Mês traz alerta de prevenção para acidentes e mortes no trabalho

“Nega, deixa um café pronto que nove horas eu vou aí”. A manhã de 02 de outubro de 2023 amanheceu compromissada para o mecânico industrial Ervino Regert Junior, de 49 anos, morador de Porto União, que atuava numa construção. Tinha tanto apreço pelo trabalho como pela sua ferramenta de função: um caminhão antigo considerado seu xodó, o qual chamava de “Mumm-Ra”, ou de “vida eterna”.

Foto: Acervo

 

Em meio ao labor, o qual dedicava com esmero ainda que vivenciando uma perda, o trabalhador tinha naquele início de dia outro rápido compromisso com a irmã Marcia Regert, de 43 anos, que o ajudava com documentos referentes ao falecimento da esposa, meses antes. Após receber a mensagem, a “Nega”, apelido dado carinhosamente pelo irmão, não imaginaria que aquela seria a última mensagem dele, de um café da manhã que ficou sobre a mesa. Nos minutos seguintes, uma nova ligação; agora, de outro funcionário da obra.

“Marcia, eu tenho uma notícia não muito boa do ‘Vermelho’ (apelido de Ervino). Aconteceu um acidente e, infelizmente, o ‘Vermelho’ veio a óbito”, relembrou a irmã que estava no início de uma gestação. Ao desligar o telefone, Marcia foi até o local das obras sem avisar os familiares. Ao descer do carro, identificou o corpo do irmão sem vida, sendo coberto pelos bombeiros. Nos pés da técnica de segurança do trabalho estava uma dolorosa realidade que dedica mais de 10 anos de sua vida para evitar. Ainda não eram dez da manhã quando seu irmão se tornara mais uma vítima de acidente de trabalho no Brasil, que registra a cada 3h47min a morte de um trabalhador, segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab).

“Dói muito, ainda. Dói muito. Foi muito triste ver o corpo do meu irmão, que ia tomar café com a gente, que ia estar, aqui, com a gente. Ele era a alegria da família da gente, mas, infelizmente, por causa de um acidente…”, se emocionou ao voltar às memórias daquela manhã.

Marcia conta que escolheu a profissão justamente para defender a integridade dos trabalhadores de Porto União; entretanto, naquela manhã, a profissional revela um sentimento de incapacidade. “As pessoas, também, são tão maldosas, que eu lembro que alguém disse: ‘Você não fez nada?!’ Eu fiz, eu ajoelhei e clamei a Deus para devolver a vida pra ele. Era tudo o que eu podia fazer”, lamentou.

Durante o trabalho, Ervino auxiliava na retirada das partes de um guindaste quando a peça se soltou e o atingiu pelas costas. De acordo com testemunhas, o trabalhador tentou correr, mas não houve tempo. O impacto causou um politraumatismo, instantaneamente, fatal. “Ser segurança do trabalho, a gente cuida muito da vida do trabalhador. Eu amo essa profissão. E eu me senti tão inútil naquele dia, pois não teria nenhum equipamento de segurança que salvaria a vida do meu irmão”, disse. Segundo Marcia, todos os equipamentos de segurança estavam corretos. “Não tem como culpar ninguém, porque, infelizmente, foi um acidente, uma fatalidade”, destacou, enfatizando o acolhimento da família pelos patrões do irmão.

Foto: Herisson Schorr

 

Acidentes comuns em Porto União

Marcia é Secretária de Saúde e Segurança do Trabalho da Nova Central Sindical de Santa Catarina e atua como presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Porto União. Ela identifica um acidente de trabalho comum no município. “A perda de dedos é o que mais acontece nas empresas”, contou. Segundo a técnica, as principais causas dos acidentes ocorrem pela falta de atenção e o despreparo para o uso de equipamentos de segurança. “Muitas vezes, eles tiram a proteção que tem na fita para cortar uma ‘ripinha’ e ali acontece o acidente de trabalho”, pontuou. Marcia também identifica que devido a rotatividade de funcionários, muitos assumem funções sem ter um real preparo para atuar no processo de produção. “A falta de capacitação do trabalhador, quanto ao uso do equipamento de proteção, é o agravante de tudo”, afirmou.

Dos relatos de acidentes de trabalho no município, a presidente expõe dois acontecimentos que têm algo em comum e são exemplos de uma recorrência entre os trabalhadores locais: a falta de conhecimento de uso das máquinas.
“Uma moça começou a trabalhar na faxina da empresa e foi tirar a serragem que ainda estava presa, só que a máquina ainda estava ligada, ela só não estava em circulação, mas ela é automática, a partir do momento que encosta, ela corta, e a moça perdeu os dedos da mão”, descreveu. No segundo caso, um operário auxiliava na dilaceração de madeira. “O picador ficou ‘empapado’ e o trabalhador, com a perna, quis empurrar”, lamentou sobre o jovem que teve o pé amputado no acidente.

À frente do sindicato, a técnica realiza desde 2018 uma capacitação em conjunto com as empresas do município para identificar falhas e propor soluções. Otimista, a profissional afirma que, aos poucos, as empresas estão aderindo às capacitações, diminuindo em 70% os acidentes.
Afinal, o que é segurança do trabalho?

“Segurança do trabalho são medidas e ações adotadas, de forma preventiva, pelas empresas, com a finalidade de controlar, neutralizar e eliminar os perigos e riscos ocupacionais tornando assim os ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis aos trabalhadores”, explicou Andreia Dalmaz, engenheira de Segurança do Trabalho.

A profissional complementa a informação destacando os riscos, sendo eles:

– Físicos: ruído; temperaturas extremas (calor e frio); vibração do corpo inteiro, mãos e braços; radiação ionizante e radiação não ionizante; pressões anormais.

– Químicos: poeiras, fumos, neblinas, gases, vapores de origem química.

– Biológicos: vírus, fungos, bactérias, parasitas, bacilos e protozoários.

– Ergonômicos: monotonia e repetitividade; esforço físico intenso; postura inadequada; outras situações causadoras de estresse físico ou psíquico.

– Acidentes ou mecânicos: arranjo físico inadequado; máquina e equipamento sem proteção; ferramentas defeituosas; eletricidade; animais peçonhentos; incêndio e explosão; outras situações que podem contribuir para ocorrência de acidentes.

 

Profissionais expostos

Amputações, choques, prensamentos, quedas e queimaduras são ocorrências comuns debatidas na sociedade no que diz respeito aos acidentes de trabalho; porém, há um risco silencioso que, também, pode comprometer a saúde do funcionário. Sandro Roberto Alves é engenheiro de Segurança do Trabalho e apresenta uma outra vertente de sua função: a proteção do trabalhador para evitar contaminações.

O engenheiro identifica inúmeras as atividades que expõem trabalhadores a situações de risco e danos à sua saúde. Como por exemplo, contaminantes que podem entrar no organismo por via cutânea, respiratória e ingestão. Quando os profissionais de segurança identificam esses riscos, imediatamente, como medida imediata, recomendam o uso de EPIs (Equipamento de Proteção Individual). Respiradores, luvas, aventais, cremes, entre outros, são exemplos dessa medida.

“Em nossas cidades, a predominância produtiva é o desdobramento de madeira. Em vários processos são utilizados produtos como cola fenólica, tintas e solventes. Esses contaminantes expõem profissionais como pintor, operador e auxiliar de produção do setor de colagem a agentes químicos que podem causar danos à saúde”, alertou.
Sandro, que atua há mais de 20 anos na área de Segurança do Trabalho, afirma que já implementou inúmeras medidas para prevenir acidentes e doenças nas atividades trabalhistas, uma função que salva vidas. “Procedimentos formalizados e treinamentos são ferramentas que efetivamente reduzem a possibilidade de acidentes e doenças, quando implementadas em conjunto com outras ações”, reiterou.

 

Estatísticas

Em números, Sandro sinaliza que a Previdência Social, através da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), monitora os acidentes de trabalho em todo o Brasil. “Quando buscamos informações sobre nossos municípios, temos os seguintes resultados: em 2021, no município de União da Vitória foram registrados um total de 210 acidentes de trabalho. Desses, um acidente fatal. Já em Porto União foram registrados um total de 244 acidentes com um acidente fatal. Esses dados são importantes para direcionamento das ações de segurança, porém, controles estatísticos internos nas empresas dariam melhores indicadores para as tomadas de decisões”, sugeriu.

 

Atendimentos de acidentados no trabalho

Cleverson Cristiano de Anastácio tem 39 anos e atua como condutor de emergência há cerca de três anos nos municípios de Cruz Machado e, atualmente, em União da Vitória. O Técnico de Enfermagem conta que o atendimento de vítimas de acidente de trabalho faz parte de sua rotina. Ele explica que, para atendimentos de acidentados desta categoria, há um protocolo a ser seguido à risca, não só pelos profissionais de socorro, mas, principalmente, para os demais trabalhadores do local, onde deve se evitar mexer no acidentado, principalmente, quando é vítima de quedas. “Não pode colocar nada embaixo da cabeça”, alerta sobre o risco de agravar uma possível lesão na coluna.

Foto: Acervo

 

Como trabalhador, Cleverson destaca que também precisa utilizar equipamentos de segurança, como macacão, luvas e máscaras para evitar contaminações com possíveis doenças. “Na época da covid, a gente usava uma roupa diferente, em cima do macacão”, lembrou desse e demais equipamentos como o reforço de máscaras e óculos especiais.

Dos casos, destaca o socorro realizado a um jovem vítima de alta tensão. “Ele estava numa laje, com uma régua de reboco e encostou na alta tensão. A gente chegou e ele estava em parada. Massageamos ele no local, foi entubado, e deslocamos para o Hospital Regional”, descreveu.

O acidente de trabalhadores com alta tensão tornou-se notícia, novamente, nesta semana no Portal Vvale. Na segunda-feira, 22, dois jovens trabalhadores de União da Vitória foram eletrocutados durante um trabalho no bairro Rocio. Com uma descarga elétrica que atingiu 34 mil volts, os funcionários de 17 e 26 anos tiveram, respectivamente, 93% e 36% do corpo queimado. Ambos foram encaminhados para o Hospital Evangélico de Curitiba. Luiz Alonso Trindade, de 17 anos, acabou falecendo na tarde de quinta-feira, dia 25.

 

Palestras de prevenção

Analúcia Hanisch é engenheira técnica em Segurança do Trabalho da Copel e professora do Senac de Porto União. Além de exercer seu trabalho de orientação para os colaboradores, estende-o para toda a comunidade, por meio de reuniões de conscientização preventiva em empresas, com ênfase a empresas de internet, escolas e área rural. “Esse trabalho consiste em palestra sobre o tema, de forma gratuita e com duração de cerca de 1h20. Pode ser em qualquer lugar da região. O público pode ser desde crianças a partir do quarto ano até adultos. A palestra é adaptada a cada faixa etária e é realizada por voluntários da empresa”, explicou.

 

Abril Verde

A data de 28 de abril foi estabelecida como o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A origem do Abril Verde remonta a um trágico incidente ocorrido em 28 de abril de 1969, nos Estados Unidos. Neste dia, uma explosão na mina de carvão tirou a vida de 78 mineiros. Esse desastre foi um marco que impulsionou a criação de leis e regulamentações mais rigorosas em relação à segurança no trabalho nos EUA.

No entanto, no Brasil, a mobilização tomou outra dimensão, estendendo-se ao mês inteiro e adotando o verde como símbolo da campanha, como explica a professora Analúcia. “O Abril Verde é mais do que uma simples campanha; é um compromisso com a vida e a dignidade dos trabalhadores. Ao promover a conscientização e ações concretas em prol da segurança e saúde no trabalho, essa iniciativa contribui para a construção de um ambiente laboral mais seguro, justo e humano. Assim, cada abril se torna uma oportunidade para renovar o compromisso de proteger aqueles que dedicam suas vidas ao trabalho”, afirmou.

Conforme os dados disponíveis no site do Observatório Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, a cada 51 segundos um acidente de trabalho é notificado ao INSS. “Lembrando que esses dados são os dados oficiais, de trabalhadores com carteira assinada e acidentes oficialmente registrados. Sabemos que muitos acidentes não são comunicados ou são de trabalhadores autônomos, ou seja, na prática esses números são muito maiores”, pontuou Analúcia, que ainda destaca: “Os gastos com afastamentos acidentários desde 2012 (INSS) ultrapassam os 153 bilhões de reais.”

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