituruna. “É claro que não temos solução para tudo, mas temos a organização funcionando perfeitamente. Fui prefeito em 83 e tivemos a mesma catástrofe e quem ajudou a construir a cidade foi a própria população. Vamos reconstruir”, sorriu.

Foi também nesta sexta que o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) disponibilizou aos paranaenses um mapa que permite saber com antecedência as condições das rodovias. O Mapa Interativo da Trafegabilidade traz informações atualizadas 24 horas por dia, das condições das rodovias, mostrando pontos de bloqueios e rotas alternativas para desvios. O documento é abastecido pela Polícia Rodoviária Estadual e pelos 14 escritórios regionais do DER. Conforme o órgão, até ontem as equipes do DER trabalhavam em 31 pontos de rodovias que estão fluindo em meia-pista. Outros 36 trechos já haviam sido liberados. No Paraná, as chuvas atingiram 92 trechos de rodovias estaduais e federais.

sexta (5)Ontem, o Núcleo Regional da Educação (NRE), decidiu pela antecipação das férias. “Em consenso, decidimos pelo retorno das aulas no dia 7 de julho. As férias começam então no dia 24 de junho”, confirmou o chefe, Ricardo Brugnago. A decisão é uma forma de solidariedade aos alunos, professores e funcionários vítimas das cheias. “Dessa forma, será possível que as famílias possam reconstruir suas residências e auxiliar os parentes mais próximos, os amigos e até os desconhecidos”, diz.

O Procon de União da Vitória continua sugerindo que os consumidores denunciem abusos. Desde o início da semana, valores de alguns produtos essenciais, como gás e água mineral, foram praticados bem acima do convencional. O Ministério Público segue na fiscalização para coibição da prática.

Rio iguaçu sexta-01Em Porto União, a situação é bem mais tranquila. Por lá, os danos concentram-se pontualmente no Bairro Santa Rosa e na Vila Marli, banhados pelo Iguaçu e pelo Rio Pintado. “Estamos melhorando bastante, mas ainda temos muito trabalho”, afirmou o cabo Lírio, chefe da Defesa Civil no município. Até o final da tarde de ontem, cerca de quatro mil famílias haviam sido atendidas pelo órgão. Sete abrigos foram disponibilizados para atender quem precisou sair de sua casa. Porto União, diferente de União da Vitória, não decretou calamidade. Antes, situação de emergência.

O perfil é comum em outros municípios de Santa Catarina e do Paraná. Alguns já iniciaram a reconstrução do que foi perdido. Outros, ainda esperam o recuo dos rios para calcular os prejuízos.

Nota da Redação

As dezenas de fotos publicadas nesta edição foram enviadas por leitores, seguidores das redes sociais, assessorias de comunicação das prefeituras dos municípios da região, das entidades de classe, de secretarias municipais, órgãos públicos e privados, além da equipe de jornalismo do Grupo Verde Vale de Comunicação. As aéreas, em especial, foram cedidas por Waldir Aliot Júnior e pela Aeroarte (cedidas pela Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo de União da Vitória). Desde já, desculpas por não identificarmos cada uma individualmente. Por medo de errar, optamos por não arriscar.