Lei da Palmada pode sofrer má interpretação

Profissionais sugerem “filtro” nas decisões do que estará certo ou errado

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Atualizado há 10 anos

Por Mariana Honesko

Para conselheiras tutelares, aplicação da lei vai depender de mais orientação
Para conselheiras tutelares, aplicação da lei vai depender de mais orientação

A Lei da Palmada nem foi sancionada ainda mas já dá muito o que falar. A iniciativa gera dúvidas sobre a atuação de alguns profissionais. Rebatizada com Lei Menino Bernardo, após o caso de Três Passos (RS), a proposta que tramitou por mais de uma década, altera artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para especificar o que é castigo e tratamento cruel e ainda prevê multa de até 20 salários mínimos para profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social que não fizerem caso das agressões.

É justamente neste aspecto que quem trabalha em órgãos de proteção teme. Em União da Vitoria as conselheiras tutelares Dionéia Schier e Maria Isabel Scistowski acreditam que será difícil filtrar as ocorrências e identificar o que é, de fato, abuso. “A gente precisa de mais orientação sobre como questionar o que aconteceu”, afirma Dionéia. “Os pais vão até acabar perdendo o domínio sobre os filhos por não saber exatamente o que fazer”, completa Isabel.

Aos olhos da Justiça, porém, a medida pode estar sendo mal interpretada de maneira equivocada pela sociedade. “A lei não prega a interferência do Poder Público na vida privada familiar. Antes, salvaguardar crianças e adolescentes que diariamente são vítimas de maus tratos severos, agressões físicas exageradas e castigos degradantes”, avalia o juiz da Vara da Família, Infância e Juventude em União da Vitória, Carlos Mattioli. Segundo ele, as situações neste contexto são comuns. “Vítimas de abusos imoderados passam por sofrimento e abalo psicológicos de difícil reparação, tornam-se adultos violentos e com dificuldades de aprendizado, dificuldades no relacionamento afetivo, convivência social, estabilidade no emprego”, aponta.

Dados do Conselho Tutelar reforçam a ocorrência dos abusos. Recentemente, uma criança teve o pulso quebrado por um salto de sapato. Outra foi mordida por adultos, no rosto. Apenas em maio, 26 casos de maus tratos foram atendidos pela entidade. “E para isto torna-se necessário a atuação do Poder Público evitando que tenhamos no futuro, adultos com esse perfil. Se esse for o intento da criação desta lei, deve ser efusivamente comemorada”, completa o juiz.

Fiscalização já acontece

Na região atendida pela comarca de União da Vitória, o trabalho de rede já tem dado bons resultados. Segundo a Promotoria Pública, as ações têm detectado e encaminhado os casos de violência para atendimento. A expectativa do órgão é que a lei, se realmente sancionada, não tenha o foco desviado mas que chame a sociedade para discutir a importância de “preservar” seres humanos em desenvolvimento. “Não se trata de interferência na educação dos pais, que continuarão a educar seus filhos como melhor entender, mas sim da busca da efetiva proteção de crianças e adolescentes que eventualmente venham a ser agredidos desmedidamente”, conclui Mattioli.