Saque de carga é crime

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Atualizado há 6 anos

Um acidente, onde uma carreta saiu da pista e despencou em uma ribanceira, trouxe à tona dois fatos: a falta de sinalização vertical e horizontal na descida da Serra do Leão e a ação dos ladrões de carga que, nesse caso, levaram praticamente toda a carga de fardos de pacotes de arroz.

Em relação ao acidente, foi praticamente um milagre que o condutor não tenha sofrido nenhuma lesão. O acidente ocorreu por volta de 18h30 desta terça-feira, 08, próximo à bica desativada no trecho final da Serra do Leão, na BR 153, a Transbrasiliana.

A carreta fazia a última parte da extensa Serra do Leão, sentido União da Vitória, quando não conseguiu realizar redução de marchas e os freios travaram por superaquecimento. O carreteiro perdeu o controle e despencou na ribanceira. Conforme as testemunhas, o carreteiro ficou preso nas ferragens, mas consciente e com boa condição física, sem ferimentos, apenas não conseguindo sair da cabine do cavalo mecânico. Os bombeiros de União da Vitória retiraram o motorista e o levaram para ser examinado em uma unidade hospitalar.

Mesmo sem a necessidade de interrupção do trânsito no perímetro onde o acidente ocorreu, houve lentidão no local. Dezenas de pessoas esperavam para saquear a carga que ficou espalhada no local do tombamento. E assim o fizeram durante toda a noite de terça e a madrugada desta quarta-feira, 09.

Saques a cargas são corriqueiros

O saque de cargas de caminhão tombado é um crime que vem alarmando os motoristas e transportadores.  Diferentemente do roubo de cargas decorrente de assaltos, quando o caminhão tomba na estrada a situação pode fugir do controle. Pessoas se aglomeram e levam desde produtos alimentícios e eletrônicos, até medicamentos. Embora não haja dados concretos sobre cargas saqueadas em tombamento, a situação é grave nas estradas do País.

Segundo Silvio Kasnodzei, diretor do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas no Estado do Paraná (Setcepar), no site do órgão, há muita dificuldade para evitar a baldeação quando o caminhão tomba. “Se o veículo tombar, é quase certo que as cargas serão saqueadas. As pessoas levam por bem ou por mal. Alguns criminosos têm rádio na mesma frequência do pessoal de pista das concessionárias e acompanham tudo. Quando os motoristas tentam impedir os roubos, eles ameaçam dizendo que vão tombar a próxima carreta e incendiá-la”, conta.

Ainda segundo Kasnodzei, a abordagem para este tipo de roubo anda cada vez mais agressiva. “Muitos apenas roubam, mas há casos mais graves em que mostram armas, não respeitam a escolta armada das seguradoras e só recuam com a presença da polícia. Entretanto, a Polícia Rodoviária Federal não faz segurança da carga, porque alega que não é trabalho dela”, diz.

Atenção: carga é patrimônio

O Direito Penal protege o patrimônio. A posse de algo que não pertence ao agente normalmente caracteriza infração penal. O que foi evidentemente ou presumidamente perdido por alguém não é considerado coisa sem dono. A apropriação é crime previsto no art. 169 do Código Penal e pode levar de um mês a um ano de prisão.

Mesmo se a carga não estiver segurada, o material continua tendo dono. Caso tenha seguro e a seguradora decidir pelo ressarcimento do prejuízo, caberá à empresa decidir o que fará com a mercadoria que não estiver em condições de comercialização. Mas até que isso aconteça e até que pessoa autorizada manifeste a doação, qualquer investida caracterizará furto.

Qual o papel do motorista?

O motorista do caminhão deve intervir e acionar imediatamente a polícia. A omissão injustificada implica na responsabilização. Isso porque a omissão é penalmente relevante se quem se omite tem o dever legal ou o dever contratual de evitar o resultado ou mesmo se contribuiu para o surgimento do risco.

A mesma lógica se aplica ao policial que se aproxima e presencia as ações dos saqueadores sem se certificar se as pessoas estavam autorizadas a se apossarem das mercadorias. O agente tem o dever de proteger o patrimônio e a omissão também implicará na sua responsabilização pelo resultado da conduta de terceiro.

O que dizem as autoridades

O delegado de Polícia de União da Vitória, na 4ª SDP, Douglas de Possebon e Freitas, alerta que cabe à polícia civil investigar os saques, a partir de um boletim de ocorrência feito junto à polícia, identificando suspeitos, buscando a mercadoria roubada e indicando os envolvidos. O problema é que nem sempre os boletins são feitos. “A comunicação deste tipo de crime é precária. Mesmo assim, a partir de denúncias anônimas, de pessoa que tem conhecimento da autoria e destino dos produtos roubados, os investigadores conseguem chegar a alguns criminosos”.

Em caso de rodovia federal, cabe à Polícia Rodoviária Federal (PRF) delimitar e deixar o local em segurança, podendo requisitar o reforço das forças policiais como a Polícia Militar e até a Polícia Civil“.

Denúncias levam a polícia a rastrear quadrilhas de saques a carga aqui na região, que supostamente contam com rádios comunicadores sintonizados nas frequências dos bombeiros e da própria PRF. “Mas é preciso que a comunidade denuncie, para colocar os investigadores no caminho certo. O problema é que a receptação de mercadorias furtadas é lucrativa pois comerciantes e pessoas físicas compram produtos saqueados muito abaixo do preço de mercado”, resume.

Possebon e Freitas alerta que não é preciso se identificar para denunciar, e tanto a Polícia Civil, quanto a militar, com seu serviço de inteligência estão aptas a investigar esse tipo de crime. Para denunciar, basta ligar no 190 para a PM e pelo 181, que é o disque denúncia da Polícia Civil do Paraná.

O crime dentro de outro crime

A situação do saque na carga de arroz, na Serra do Leão (BR 153, KM 460), fugiu de controle, ganhando contornos surreais. Pouco mais de duas horas depois do acidente, o Corpo de Bombeiros de União da Vitória e a Polícia Militar (27º BPM) voltaram à região do acidente para atender uma outra ocorrência: um incêndio criminoso consumiu uma casa.

Enquanto os bombeiros combatiam o fogo, cerca de seis homens apareceram com um veículo Astra branco, se oferecendo para ajudar a tirar os móveis. No entanto, enquanto os familiares tentavam retirar os móveis, os suspeitos foram até a casa que fica nos fundos da residência que pegou fogo e começaram a furtar objetos da casa, sendo um capacete e diversas bebidas alcoólicas. Quando os donos da casa perceberam, os autores começaram a jogar pedras e fugiram com o veículo levando os objetos. As vítimas dizem não conhecer os autores, sendo que um dos envolvidos tem uma tatuagem no pescoço com o desenho de uma boca.