“O consumidor passará a ser produtor de sua própria energia”, diz Gerson Berti

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Atualizado há 6 anos

Gerson Berti
Gerson Berti

Um dos nomes mais respeitados de Santa Catarina quando os assuntos são energia renovável e geração distribuída, Gerson Berti é graduado em Administração e em Direito, com especialização em Auditoria. Foi diretor de Desenvolvimento Econômico da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Sustentável (SDS), cargo em que foi o responsável pela criação do Programa Catarinense de Energias Limpas, o SC+Energia. Depois de uma passagem pela Eletrosul e o Iprev-SC, no início de 2017 reassumiu a coordenação do SC+Energia.

No ano que vem, Berti completa dois anos à frente da presidência da Associação dos Produtores de Energia de Santa Catarina (Apesc). Nesta condição, de presidente da Apesc, ele concedeu entrevista exclusiva à Coluna Pelo Estado para falar dos resultados alcançados com o programa de energia, de sua gestão à frente da entidade, dos leilões de energia, da privatização da Eletrobrás e de como o país poderia ter driblado o aumento de energia se preocupando em investir mais na hidroeletricidade.

[PeloEstado] – Os aumentos na tarifa de energia têm sido frequentes. Bandeiras tarifárias prejudicam a retomada da indústria?

Gerson Berti – O aumento do valor das bandeiras prejudica a todos – indústria, comércio, desempregados, empregados, empresas de serviços, organizações sociais e setor público. Num momento em que é muito difícil aumentar a renda pela retração do PIB (Produto Interno Bruto), ter aumento de custos sem condições de repassar aos preços é bastante pernicioso à economia. Por outro lado, o aumento da conta da luz vai incentivar ainda mais as pessoas a serem geradores de sua própria energia. É um lado bom, se é que tem lado bom em aumentos de custos.

[PE] – A entidade pretende incentivar a geração distribuída?

Berti – A geração distribuída é o grande vetor de incremento da produção no estado e no país. Ela vai revolucionar o modo como vemos o fornecimento de energia. O consumidor passará a ser produtor de sua própria energia. Isso é o mesmo que produzir seu próprio alimento. É a autosustentabilidade na sua melhor concepção. No evento que fizemos com a Federação das Indústrias (Fiesc), em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento (SDS) e o SC+Energia buscou sensibilizar os consumidores e empresários desse novo papel posto à disposição: gerar sua energia por fontes renováveis, de maneira segura e mais barata. O evento reuniu mais de 500 pessoas e faremos mais alguns em polos regionais do estado.

[PE] – O que falta para a geração distribuída em Santa Catarina?

Berti – Faltam financiamentos a juros compatíveis, mais baratos. Isso está acontecendo, de forma lenta, mas está caminhando. Precisamos aderir ao convênio Confaz 015/2015, que concede isenção do ICMS sobre a energia para usinas geradoras de até 1 MW (megawatt). Falta Santa Catarina fazer a adesão para se igualar em competitividade com outros estados. Mas, somos um estado com bom nível de renda e cultura de seu povo, terreno fértil para implementação de geração de energia renovável, onde a fotovoltaica se destaca e deverá crescer exponencialmente nos próximos anos.

[PE] – É importante aumentar o uso de recursos hídricos?

Berti – O valor do patamar 2 da bandeira vermelha foi majorado de 3,50/100 kilowatt para 5,00/100kW. Isso é um valor muito expressivo. A destinação desses recursos é para cobrir geração térmica, a mais cara e a mais poluente. A única geração que pode substituir a térmica seria, em parte, a geração hídrica, isto porque é possível armazenar água em reservatórios e gerar no momento em que é necessário. Não temos sistemas de baterias para armazenar a geração solar nem a geração eólica. Por isso são consideradas intermitentes. Geram quando é possível gerar. E sua geração deve ser instantaneamente consumida. Então, quando não há sol ou ventos suficientes, poderíamos ter outra fonte renovável e de baixo impacto disponível, como é a hídrica. Ao invés de usar a água, estamos queimando carvão, diesel, gás natural, lenha, bagaço de cana, etc. A posição ambientalista contra a geração hídrica está errada. A geração hídrica é a mais barata e, quando considerados todos os aspectos, como a vida útil das instalações e os benefícios indiretos, é a que produz o menor impacto ambiental negativo e permite a preservação de água para consumo animal e humano, bem como para a irrigação de plantios.

[PE] – Qual sua opinião sobre o leilão da Eletrobrás?

Berti – O leilão de privatização da Eletrobrás é bem vindo. Primeiro porque têm custado muito aos cofres públicos as estatais do setor elétrico. Elas precisam com petir em um ambiente regulado, com muitos investidores privados, sem tratamento favorecido e têm uma estrutura de custo muito mais cara. Segundo, porque elas deixaram de ser importantes sob o ponto de vista estratégico. Sem capacidade de investimento, elas não conseguem acompanhar o incremento tecnológico setorial e nem aproveitar-se das redução de custos orgânicos que as grandes empresas privadas do setor conseguiram capturar. Com empresas competitivas, em igualdade de condições, será possível fazer grandes empreendimentos de geração a um valor mais baixo, longe dos malfadados processos licitatórios e dos aditivos contratuais, tão comuns nas licitações públicas. Isso não significa deixar que o setor se autoregule. A presença do Estado precisa estar na regulação e na fiscalização.

[PE] – O último leilão de usinas movimentou R$ 12 bilhões. Os chineses investiram R$ 7 bilhões. Eles estão cada vez mais fortes e tomando o mercado?

Berti – Os chineses são uma benção para o setor elétrico. A China é uma país que, certamente, em até 10 anos será o líder econômico mundial. Não haverá área de atividade humana sem capital chinês. As licitações têm suas regras; o setor tem suas regras. Observando as regras, os chineses sagraram-se vencedores de um certame e o mé- rito é somente deles. Se não fosse a presença chinesa nos leilões, qui- çá sequer teríamos compradores para todos os ativos. Os volumes de recursos envolvidos são muito altos e as empresas chinesas têm recursos em abundância, financiados pelo Banco da China. Para eles, é estratégico crescer fora da China, pulverizando investimentos por todo o mundo, garantindo o bem estar do seu povo. Para nós brasileiros, é fundamental termos agentes econômicos que ajudem o país a fazer toda a infraestrutura que ainda falta fazer. Se olharmos para a China, veremos a evolução do país nos últimos 40 anos e o quanto foram capazes de fazer. Chineses, japoneses, americanos, alemães, suíços, são todos muito bem vindos com sua capacidade de investimento e com sua habilitação técnica para nos ajudar no desenvolvimento do Brasil.

[PE] – Como estão as energias renováveis em Santa Catarina?

Berti – Estamos bem, crescemos a cada ano de maneira segura e sustentável. Especialmente em geração hídrica, cujo manancial é bastante amplo e distribuído, são Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) espalhadas em todo o território catarinense. Em geração distribuída solar, somos o sexto estado do país. Em geração eólica, temos licenciados cerca de 3.000 MW de potência instalada, mas enquanto não tivermos leilões regionais, não temos ventos que possam competir com os ventos do Rio Grande do Sul, do Norte e do Nordeste, cuja característica permite um fator de capacidade maior e, assim, podem vender energia a preços menores, em igualdade das demais condições. O estado possui no total 358 empreendimentos em operação, gerando 4.638.715 kW de potência. Para os próximos anos, estão previstos um crescimento de 1.203.434 kW de capacidade de geração, proveniente de oito empreendimentos atualmente em construção e mais 41 com projetos prontos que não iniciaram as obras.

[PE] – O programa SC+Energia, existe há mais de dois anos. Os resultados atingiram o objetivo?

Berti – O Programa SC+Energia produziu excelentes resultados até agora. São mais de 100 projetos inscritos. No último leilão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tivemos oito projetos inscritos no programa que se sagraram vencedores, permitindo R$ 165 milhões de investimentos no estado. Para o próximo leilão, de dezembro, temos a convicção que o resultado será ainda melhor. São CGHs, PCHs e 1 projeto eólico cadastrados. Ainda há muito a fazer, mas temos a convicção que estamos no caminho certo. Reunimos os agentes públicos e privados em um objetivo comum.

[PE] – O senhor criou esse projeto. Quais são as previsões para os próximos meses?

Berti – Temos um desafio importante: viabilizar empreendimentos que não obtiverem êxito nos leilões de energia promovidos pelo governo federal. Há muitos projetos em Santa Catarina que podem ser viabilizados através de leilões de energia distribuída promovidos pela distribuidora local, no caso, predominantemente a Celesc. Para tal, é importante que a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) reformule a formação do Valor de Referência para que seja um preço compatível com a realidade. Só assim, nosso estado poderá ser autosssustentável em geração de energia, mesmo em períodos de crise hídrica. Além disso, temos desafios importantes, como viabilizar a matriz do biogás, um projeto de regaseificadora de gás liquefeito no litoral catarinense, para garantir suprimento de gás natural em nosso território. Considero um projeto prioritário.

[PE] – Seu mandato como presidente da Apesc termina em junho de 2018. Como avalia sua gestão?

Berti – Tem sido uma experiência bastante proveitosa. De um lado é um aprendizado constante sobre os desafios enfrentados para empreender em nosso estado, em que pese ser um dos melhores destinos de investimentos no país. Mesmo com todas as nossas ações no SC+Energia, o processo ainda é moroso. Creio também que minha experiência no setor público foi de valia para a Apesc e os associados. Entendo que conhecer o modus operandi de cada órgão facilita para enfrentar esses desafios apresentados ao setor de geração de energias renováveis no Estado.