O nível de QI que me atrela aos 90 anos do JOC

Marcelo Storck, jornalista. Foto: Arquivo

Veremos que para eu aqui ter chegado como depoente a esta edição festiva do Jornal O Comércio foi necessário “certo nível de QI”.

Em outubro de 1989 eu atuava como sonoplasta da Rádio Colmeia. A função radiofônica que proporcionou minha imersão no mundo jornalístico se deu por meio de um pedido de Gerson Côas a seu pai, João Carlos, haja vista que eu havia recebido uma proposta de emprego (música) em Ponta Grossa (PR) e já estava afivelando malas.

Gerson era integrante da Fanfarra Cadência, que eu dirigia. Então, para que eu não parasse com os ensaios musicais, ele conseguiu a vaga na rádio para mim.

Foi o primeiro QI – “Quem Indica” – como brincamos no popular.

Certa manhã chego à mesa de sonoplastia da rádio e vejo um bilhete cor azul-bebê, num daqueles papeizinhos de recado: “Sr Marcelo, favor entrar em contato com o Sr Ivo Dolinski, no Jornal O Comércio”.

Um segundo “QI”, pois.

À tarde, corri ansioso para a sede do jornal que, à época, ficava no Edifício Rio Branco, na rua de mesmo nome, em União da Vitória – um andar abaixo da recém-inaugurada “FM 98”.

Entrei pela porta da sala 101, fui recebido pela Marinês Silva e me apresentei: “Ah sim, o Ivo já está te esperando” – disse-me ela.

Fui conduzindo à sala que era separada da principal por uma parede de drywal branca para, lá dentro, conhecer pessoalmente aquele famoso jornalista que já tinha seus cabelos nessa mesma cor.

Então, o Ivo perguntou se eu não gostaria de escrever para o jornal, assumindo a Coluna Radar. Não pensei duas vezes.

Na verdade, verdade mesmo, assumo que sequer pensei. Aos 19 anos de idade não se pode perder uma chance dessas. Afinal, depois de um quase imigrante musical, eu tinha uma excelente oportunidade profissional à minha frente.

Então, em 23 de outubro de 1989 apareceu meu nome no cabeçalho da badalada coluna. A edição inaugural trouxe notas que receberam indicações da minha irmã Fabíola Storck, que me ajudou no desafio.

Nesta coluna desfilaram o aniversariante Mário Emilio (irmão da Marinês), o amigo Osvaldo Amaral pelo grupo escoteiro e até o trabalho de jardinagem do recém-construído edifício Solar do Porto, obra da Midori Flores.

O sistema é azul e branco

Preciso enaltecer a paciência que o Ivo teve comigo. Eu adorava ler jornais, desde pequeno. Mas escrever era algo bem diferente.

Nessa fase do Jornal O Comércio, datilografávamos as notas em uma lauda repleta de linhas em branco que vinha da gráfica em Curitiba (onde o jornal passou a ser impresso desde que a sua gráfica local e a fase linotipo ficaram para trás).

Tínhamos, portanto, uma média de caracteres por lauda e de laudas por página. Nunca gastei tanto “errorex” na vida…

Mudava se havia foto na página, o que precisava ser especificado na referida nota: “aqui vai a foto 01” Não raras vezes, o jornal era impresso com as fotos trocadas. Sim. Depois que era concluída a redação, laudas e fotografias originais eram afixadas com clipes, inseridas num grande envelope e selado.

Na face externa, escrito “Jornal O Comércio, União da Vitória – Edição Tal – Página Tal”. Aí, então, os envelopes eram colocados numa caixa azul e o material despachado via Estrela Azul (empresa de ônibus) que trazia o jornal semanal impresso e a caixa com as fotos originais de volta.

Evolução

Passados alguns anos, o Ivo deixou o jornal e iniciou então a era da Sitamar Brittes Dalmas à frente do JOC. Eu a conheci quando entrei pela mesma Sala 101 e a vi sentada na mesma mesa em que antes estava a Marinês.

Esta fase foi de mudanças e evoluções. Mudança de endereço, pois a sede foi transferida para o primeiro andar do Edifício Executive Center. E de sistemas de produção.

Evoluímos muito pois, em dado momento, passamos a nos responsabilizar pela composição do jornal, uma vez que o tempo da caixinha azul “quase” tinha ficado para trás. Nesse período, 1994, por aí, usávamos o “layout” para fazer o jornal. A era da editoração eletrônica havia chegado e o serviço que era terceirizado passou a ser feito em casa.

Então, diagramávamos no computador e imprimíamos o resultado em folha de sulfite, recortávamos nas marcações e colávamos numa grande página que serviria como layout para “filmar” o negativo na gráfica em Curitiba. Quatro folhas A4 fechavam uma página do jornal standart, formato que ainda usávamos nessa época.

O material ainda era colocado naquela mesma caixa azul de madeira e enviado por ônibus a Curitiba, com a diferença de que não havia mais envelopes e nem fotos soltas.

Foi nessa época que conheci de modo mais próximo o Gilberto Brittes, o Brittes A Brittes, o Divair Dalmas e o Durval de Lima Jr (em memória).

E foi nessa época que eu conheci a Internet.

Modernidade

Este sistema tão comum hoje que está em nosso cotidiano como se fosse o ar que respiramos (e de certo modo é…) chegou à sede do Jornal O Comércio para revolucionar. A internet foi um divisor de águas. Então, com suas mudanças, a caixinha azul ficou de fora e a editoração eletrônica dispensou a necessidade de imprimirmos o layout.

As páginas passaram a ser exportadas em PDF (como a maioria ainda faz atualmente) e enviadas por e-mail.

Depende. Escrevendo assim, parece fácil. Mas não foi não…

Antes disso, pelo menos foram necessárias umas cinco ou seis viagens semanais a Curitiba com o Divair pilotando a VW Saveiro e eu com o computador embaixo do braço.

Sim, para aprender a fechar os arquivos corretamente, eu retirava os cabos do CPU e levava até a gráfica. Lá, os arquivos do “PageMaker” (programa da Adobe de editoração eletrônica que antecedeu o InDesign) eram fechados e, então, trazíamos o jornal impresso na caçamba.

QI de novo

“Na sequência dos fatos” – escreveria Durval Jr em sua coluna policial -, mais uma vez aceitei um desafio “sem pensar”.

Ou não deixei escapar uma oportunidade.

Eu disse “sim” quando o Brittão foi outro QI e me perguntou, na sala de reuniões: “Marcelo, nós não damos conta de tocar tudo isso por aqui?”.

A pergunta tinha um motivo estratégico e pontual: evitar a contratação de um profissional “de fora” para ser chefe de redação e “tocar tudo”.

Então, assumi o cargo de editor chefe e tocamos o barco imprimindo pela primeira vez na história local, numa edição especial de Natal, o jornal em cores.

E logo, mudanças vieram novamente.

Já com o jornal no formato tabloide, a sede foi transferida para o prédio aos fundos da Fafi onde encerrei minha primeira passagem, em 2000. Não sem antes ter conhecido o Eduardo Carpinski, que assumiu minhas funções.

Fiquei quatro anos fora – período de fundação do Jornal o Iguassú – e retornei em 2004, quando conheci seu atual diretor, o Caique Agustini, com quem mantenho amizade e respeito até hoje.

Permaneci colunista até me desligar novamente, em 2007, devido às atividades da televisão e, desde então, os caminhos – meu, do O Comércio e de sua querida equipe – se cruzam esporadicamente, haja vista que aqui estou, orgulhosamente, escrevendo mais uma vez em suas páginas nesse momento em que celebramos tão importante aniversário.

O Jornal O Comércio é marcante na história do Paraná e de Santa Catarina, principalmente, na história da gente que ele afeta, sejam colaboradores ou leitores. Tanto é que eu escrevi esses momentos sem recorrer à uma anotação sequer, pois são momentos eternizados na memória com profundo respeito e admiração.

Batalhas que moldam e tocam nossas famílias desde a era Mílis – do fundador Hermínio e do seu filho sucessor -, amigo Ari Mílis (de saudosa memória) às nossas famílias atuais.

A propósito: foi quando escrevi o livro “Minha Caixa Preta” (2014) que o Ivo Dolinski, ao prefaciá-lo, revelou: meu pai, Bruno Storck (em memória) foi meu primeiro “QI” dessa minha particular história aqui ao ter perguntado a ele (Ivo) se não tinha um espaço para mim no Jornal O Comércio. Agradeço, pois, pelo espaço de ontem e pelo de hoje.

Feliz Aniversário, Jornal O Comércio!

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