País tropical, temperado pela cultura libanesa

Imigrantes estão em todo mundo e também no Brasil. Mescla de cultura e caminhos da imigração, serão apresentados por Carlos Guérios, em União da Vitória

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Atualizado há 10 anos

Por Mariana Honesko

As estimativas apontam que o Brasil tem mais libaneses que o próprio Líbano. Na verdade, segundo o pesquisador Carlos Guérios, descentes da etnia e natural de União da Vitória, o País abriga entre sete e oito milhões de filhos árabes. No Paraná, as comunidades estão especialmente concentradas em Foz do Iguaçu. No Brasil, São Paulo reúne população maior.

"Cada dia me convenço mais que estou no paraíso” – Jaoudat Hussein Braki
“Cada dia me convenço mais que estou no paraíso” – Jaoudat Hussein Braki

Nas Cidades Irmãs, a imigração marcou o nascimento da mescla étnica e trouxe uma população potencialmente hábil para negociações comerciais, empresariais e políticas. Alegres, dinâmicos e bons comunicadores, os libaneses encontraram na região um paraíso. É assim, com esta palavra, que Jaoudat Hussein Braki, o seu “Juja” – o apelido ele ganhou no Brasil, pela dificuldade da pronúncia de seu nome – define o País. A impressão paradisíaca, que o deixou surpreso quando tinha 23 anos, ainda é a mesma. “Me convenço cada dia mais que aqui é o paraíso”, afirma Bakri.

Ele chegou ao Brasil por incentivo de seus familiares, já moradores daqui, e pela busca de dias melhores. “Deixei a mulher e uma filha de seis meses no Líbano. Vim sem saber a língua, os costumes”, conta. Jaoudat deixou para trás também uma carreira pouco remunerada, mas consolidada. No país, o agora comerciante, dono da Casa Alberto, na Manoel Ribas, era professor. “De Matemática e Língua Árabe”, sorri. Juja não viveu em outras cidades: seus primeiros – e presentes – dias foram em União da Vitória. O que era para ser temporário, em três anos soou definitivo. “Eu iria fazer um pé de meia, em uns dois anos, e voltar para minha família. Passou o tempo, eu só consegui o dinheiro em três anos e resolvi trazer a família para cá”, conta. “Aqui é minha vida”, sorri.

“Daqui não saio mais” – Joseph Nammura
“Daqui não saio mais” – Joseph Nammura

Porém, a vinda para o Brasil não foi tão feliz para o imigrante, Joseph Mikhael Nammura. Aos 80 anos, seus olhos ainda enchem-se de lágrimas ao lembrar-se de uma história carregada de dramas. O comerciante aposentado, chegou ao País em agosto de 1951. “Vim de navio, 35 dias de navio.” Na ocasião, ele e o irmão mais velho, fugiam da miséria que afugentava o Líbano por conta dos conflitos. Para trás, Nammura deixou sua mãe, padrasto – o pai faleceu quando ele tinha três anos – e seus outros seis irmãos. “Fugimos do conflito entre árabes e judeus. Era duro para o Líbano. Em 48, os refugiados palestinos invadiram tudo”, conta.

O então adolescente libanês seguiu o irmão em seus contatos, com familiares que já tentavam dias melhores na cidade de São Paulo. Nammura, com pouco estudo, sequer entendia para onde, de fato, seguia. Atravessou o oceano sem compreender que dias mais difíceis estavam por vir. “Fiquei em São Paulo uns seis meses. Uma prima me ensinou a escrever meu nome, para eu não ter meus documentos como analfabeto. Depois, fui procurar uma vida melhor”, sorri. Nammura passou fome, ficou sem dinheiro, tentou vários empregos e ganhou os primeiros trocados trabalhando muito. “Eu acordava as três horas da madrugada e ia para a feira. Eu pegava as frutas mais finas e saía nos bairros nobres para vender”, lembra.

Foi neste período que sua família deixou o Líbano. A mãe, com saudade dos filhos, embarcou com os irmãos e padrasto de Nammura. “Ela não queria saber como iria se virar, se ia ter onde ficar, o que comer. Só queria ficar perto dos filhos.” O pouco que ganhava no trabalho de vendedor foi usado para construir uma “meia água” e alimentar com leite e pão sua família. Logo, o padrasto e os irmãos conquistaram seus empregos e mantiveram a família na capital mais efervescente do país. A vida de Nammura ganhou novos e definitivos rumos quando, por convite de um amigo, decidiu “mascatear” em União da Vitória.

Na cidade, conheceu Tereza, sua futura esposa. “Cheguei na cidade em um feriado. Tinha festa na igreja (Catedral). Fui lá e já vi aquela moça”, sorri. No dia seguinte, na procura de hospedagem, Nammura revê Tereza atrás do balcão de uma casa de “secos e molhados”. Foi paixão à primeira e segunda vista. “Ela me ajudou a encontrar um quarto e em três meses, namoramos, noivamos e casamos”, conta. A nova família continuou com o trabalho comercial, voltou à São Paulo, enriqueceu com a fabricação e venda de colchões mas voltou à União da Vitória para um tratamento de saúde de Tereza. Da cidade, não saíram mais. Nammura abriu uma casa comercial, criou seus três filhos e viveu dias felizes ao lado da esposa. Tereza morreu há três anos e ainda deixa uma lacuna no coração do libanês. A vida não foi boa, tampouco justa com Nammura. Nada disso, porém, parece tirar a serenidade de seu rosto. Do alto de seus 80 anos, vive feliz na cidade, onde tem um apartamento, e no campo, na chácara que abriga uns poucos animais. “Daqui não saio mais”, sorri.

Guérios pesquisa a imigração sírio-libanesa há 50 anos
Guérios pesquisa a imigração sírio-libanesa há 50 anos

Historiador e suas histórias

A imigração libanesa e as histórias que marcaram a vinda de novas famílias e, com elas, de possibilidades, estão na pauta da palestra que Carlos Guérios apresenta no dia 22. O evento, uma iniciativa da Academia de Letras Vale do Iguaçu (Alvi), brinda a comunidade árabe local. No palco do Clube Concória, Guérios terá um desafio: narrar 50 anos de pesquisa em 45 minutos. Para garantir sucesso, o descente de libaneses foca na história da étnica nas Cidades Irmãs. É um recorte, profundo e provavelmente emocionante.

O historiador dedica-se ao tema desde os 16 anos, motivado por sua própria história. Neto de libaneses que chegaram ao país em 1890, Guérios respira a cultura trazida por eles na travessia do oceano. O empenho em descobrir mais lhe conferiu reconhecimento internacional. O pesquisador é dono do maior acervo do mundo em referências sobre a imigração sírio-libanesa. “Além disso tenho uma biblioteca só com autores sírio-libaneses escritos na Língua Portuguesa. São pessoas que escreveram algo em português, dos mais variados assuntos, que deixaram sua marca”, conta. Apenas nesta “prateleira” estão reunidas cerca de 1,8 mil obras.

Guérios se intitula como um “garimpeiro cultural”. De fato, ele é. Desde sua aposentadoria, dedica-se quase integralmente às pesquisas. Despido de qualquer egoísmo, compartilha o que aprende. Em seu currículo estão mais 500 palestras já ministradas. O historiador, que viveu nas Cidades Irmãs até 1977, mora em Itajaí (SC). “A cultura libanesa é a única que não tem um livro especifico de sua imigração. O material que tenho, estou fundamentando para lançar uma obra sobre o assunto”, antecipa.

Nomes populares e idênticos

A cultura libanesa é repleta de significados. Um dos mais curiosos está na identificação de quem nasce no país. Diferente do Brasil, a homenagem para pais ou avós, não acrescenta “Neto”, “Filho” ou “Junior” ao nome. Assim, é bastante comum a repetição de nomes e, em consequência, uma série de confusões e embaraços nos países estrangeiros. O que muda, na maioria das situações, é apenas a filiação. Assim, uma sucessão de “Husseins”, “Alis”, “Abedes”, por exemplo, é bastante comum.

Cultura e gastronomia no Concórdia

A palestra de Guérios dá direito ao jantar árabe, servido também no Clube Concórdia. O investimento é de R$ 40. Os cartões já estão à venda. Outras informações com Ana, pelos telefones, 3522 1583, em horário comercial.