O ÚLTIMO ENDEREÇO

A realidade, tão parecida e também tão distante, dos cemitérios de União da Vitória, em texto e imagens

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Atualizado há 6 anos

(Foto: Mariana Honesko).
(Foto: Mariana Honesko).

A morte é uma ladra, mas ela é inevitável. Vem para todos, ricos, pobres, homem e mulher. E é para o mesmo lugar que todos vão: a lápide pode ter bronze, ouro ou só uma cruz de madeira, mas o cemitério é o último endereço. De lá para frente, ninguém sabe. O cemitério é a última morada do ser humano e como lugar de descanso, merece dignidade e respeito.

Durante o mês de março, a reportagem do Jornal O Comércio percorreu os cemitérios de União da Vitória, fruto de um trabalho de continuação da reportagem que abordou, há poucos dias, as condições do cemitério do Limeira. Lá, não há controle sobre quem é enterrado. Não há funcionários. A limpeza é rara. Como bem chamou o título daquela matéria: é uma terra de ninguém. A prefeitura está ciente do contexto e deve se posicionar em breve. Na produção da matéria, a informação de que a cidade tem outros 16 cemitérios públicos, chegou à redação. No entanto, apenas dois são administrados pelo município. Os demais, são – ou deveriam ser – geridos pelas comunidades, por associações a até pelas igrejas.

“Na verdade, eles funcionam a Deus dará. Tenho conhecimento de gente que morre em um bairro e é enterrado em outro local, clandestinamente. Chega lá de madrugada, faz um buraco, enterra e pronto”, dispara o presidente da União Comunitária das Associações de União da Vitoria (Ucauv), Anacleto Cordeiro Pinto. Como mostrou O Comércio, o cemitério do Limeira é um destes locais. “Temos alguns cemitérios que são cuidados. Outros, não tem ninguém. O do Limeira precisa de uma atenção. O último que cuidou foi a Igreja Ucraniana, e a associação do bairro não quer fazer isso. Se a prefeitura se mobilizar, acho que a gente pode resolver este problema”, completa.

Pensando nessa mobilização e na tentativa de entender como funciona a gestão dos cemitérios que não são organizados diretamente pela prefeitura, a secretária do Meio Ambiente, Sandra Jung, esteve reunida nesta quinta, 15, com os responsáveis pelos espaços. “Queremos ver como está a regularização destes cemitérios, o registro das sepulturas, dos mortos, ver legalmente até como cobrar isso. Nossa ideia com a reunião foi a de fazer com que estes responsáveis se reúnam e regularizem, juntos”, justificou. No encontro de ontem, o departamento Jurídico da prefeitura esteve presente.

A edição de hoje, nestas páginas, mostra um pouco mais sobre as particularidades de alguns destes endereços quase esquecidos. A reportagem contou com a gentileza de Rudimar Empinotti, ex-funcionário da prefeitura que trabalhou como administrador dos cemitérios por bastante tempo. A ajuda dele foi primordial. É que encontrar alguns dos endereços foi uma verdadeira aventura, com direito a subidas a pé, estradas difíceis e doses de adrenalina para entrar por portões destruídos e vegetação alta.

Visitando os cemitérios

A maior parte dos endereços fica na zona rural ou no acesso a ela. Um dos mais impressionantes, não pelo contexto sombrio, é o que fica na comunidade de São Domingos. Ele é grande, limpo, com cimento no chão. De longe, impressiona a divisão por idade: de um lado, estão sepultados os corpos de adultos. De outro, apenas os de crianças. Não causaria tanto impacto se os túmulos estivessem misturados. Mas essa divisão permite contar a quantidade de mortos e imaginar o sofrimento que muita gente enfrenta.

União da Vitória tem até um cemitério “privado”. Ele fica exatamente ao lado da empresa Pormade, na unidade que fica na BR 153, sentido União da Vitória-Cruz Machado, na localidade Correntes. A reportagem não visitou pessoalmente o local, mas conversou com a assessoria de imprensa da empresa para saber mais sobre esse cemitério. Conforme o assessor, Leonardo Talamini, o cemitério já existia quando a estrutura da Pormade foi construída. Ele disse, ainda, de acordo com o que conversou com os funcionários, que “o cemitério faz divisa com a empresa, porém, não faz parte [do terreno da empresa]”. O local é visitado pelos familiares e recebe limpeza e outros cuidados. Embora esteja “coladinho” com a empresa, a entrada do loval é em outro lado: não é preciso passar por dentro das instalações da Pormade para visitar o endereço.

Outro cemitério que chama a atenção, agora pela superlotação, é o do bairro São Cristóvão. Mais velho que o Municipal, segundo seu administrador, o também vereador, Albino Schersovski, o cemitério tem apenas poucos espaços disponíveis. Na verdade, só tem porque os funcionários fazem malabarismos para sepultar quem precisa. Por isso, é comum encontrar um – ou até mais – túmulos no meio de um corredor, por exemplo. “Já não tem mais o que fazer. Isso aí a gente tem colocado um em cima do outro, remanejando. Já coloquei isso na Câmara e estão vendo um novo terreno, mas não é para agora. Aqui temos túmulos do tempo do Contestado, dos jagunços”, comenta Schersovski. “Chegar agora e pedir um lote novo no São Cristóvão, não tem como”, completa. De fato, o processo para a construção de um novo cemitério em São Cristóvão existe. A equipe do escritório do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) de União da Vitória, admite que o projeto está em estudo, embora não confirme a localização do novo espaço.

Uma aula de história

O Cemitério Municipal, assim como o de São Cristóvão, é mantido pela prefeitura. Ele é grande e, de tão histórico, é uma aula de história. Quem passeia – sim, passeia – no cemitério que fica no centro, no final da Rua Ipiranga, vai encontrar túmulos de militares, de gente que se tornou santo para o povo, de crianças e até do fundador da cidade, Coronel Amazonas Marcondes. Aliás, apenas o mausoléu dessa família precursora, é, por si só, uma aula. Não raro, os espaços são visitados por professores, por estudantes, por quem quer conhecer um pouco mais sobre a cidade. É por isso que o Cemitério precisa – e está – bem cuidado. Os horários de abertura dos portões são bem amplos (abre logo às 8h, fechando apenas no começo da noite) e as informações sobre o espaço podem ser obtidas com os funcionários, sempre mexendo em uma coisa aqui, outra acolá. Pelo contexto, o Cemitério Municipal não é cartão-postal, mas até poderia ser, pelo cunho histórico e informativo. Oxalá se todos fossem assim, um local de respeito, para que todos descansem em paz, de fato.

Quanto custa um funeral?

Sim, até para morrer custa caro. Se de um lado há o luto, do outro, há um negócio. Por isso, um funeral pode ser oneroso e, diante do imprevisto e de todo o abalo emocional, uma pesquisa de valores nem sempre é possível. Em média, urnas simples são comercializadas a partir de R$ 1 mil. As mais luxuosas podem passar dos R$ 5 mil. A compra acompanha um “kit”, composto por algumas velas, ornamentação do caixão e maquiagem leve na pessoa falecida. No Vale do Iguaçu, o processo de tanotapraxia, limitado a poucas funerárias, faz subir o valor das despesas. A técnica é usada para a conservação dos corpos por mais tempo. O procedimento custa em média entre R$ 500 e R$ 1 mil. A compra de coroas e a colocação de outros acessórios é cobrada à parte. Além desse extra, há variação de valores de acordo com o material (por exemplo, flores artificiais são mais baratas que as naturais).

Em União da Vitória, a Secretaria de Assistência Social ajuda quem realmente é carente e, diante do luto, não tem como custear as despesas. O modelo não é tão diferente do praticado no restante do Brasil, onde quem não possui um espaço privado no cemitério é enterrado nas “quadras gerais” e a família precisa retirar os ossos após três anos.

Conforme a diretora da Pasta, Marly Oanieski, a prefeitura mantém um convênio com uma funerária local. “E as famílias carentes são atendidas por nós. Quando ocorre o falecimento em um hospital, por exemplo, até fora da cidade, a equipe do hospital entra em contato conosco. Dentro das necessidades da família, ela será atendida. Isso vale também para morte violenta. Muitas vezes o IML ou até a funerária, faz este contato conosco”, explica. Por mês, a secretaria disponibiliza esse “funeral social”, que na verdade é a cessão de um caixão simples – todos os adereços a parte, se a família quiser, é pago por ela – para cerca de três e cinco famílias.

A Assistência Social auxilia também no encontro de um terreno para o sepultamento. Quem não tem lote (isso é checado pela equipe da secretaria), pode sepultar em um local indicado pela equipe no Cemitério Municipal. O espaço dispõe de 12 gavetas “sociais”, onde o corpo pode ficar por até cinco anos. Depois disso, a família precisa retirar a ossada e sepultá-la em outro local. “No momento, todas as gavetas estão ocupadas, não deu o prazo para serem retiradas. Mas todas as vezes em que for preciso, a prefeitura dá um jeito de ajudar, nada irregular, mas dentro de um limite, já que os cemitérios estão lotados. As vezes é complicado, mas todos são atendidos”, pontua.

A sete palmos

A medida popular atribuída à profundidade para o sepultamento de um corpo, teve origem na Inglaterra, após a peste que alastrou Londres em meados de 1800. Para se ter uma ideia da gravidade, por semana, morriam cerca de 8 mil pessoas. Com medo da epidemia, foi estabelecida uma nova regra para os cemitérios, que era justamente essa distância dos sete palmos (cerca de 22 centímetros cada palmo) entre a terra e o corpo. Após o fim da peste, a ordem foi suspensa e os mortos voltaram a ser enterrados mais próximos da superfície.

Entretanto, o número de cadáveres que sumiam dos túmulos e eram vendidos para estudos patológicos, principalmente em universidades, aumentou drasticamente. Com isso, o governo inglês retomou a lei dos dois metros criada na época da doença. Da Inglaterra, esta tradição foi se incorporante e se adaptando nas demais culturas ocidentais.

O ato de enterrar os corpos é quase tão antigo quanto o próprio ser humano. Pesquisadores descobriram cemitérios estimados em 60.000 antes de Cristo, com chifres de animais sobre os restos mortais, indicando que já existia o ritual de presentear o falecido. Estima-se que o maior cemitério do mundo é o “Wadi Al-Salaam”, no Iraque, com mais de cinco milhões de corpos.