ESPECIAL: A vacina do SUS no divã

Reações quase fora do controle em bebês e a diferença entre o medicamento gratuito e pago colocam medo nos pais e dúvidas sobre a qualidade do produto

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Atualizado há 8 anos

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Em Porto União, neste mês, lote da vacina Pentavalente é da Índia

A vacinação obrigatória das crianças quase nunca tirou o sono dos pais. Uma febrinha alta é até normal, afinal, as gotinhas, as picadinhas e mais recentemente, os géis – o Rotavírus, por exemplo, está neste novo modelo – contém o vírus da própria doença, em versões atenuadas ou mais intensas.

Mas, o sono ficou mais intranquilo na região do Vale do Iguaçu quando a notícia de que uma menininha, de quatro meses, sofreu uma parada respiratória apenas três horas após a vacina de rotina, prevista no calendário básico. Por sorte, ela é filha do médico que atua na área da cardiologia, Murilo Mallon, que conseguiu socorrê-la a tempo. Se não fosse a profissão e a presença dele e da mãe, justamente no pós-vacinação, talvez teria sido tarde.

Segundo Mallon, esta foi a primeira vez que o bebê tomou o medicamento na rede pública. “A vacina estava em falta no consultório e vacinamos no SUS”, conta. A picadinha foi há três semanas. “Nunca passamos por nada disso”, completa. “Se eu não sou médico, não sei o que poderia ter acontecido”, afirma. Para Mallon, que menciona ter conhecimento de outros casos igualmente graves de reação, o efeito tão severo na sua baixinha é fruto da diferença entre a vacina dada e da paga. “Por isso estamos até alertando os pais, sobre as reações que a vacina pode dar, para que cuidem muito”, enfatiza.

Conforme o Portal Brasil, do Governo Federal, as reações, infelizmente, são comuns, especialmente entre as crianças. “Por isso, a família deve redobrar a atenção no período pós-vacinação”, diz, em partes, matéria sobre o assunto. Mas, o site responsabiliza “quadros infeciosos” e “natureza alérgica” por este efeito. “É importante lembrar que os riscos de complicações graves ligados à vacinação são muito menores do que os das doenças contra as quais a pessoa está se imunizando”, defende o Portal.

O Programa Nacional de Imunizações implantou em 1991 o Sistema Nacional de Vigilância dos Eventos Adversos Pós-Vacinação, que notifica e investiga as ocorrências nesse sentido. Pouco depois, em 1993, para atender à demanda dos casos mais graves e disponibilizar produtos especiais à população, foi criado o Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie). O Crie existe em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal e oferece vacinas para pessoas com indicação clínica restrita.

vacinaX2No Vale do Iguaçu, conforme os setores de Epidemiologia locais, as reações ocorrem, porém, em graus leves de intensidade. Mesmo assim, o caso que envolveu a família Mallon não é isolado. “Já vimos casos de convulsão, crise hiporresponsivo, quando a criança fica paradinha. Na verdade, a reação depende do sistema imunológico de cada criança”, conta a chefe do setor em União da Vitória, Marly Della Lata. “A vacina é feita do vírus vivo atenuada, é a doença sendo administrada, de uma forma bem modificada. Por isso a criança tem que ter bastante força para reagir e criar o anticorpo. A reação às vezes é tão forte que a criança fica doente”, completa.

Mas, nenhuma criança morreu após tomar uma vacina. A garantia é do vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri. Conforme ele, as reações de fato ocorrem, por uma série de fatores, entre eles, pela composição do medicamento, da elaboração das vacinas e da sensibilidade de quem a recebe.

As reações, chamadas de efeitos adversos no caso da imunização, podem ser locais e gerais. “Como qualquer injeção, pode acontecer dor, inchaço. No caso dos efeitos gerais temos a febre, dor de cabeça, vômito”, explica Kfouri. “Temos vacinas que a febre ocorre por exemplo em menos de 1% dos vacinantes. Outras, em até 40%”, comenta. Ele defende que os efeitos são transitórios, ou seja, passam a partir de algumas horas. Em casos mais severos, Kfouri confirma febrão de 40º, convulsões (por conta da temperatura alta) e uma síndrome, já verificada em União da Vitória, conforme a Epidemiologia, onde a criança fica estática, aparentemente sem reações. “Não é comum, mas pode acontecer”, lembra o vice-presidente. Nestes casos, a recomendação da entidade é de “queimar” a vacina da sequência, usando medicamentos alternativos.

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Municípios recebem medicamento das regionais e cuidam de seu armazenamento: de olho no prazo de validade

Embora eficientes, as vacinas dadas na rede pública são diferentes das pagas. Elas podem variar na apresentação dos efeitos, nas versões, número de doses e até na faixa etária. Em termos de reações, as clínicas privadas de imunização saem na frente por oferecer uma vacina acelular, que não dá febre e reduz a dor no local de aplicação. Também só se encontra na rede privada a versão tetravalente da vacina contra a gripe – no postinho ela é trivalente – e a vacina contra a Meningite B, excluída do calendário de vacinação. “Porém, para algumas vacinas não há diferença alguma. É o caso da Poliomielite, da Rubéola e da Febre Amarela. Na rede pública e na privada são idênticas”, confirma Kfouri.

Vale lembrar que em nenhum País do mundo o governo cede vacinas contra todas as doenças, tampouco, para todas as pessoas. No caso do HPV, por exemplo, apenas uma faixa etária recebe o medicamento. Isso também acontece no caso da gripe, onde apenas grupos de risco tomam a vacina.

Programa Nacional

O Programa Nacional de Imunização tem 43 anos. Ele é administrado pelo Governo Federal. As vacinas, conforme o portal do Ministério da Saúde, são produzidas no País mesmo, porém, algumas delas recebem parte da combinação de vírus no exterior. Por isso, o “remetente” dos lotes varia: só para se ter ideia, em Porto União, a Pentavalente que está sendo dada neste mês em três doses para bebês, veio da Índia.

Embora “quarentão”, o programa evoluiu e nos últimos oito anos dobrou o número de doenças que imuniza. Dentro do Programa, funciona o calendário nacional de vacinação. Ele atende crianças, adolescentes, mulheres, homens e idosos. No caso dos baixinhos, a vacinação é obrigatória, passível até de sanções aos responsáveis caso ela não tenha sido feita.

Em Porto União, de acordo com a equipe do setor de Epidemiologia, cerca de 400 crianças são imunizadas todo o mês na Rede Municipal de Saúde. Em União da Vitória, os números são um pouco maiores: na cidade, cerca de 650 crianças recebem imunização todo mês.

Consultórios não aplicam mais vacinas

No Vale do Iguaçu, apenas a unidade do Hospital São Camilo, no centro de União da Vitória, dispõe de uma clínica para a aplicação das vacinas. Os valores do medicamento variam de R$ 75 à R$ 500. Para ter acesso a elas, basta levar a caderneta de vacinação e solicitar o medicamento. A vacina vendida é importada, vem dos Estados Unidos e da Europa.

Diferente do SUS, que oferece a Pentavalente – pivô de toda a polêmica – a rede privada tem a Hexavalente. Ele elimina uma das picadas – na rede pública o bebê recebe duas picadas, uma em cada perna. O produto, contudo, continua em falta na rede privada.

As vacinas vendidas na clínica são negociadas pelos proprietários do espaço. Aí, fica a critério deles definir o local de compra – geralmente elas são importadas – e o valor da “etiqueta”.

As vacinas e o 1º aninho das crianças

Ao nascer

BCG-ID, em dose única

Hepatite B, primeira dose

Dois meses

Pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B)

Poliomielite inativada

Oral de rotavírus humano

Pneumocócica 10, primeira dose

Três meses

Meningocócica C, primeira dose

Quatro meses

Pentavalente (DTP + Hib + hepatite B)

Poliomielite Inativa

Oral de Rotavírus humano

Pneumocócica 10 (conjugada), segunda dose

Pneumocócica 10 (conjugada)

Cinco meses

Meningocócica C (conjugada), segunda dose

Seis meses

Hepatite B

Oral Poliomielite (VOP)

Pentavalente (DTP + Hib + hepatite B)

Pneumocócica 10 (conjugada), terceira dose

Nove meses

Febre amarela, dose inicial

12 meses

Pneumocócica 10 (conjugada), reforço

O que aconteceu com Valentina

Ana Célia Mallon, mãe da garotinha que sofreu com os efeitos da vacina, contou com mais detalhes o que ela e o marido viveram naquele 9 de junho. Conforme o texto publicado nas redes sociais, a neném fez uma apneia e precisou ser estimulada para voltar a respirar. Outros dois processos idênticos aconteceram em seguida. “Dessa vez bem importantes e pontuais, acompanhadas de cianose, que é um sinal de pouca oxigenação, caracterizado pela coloração cinza da pele e lábios, palidez e hipotonia, ela ficou ‘molinha’ e sem respostas”, contou Ana Célia. A menina precisou ficar internada no hospital. Logo, o diagnóstico confirmava o que de fato ocorreu: o bebê teve uma reação neurologia da vacina Pentavalente, configurada como Episodio Hipotônico Hiporeponsivo (EHH), uma reação rara. A 6ª Regional de Saúde bem como a Promotoria foram informados sobre o caso.

Explicando as diferenças

Ana Célia também redigiu um texto onde, de maneira simples, explica e divulga às mamães, as diferenças das vacinas pagas e gratuitas. “A vacina do SUS é feita a partir de células inteiras da bactéria, configurando o nome de vacina  ‘inativa’. Já a vacina particular que tem o mesmo nome, é feita apenas com a proteína, o que torna a vacina mais refinada, chamamos então de ‘acelular’, por isso não faz reação nas crianças. A vacina do SUS, por ser inativada quando entra em contato com o corpo, pode se tornar ativa e causar uma série de reações muitas vezes graves e até fatais!”, alerta.