Não é tique nervoso. É Tremor Essencial

Distúrbio do movimento tem origem genética, mas localização do problema no cérebro ainda é um mistério. Condição aparece em dois picos ao longo da vida de uma pessoa

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Atualizado há 6 anos

(Foto: Mariana Honesko).
(Foto: Mariana Honesko).

Nely Araujo Bostelmam achou que era Parkinson. Afinal, sua mãe teve a doença que, segundo estudos, é hereditária. Os tremores continuaram e Nely procurou um médico. “Ele garantiu que não era Parkinson e falou do Tremor Essencial que, até então, eu nunca tinha ouvido falar”, conta. Aos 66 anos, a aposentada convive há alguns meses com a novidade. Como duas estranhas, ainda estão ‘conversando’, tentando se entender. “Até agora não me atrapalha, pois é bem pouco, tremo um pouquinho a mão esquerda, apenas quando pego algo pesado só com aquela mão”, explica. “Dizem que de vez em quando balanço um pouco a cabeça, mas é quase imperceptível”, completa. Nely, que mora em Porto União, conta com a ajuda dos familiares mais próximos para avisar quando o tremor é mais forte – caso ela não perceba. “Pedi que sempre me observem, pois eu não sinto”.

A vivência de dona Nely com o Tremor Essencial é compartilhada por uma parcela considerável da população. É que essa doença neurológica afeta cerca de 4% das pessoas depois dos 40 anos. O outro pico de incidência acontece por volta dos 20 anos. O estudante de Jornalismo, José Ernesto Wenningkamp Junior foge um pouco à regra. Ele tem tremores, especialmente nas mãos, desde a infância, mas nunca procurou um médico para confirmar o diagnóstico. “Minha mãe também tem esse tremor. Nunca fui no médico mas deduzi que era realmente algo hereditário”, conta, com simplicidade. A mãe de Junior também nunca confirmou a doença oficialmente. Hoje, aos 23 anos, o acadêmico não se importa com os tremores – que ficam ainda mais evidentes em situações de ansiedade – nem com o que eles representam aos outros. Mas nem sempre foi assim. Na escola, os tremores foram motivos de chacota dos colegas e chamavam a atenção até dos professores. “Eles diziam que minha mãe tinha que ver isso, me levar ao médico. Meus amigos falavam que eu tremia e eu tremia mais ainda por causa disso!”, lembra.

O Tremor Essencial é comum, frequente e, embora possa parecer, não é Parkinson. Longe disso. Na verdade, apesar de não ser tão desconfortável, não deixa de ser incômodo. A doença é progressiva, tem origem genética (até 70% dos pacientes tem pelo menos um familiar de primeiro grau com a doença) em alguns casos e apesar de ser bem popular, a ciência ainda dispõe de poucos detalhes sobre ela. Os estudos sobre o distúrbio é relativamente novo. Foi apenas em 1998, no Consenso da Sociedade de Distúrbio do Movimento, que os critérios para diagnóstico foram estabelecidos. Mesmo assim, o conhecimento que se tem faz muita diferença. “Ele é um tremor normal exagerado. É bilateral e é rápido. Ocorre nas mãos e no antebraço. Ele aparece também no tremor de voz. Ele é um movimento de ação, quando o musculo é contraído”, explica o neurologista de União da Vitória, Arthur José Santos da Costa.

tremoressencial-doenca-saude (3)O tremor é bem comum também na cabeça, nos movimentos do ‘sim’ e do ‘não’, provocados involuntariamente. Diferente do Parkinson, quando o tremor aparece no repouso (quando a pessoa está parada), o Tremor Essencial é de movimento, ou seja, quando se está escrevendo, fazendo algo manual, tomando um café, por exemplo. Conforme o neurologista, a velocidade dos tremores é aferida em hertz (Hz): o Tremor Essencial varia de 12 a 14 Hz (veja quadro).

O Tremor Essencial é incontrolável, mas algumas situações podem agravá-lo. É o caso, por exemplo, das situações de ansiedade, de estresse e de fadiga muscular. Mas atenção: isso não significa que quem “treme de nervoso”, ou como se diz no Sul, “treme que nem vara verde”, tem a doença. Isso pode ser apenas um reflexo do corpo – de um organismo absolutamente normal – à ansiedade e ao estresse, conforme o neurologista. Em quem tem o Tremor, tudo isso se torna mais intenso. Está aí a diferença. “Ele é rápido e constante. Ele será agravado quando a pessoa está em contração muscular, situações de ansiedade, de preocupação e até em fadiga muscular. Se a pessoa estiver nervosa, pode exacerbar um tremorzinho. O Tremor Essencial faz com que isso fique mais evidente”, explica o médico. Por isso, nada de pânico. Aliás, não se deve ter pânico em uma hora dessas. Antes de mais nada, é importante procurar um profissional – um neuro, preferencialmente – para confirmar a possibilidade.

Esse passo é recomendado até pela psicologia. “Caso você tenha preocupações sobre suas funções cognitivas e emocionais, uma avaliação neuropsicológica é extremamente útil para poder conhecer as possíveis mudanças que o Tremor pode trazer e aprender a conduzi-las ao longo do tempo”, ressalta a psicóloga, Daniele Jasniewski. Para a profissional, receber o diagnóstico e perceber que a doença é progressiva, pode ser um fator que contribua para o desencadeamento de psicopatologias. “Como a depressão por exemplo”, alerta. “O trabalho de um bom psicólogo pode ajudar, e poderá auxiliar na elaboração e enfrentamento de questões como a vergonha, melancolia, frustação, sentimento de perda e a tendência ao isolamento social”.

‘Beber para firmar o pulso’

É curioso que uma das formas de diagnosticar o Tremor Essencial, ainda que não seja nada ortodoxo, é beber. Isso mesmo. O álcool, por “sedar”, por relaxar o cérebro, relaxa também os tremores. Daí a origem das piadinhas sobre “beber para firmar o pulso”. De fato, a bebida alcoólica tem a capacidade de devolver a estabilidade dos movimentos, ainda que temporária, e os pacientes de Tremor Essencial – e até quem apenas treme sem entender os motivos – sabem disso. É comum em quem tem os tremores, conforme conta o doutor Arthur, o hábito de tomar um pouco de bebida alcoólica antes de uma refeição, por exemplo. Isso é comum especialmente em locais públicos, para evitar o constrangimento: é que em alguns casos, os tremores são tão incapacitantes que levar o talher até à boca sem derramar nada, se torna um desafio.

Só que tudo tem dois lados. Por vergonha dos tremores, os portadores da doença acabam se isolando e, logo, tem um problema social para enfrentar. Isso muda quando ele bebe. E aí mora o perigo: não raro, a dependência acompanha quem tem Tremor Essencial. Sim, a bebida passa a ser a amiga, a conselheira, a cúmplice. “A qualidade de vida ajuda muito no controle da doença, mas ela carrega este estigma. Tem pacientes que são confundidos com um alcoólatra”, confirma.

Coincidentemente, o perfil dos alcoolistas atendidos pela equipe da Associação de Apoio para Dependentes de Álcool e outras Drogas (Adad), de União da Vitória, tem muito a ver com as características de quem tem Tremor Essencial e busca no vício, o amparo. “O alcoolista, quando para sozinho, dá esse tremor. É um sinal de que ele vai ter delírio. Ele treme inteiro, transpira muito e começa a ver coisas onde não tem. Arrisco dizer que por conta da tremedeira, ele vai beber. Já vi gente usar canudo por conta da tremedeira. No segundo copo, a pessoa volta ao normal”, conta a responsável pela entidade, Salete Venâncio.

Ela ressalta que é importante não confundir alcoolista com quem tem Tremor Essencial. O que ocorre é a similaridade de sintomas e da “cura”: para ambos, vício e Tremor, o álcool pode ser a resposta. “Se ele tomasse só o golinho para passar a tremedeira, estava tudo bem. O problema não é o primeiro gole: é o segundo, terceiro, o quarto, o quinto. E a gozação existe. Quem treme, geralmente é caçoado”, pontua.

Tratamento

O Tremor Essencial não é, na maioria das situações, incapacitante. Mas, pode ser até um tanto chato. A ideia de que ele é uma doença benigna vem se modificando e, conforme publicações especializadas, já se considera o Tremor Essencial “uma doença claramente heterogênea e que pode ter um caráter lentamente progressivo”.

A medicina vem avançando no assunto e mesmo sem saber exatamente que parte do cérebro desencadeia os tremores, oferece suporte para ajudar quem não quer sentir os tremores. O tratamento, contudo, não está indicado para casos leves. Os medicamentos mais comuns são para controle da ansiedade, como o propranolol, primidona, clonazepan, gabapentina e topiramato. Tranquilizadores são outra opção e, por vezes, injeções da toxina botulínica (botox) são usadas para tremores de cabeça e de voz. Embora seja eficaz, o botox pode levar à uma voz rouca, dificuldade em engolir ou mãos fracas quando usado para essa finalidade.

O resultado é que se o doente estiver em situações assim, não vai tremer – ou vai tremer menos. Os remédios “amortecem” parte do cérebro e ajudam na estabilidade do corpo. “Mas tem cirurgia também. A mais popular é a mais antiga, consiste em ir até o cérebro e controlar os movimentos finos, onde um eletrodo é colocado em uma região profunda do cérebro e transmite uma corrente elétrica a partir de um gerador que é colocado sob a pele”, explica o neurologista, Antônio de Salles, do Hospital do Coração, de São Paulo. Em vídeos da instituição, o médico divulga detalhes do procedimento. Ele também menciona a colocação de um marca-passo cerebral, que bloqueia os sinais que provocam as contrações musculares incontroláveis.

A acupuntura também aparece como possibilidade, normalmente como um complemento de outro tratamento. “Já que esta é uma terapia de estimulação neural através da pele, buscando respostas centrais”, explica o fisioterapeuta Marcos Tadeu Grzelczak, que desde 2007 trabalha com a acupuntura. A técnica é bem específica e se chama Yamamoto New Scalp Acupunture (YNSA). “Ela usa áreas do couro cabeludo correspondentes a áreas cerebrais”, considera o profissional. Grzelczak explica que utiliza o corpo todo, associando técnicas, para ajudar no processo de reequilíbrio. As agulhas são colocadas, portanto, no corpo, orelhas e cabeça. “O número de sessões pode variar de paciente para paciente. A literatura mostra que os resultados aparecem a partir da sexta sessão, geralmente. O paciente pode fazer isso duas, três vezes na semana, dependendo do diagnóstico do paciente. Como doença neurologia, não podemos pensar em poucas sessões, porque existe uma questão de manutenção. O paciente tem o resultado e as sessões ajudam a manter o quadro alcançado”, ressalta.

Como se “mede” o tremor?

O neurologista Arthur José Santos da Costa afirma que o tremor é muito rápido e que é aferido em hertz (Hz). Embora essa medida seja lembrada quando o assunto é som – especialmente nas ondas de rádio, quando se busca a frequência para sintonizar o que se quer – ela também aparece neste caso para mensurar a frequência de cada tremor. A variação de 12 a 14 Hz, mencionada pelo neurologista, é inaudível para os humanos. Esta mesma marcação significa que o tremor é rápido demais, novamente imperceptível para as pessoas. Daí a confirmação de que o Tremor Essencial se caracteriza por ser bastante acelerado.

O eletrotécnico Cristiano Silva, explica que o Hz é uma unidade de medida para frequência. “Ela se expressa em ciclos por segundo, a frequência de um evento periódico, seja ela oscilações ou rotações por segundo”, afirma. No caso do Tremor Essencial, isso significa que cada tremor alcança 12 ciclos em um único segundo. “E a gente não percebe isso. Nossa mão, por exemplo, pode balançar 12 vezes em um segundo. É uma frequência de oscilação. É muito rápido”, pontua.

Tremor Essencial x Parkinson

O Tremor Essencial não é doença de Parkinson, embora os dois possam ser confundidos justamente porque ambos têm os tremores como uma das marcas principais. Basicamente, a distinção é que os tremores do Essencial, aparecem especialmente quando a pessoa está em alguma atividade. Já os tremores relacionados à doença de Parkinson, pioram em repouso. Por exemplo, ao usar as mãos, o Tremor Essencial é tipicamente mais perceptível, enquanto os tremores da doença de Parkinson seriam mais notados com as mãos em descanso nas laterais do corpo.

O Parkinson vai além dos tremores. A doença é marcada pela degeneração progressiva dos neurônios produtores do neurotransmissor dopamina, relacionados ao domínio sobre os movimentos do corpo. Esse processo ocorre em várias áreas do cérebro e gera, na maioria das vezes, os tremores mas também a rigidez muscular. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostram que 1% da população acima dos 65 anos sofre com o Parkinson. Normalmente, essa doença intrigante, atinge pessoas a partir dos 50 anos. Conforme publicações do gênero, o Parkinson é a segunda doença degenerativa mais comum do sistema nervoso central após o Alzheimer. Ela afeta cerca de uma em 250 pessoas com 40 anos de idade ou mais, uma em cem pessoas com 65 anos ou mais e uma em dez pessoas com 80 anos ou mais.