Talvez nunca tenha se falado tanto em preservação do meio ambiente. E quando o assunto é lixo, campanhas em todo o País fomentam a separação correta e o reaproveitamento de boa parte do material orgânico. Mas, mesmo assim, até por mais boa vontade que tenha a comunidade, alguma coisa ou outra acaba indo para o lixo errado, seja camuflado numa sacolinha, seja por descuido mesmo. O resultado é uma montanha crescente de lixo nos aterros sanitários e, consequentemente, uma vida mais curta para estes espaços tão difíceis de serem abertos.
Conforme informou a equipe do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em Curitiba, o licenciamento ambiental para a construção de um aterro depende de diversos documentos e autorizações. “Não é algo muito simples, depende do tipo de aterro, se para resíduos sólidos urbanos, resíduos de construção civil, de saúde e por aí vai, da aprovação da área onde pretende ser instalado o empreendimento, porte do município, viabilidade ambiental, apresentação de estudos, de projetos de mitigação de possíveis impactos”, disse, em nota, a assessoria de imprensa do órgão.
Por isso, cuidar para que estes lugares sejam mais sustentáveis e duráveis é fundamental. No Vale do Iguaçu, a atual duração dos aterros é estimada em dez anos, tanto para o aterro que fica na Colônia Papuã, para onde o lixo gerado em União da Vitória é levado, quanto para o Legru, que recebe a produção de Porto União. Contudo, se a separação do lixo em cada casa for mais refinada, a vida útil dos aterros pode ser maior. O efeito desse trabalho de formiguinha pode impactar até na economia dos municípios, que não vão precisar pensar na compra de novas áreas, na abertura de novas valas e na reorganização do solo.
O assunto foi discutido na sessão da semana passada da Câmara dos Vereadores de União da Vitória. Jair Brugnago (PSDB) levantou o assunto tomando como foco a necessidade de uma maior reciclagem. Ele sugere novas ações de incentivo à separação, para evitar a superlotação dos aterros. Outros parlamentares se mostraram favoráveis à ideia e, já na sessão, contribuíram com sugestões. Uma delas veio do presidente da Câmara, Almires Bughay Filho (PSDB). Ele propôs uma visita à cidade de Pinhão (PR), que faz um grande trabalho em cima do tema (veja quadro) e disse que a Câmara está aberta para novas ideias e pode ajudar até na confecção de material publicitário, de incentivo ao gesto.
Se-pa-ra-ção
O lixo orgânico – papel higiênico, cascas de frutas e restos de comida, por exemplo – que você colocou na sacolinha plástica é recolhido pelas equipes de coleta. Em União da Vitória, é a empresa Engegreen que executa o serviço. Em Porto União, a Ecovale. No caminhão, a sacolinha se junta a outras milhares, coletadas todos os dias no centro e nos bairros das cidades do Vale do Iguaçu.
Se você mora em União da Vitória, sua sacolinha faz parte de uma conta grande: por mês, a empresa coleta 730 toneladas – são incontáveis sacolas plásticas cheias – em média. Se a sacolinha foi coletada em Porto União, faz parte de uma estatística parecida: no mês, a Ecovale recolhe das casas, dos prédios, dos restaurantes e das lojas, cerca de 560 toneladas. É muita coisa e muito poderia nem estar ali, se a separação do lixo tivesse sido feita corretamente. “Por mais que a população capriche, sempre tem algo no orgânico”, resume o proprietário da Engegreen, Ricardo Luis Bonin. “Uma fração (de lixo reciclável) tem, porque muitos não aderem ao processo”, completa o engenheiro ambiental da Ecovale, Felipe Kotwiski.
E muito material reciclável acaba indo para o aterro e o inverso também acontece. Dentro da triagem da coleta seletiva, muito ainda é descartado. Em Porto União, a coleta seletiva é feita pela Ecovale mesmo, em um barracão próprio para isso, no bairro Santa Rosa. “Vinte por cento é rejeito na triagem”, confirma Kotwiski. Ou seja, mesmo no que foi separado pelas pessoas, ainda não é exatamente reaproveitável. Conforme ele, é comum encontrar agulhas, lâmpadas, pilhas e baterias e até remédios vencidos nas sacolas do material reciclável. Além de não poder aproveitar, a Ecovale paga pelo “erro”, já que o material é novamente triado e enviado para empresas de outras regiões, preparadas para o tratamento dele.
Em União da Vitória, a separação é feita pelos cooperados da Coopertrage, entidade que tem sua estrutura montada no antigo Terminal de Calcário, em São Cristóvão. De acordo com o secretário da Agricultura e do Meio Ambiente da cidade, Nei Kukla, são levados para a triagem cerca de 130 toneladas de material por mês. “Mas, ainda cerca de 35 toneladas mensais são descartas de forma errada”, aponta. “Se a população usar o destino correto nas sacolas laranjas, podemos aumentar este índice”, completa. A referência ao saco laranja lembra o início da campana da Coopertrage, que distribuiu em todas as casas de União da Vitória, a embalagem para armazenar o lixo para envio à reciclagem. Com o tempo, essa essência se perdeu (veja quadro).
O tratamento devido
Uma reportagem especial, disponível na página do Senado Federal, mostra como os grandes países tratam o lixo que geram. O primeiro exemplo mencionado é o da Alemanha. Líder mundial em tecnologias e políticas de resíduos sólidos, o país quer alcançar, até o final desta década, a recuperação completa e de alta qualidade dos resíduos sólidos urbanos, zerando a necessidade de envio aos aterros sanitários (hoje, o índice já é inferior a 1%). Desde junho de 2005, inclusive, a remessa de lixo doméstico sem tratamento ou da indústria em geral para os aterros está proibida.
Entre 2002 e 2010, o total de resíduos urbanos domésticos produzidos pela Alemanha caiu de 52,8 milhões para 49,2 milhões de toneladas. Pode não parecer uma queda acentuada, mas o importante é o destino que o País tem dado ao lixo. Em 2011, de acordo com o Eurostat, órgão de estatísticas da União Europeia, 63% de todos os resíduos urbanos foram reciclados na Alemanha (46% por reciclagem e 17% por compostagem), contra uma média continental de 25%. Se entre seus vizinhos 38% do lixo acaba em aterros sanitários, na Alemanha a taxa é virtualmente zero, graças, em grande parte, ao fato de que 8 em cada 10 quilos do lixo não reaproveitado são incinerados, gerando energia. É uma cultura arraigada na sociedade. Em 1970, a Alemanha tinha cerca de 50 mil lixões e aterros sanitários. Hoje, são menos de 200.
O Japão é outro exemplo citado na matéria como sucesso neste assunto. Junto com o crescimento econômico do país, a partir da década de 1960, ele se viu diante do desafio de encontrar um destino para o lixo. Como a área territorial é pequena, se comparada à população, reduzir o volume de resíduos sólidos levados aos aterros é essencial.
Graças a uma série de iniciativas, algumas já com meio século, o Japão é um dos países mais avançados nesse campo. Em 1970, entrou em vigor a Lei de Gestão de Resíduos, primeiro passo em direção ao atual sistema, que envolve toda a cadeia da produção e destinação do lixo, encarada a partir dos conceitos de reduzir, reciclar e reaproveitar. Desde 1997, as emissões de dioxinas e outros poluidores de usinas de incineração foram reduzidas em 98%. São mais de 1,2 mil plantas em atividade, a maioria adaptada ao conceito de alto controle de poluição e alta eficiência energética. Uma dessas usinas, por exemplo, fica no populoso distrito de Shibuya, em Tóquio, e processa 200 toneladas diárias de lixo, gerando energia usada na própria cidade.
‘Caminhos da Reciclagem’ leva visitantes à reflexão em Pinhão
Segundo matéria publicada no portal da prefeitura de Pinhão, “por vários anos o município manteve um lixão a céu aberto e acumulou muitas multas”. Agora, a cidade é referência. Pinhão tem uma Unidade de Tratamento de Resíduos e faz dela uma sala de aula. Além de fornecer uma estrutura adequada para destinar o lixo gerado no dia a dia da cidade, a Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Habitação criou um vale feira chamado de “Bufunfa”, que funciona como um incentivo para as pessoas que separam os resíduos corretamente.
A conscientização é um dos processos mais importantes para que tudo isso funcione. “Em 2017, por exemplo, o município realizou o primeiro Concurso de Desenhos com o tema Meio Ambiente e envolveu alunos de várias escolas. Agora com a conclusão da Unidade de Tratamento de Resíduos, está sendo implantado o programa Caminhos da Reciclagem’, conta a nota.
O programa realiza visitas na unidade de triagem e tem como objetivo informar ao grupo que participa do circuito “das reais possibilidades de mudanças comportamentais e de atitudes no descarte dos Resíduos Sólidos gerados, especialmente do lixo doméstico e comercial através de ações informativas”. “Nós colocamos os visitantes em contato com a realidade do problema e apresentamos as alternativas de solução, sensibilizando-os para participação consciente, estimulando-os a separação dos lixos orgânicos, recicláveis e rejeitos. As pessoas são estimuladas ao questionamento a partir da reflexão sobre os desafios para mudar as formas de pensar e agir em torno da questão da reutilização, da reciclagem e da importância da adequada e correta destinação dos resíduos”, explica na matéria, o secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Habitação, Valter Israel.
Supermercados são obrigados a fornecer a sacola laranja
De acordo com Kukla, todos os mercados de União da Vitória precisam oferecer o material para a separação em casa do lixo reciclável no momento do pagamento das compras, isto é, as sacolas laranjadas. “O que o pessoal precisa é cobrar sempre isso”, orienta o secretário. Contudo, uma sondagem informal mostra que algumas empresas não têm feito a lição de casa. Mas, na cidade, isso é obrigatório. Tem até Lei para regulamentar. É a Lei 4607/2016, de 11 de maio de 2016.
Em partes, o documento diz que “os estabelecimentos comerciais na área urbana do município que utilizam e disponibilizam sacolas plásticas aos clientes na venda de produtos, acessórios, implementos e congêneres, terão que fornecê-las nas cores laranja para acondicionamento de resíduos secos e em outras cores, que não a laranja, para os resíduos não recicláveis/rejeitos”. Ainda segundo o secretário, a ideia da mobilização é estimular e facilitar a separação do lixo. Kukla ressalta que é importante os consumidores exigirem o material, para garantir o tratamento adequado em casa e aos mercados, o comprimento da Lei.