Covid Longa: pacientes apresentam sintomas mesmo recuperado

1º caso registrado de reinfecção da doença no Paraná compartilha dificuldades pós-Covid. Especialistas acreditam que o vírus afeta os nervos olfativos do nariz


Caro diário,

Sou a Roberta Freyesleben, de 39 anos.

É preciso registrar aqui, para lembrar futuramente deste fato como uma superação.

Mais uma etapa a ser vencida.

Fui acometida pela Covid-19 por duas vezes.

Não tenho comorbidades e não necessitei de hospitalização por conta da doença respiratória.

Também, até o momento, nenhuma sequela cardíaca ou pulmonar foi diagnosticada.

Estou recuperada da Covid, mas meu olfato e paladar não voltaram totalmente.

Acredito que o meu olfato foi afetado uns 90% e o paladar quase 100%.

Por muitos momentos, sinto cheiro de gasolina, de coisa queimada e gás de cozinha, assim, aleatórios.

Com relação ao paladar, sinto gostos estranhos, como por exemplo: o bacon e a cenoura ficaram amargos. Só consigo tomar água com gás, porque a sem gás me remete um gosto de remédio.

Então, o paladar ainda distorce bastante.

Desde então, sigo assim!

(Divulgação/Arquivo Pessoal)


Roberta, que é natural de União da Vitória, e que atualmente mora em Curitiba, foi o primeiro caso confirmado de reinfecção por Covid-19 no Paraná.

O primeiro diagnóstico positivo aconteceu em 11 de junho de 2020 e, pela segunda vez, em 23 de fevereiro de 2021. A infecção aconteceu pela variante P2, inicialmente descoberta no Rio de Janeiro. As amostras dos testes de Roberta foram enviadas pelo Laboratório Central do Estado (Lacen) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, que realizou sequenciamento genômico do vírus.

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), os protocolos do Ministério da Saúde (MS) determinam que após três meses pela infecção do mesmo vírus ou derivações, o caso é considerado reinfecção.

Assim como Roberta, cresce o número de infectados pelo coronavírus e que relatam uma repentina perda parcial (hiposmia) ou total (anosmia) do olfato e do paladar, por vezes, até mesmo antes de desenvolver outros sintomas da doença, como febre alta, tosse seca e dificuldade para respirar.

Especialistas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em estudo divulgado em fevereiro deste ano, disseram que “a perda do paladar está diretamente associada à perda do olfato”. A médica otorrinolaringologista e docente da UFJF, Letícia Bakary, explicou no estudo que a perda em pessoas infectadas pelo coronavírus ocorre por um intenso processo inflamatório no bulbo olfatório, que resulta na destruição de células de sustentação e das células basais.

Segundo uma explicação simplificada da especialista, o processo de captação de um odor começa pela entrada do mesmo nas narinas, com absorção da mucosa nasal. Durante essa absorção, os neurônios “traduzem” a informação do odor que, posteriormente, passa pelo nervo olfatório e chega ao bulbo olfatório. Este, por sua vez, se trata de uma estrutura cerebral responsável por receber a informação dos neurônios olfativos para identificar o cheiro.

Em comparação com outras doenças respiratórias, existem particularidades na ausência de olfato e de paladar em decorrência da infecção pelo coronavírus: entre os contaminados por ele, a perda dessas sensibilidades acontece repentinamente e pode persistir além do tempo de infecção da doença. A maioria dos pacientes que tem esses sintomas após infecção pelo coronavírus não tem morte neuronal, ou seja, o olfato eventualmente volta ao normal.

Dados divulgados pela UFJF apontam que 65% dos pacientes que apresentam casos leves da Covid-19 recuperam a função olfatória em torno de 14 dias. No entanto, esse período depende da evolução em cada pessoa infectada.

O neurologista do Vale do Iguaçu, Iuri Pereira dos Santos, afirma que neurologicamente falando, a Covid-19 é a doença do século que mais preocupa a medicina.

Neurologista do Vale do Iguaçu, Iuri Pereira dos Santos (Divulgação/Arquivo Pessoal)

“Além da questão neurológica, temos que pensar a parte psicológica da doença. A maioria dos sintomas é reversível, dura poucos dias ou meses, outros persistem. Existem relatos de pessoas que em oito meses pós-Covid ainda não recuperaram o olfato e o paladar. Se você não sente bem o cheiro, o paladar também ficará comprometido”.

Formado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro efetivo da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Iuri faz parte da equipe que atua na linha de frente da Covid-19 na Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI) de União da Vitória.

“No começo da pandemia estávamos (os médicos) preocupados com o acometimento pulmonar pelo vírus. Então, em abril do ano passado, houve relatos de pacientes com manifestações neurológicas, neste caso a encefalite, que é uma inflamação e infecção do cérebro desencadeada geralmente por um vírus e que pode ser fatal. Muitas pessoas têm apresentado desde os sintomas neurológicos leves como o esquecimento, até um Acidente Vascular Cerebral em decorrência da doença”, explica.


Dificuldade de concentração e perda de memória

De acordo com o médico, sequelas neurológicas como perda de memória recente e dificuldade de concentração são observadas em diversos casos e podem durar por meses após a infecção.

“Diversos relatos e estudos em andamento no Brasil e no mundo relatam essa queixa. Pacientes pós-Covid relatam que a memória não está como era antes. A medicina precisa de mais tempo para avaliar e tentar entender se estas serão sequelas definitivas da doença ou passageiras. Em todas as situações se faz necessário o auxílio de um profissional da medicina para saber se o esquecimento, por exemplo, acontece em decorrência direta da Covid”, diz.

Roberta também relatou o esquecimento no pós-Covid.

“Estou conversando e foge completamente o raciocínio. Isso aconteceu após a doença. Também tenho confusão com objetos, estou olhando uma mesa e cito outra coisa. Eu também fiquei com formigamento nos braços e nas pernas. Ainda, bastante coceira, parecido com alergia, mas que dá e passa. Por fim, dores no corpo acontecem regularmente quando eu acordo”.

O médico de União da Vitória acrescenta que além dos sintomas pós-Covid, também se preocupa com relatos de ansiedade e depressão que possam vir a ser relatados, mas não como consequência do diagnóstico da doença, mas sim do contexto da pandemia.

“Em União da Vitória tivemos uma situação de AVC em decorrência da Covid. Outros relataram alterações visuais e inflação dos nervos periféricos”.

A neurologista Elissa Fory, da Fundação Henry Ford, nos Estados Unidos, em recente entrevista à BBC News, disse que existem mais de 300 estudos em todo o mundo e que esses descobriram uma prevalência de anormalidades neurológicas em pacientes com Covid-19, incluindo sintomas leves como dores de cabeça, perda de olfato (anosmia) e sensações de formigamento, e graves como afasia (incapacidade de falar), derrames e convulsões.

Além das descobertas recentes, o vírus, que causa majoritariamente uma doença respiratória, também pode afetar rins, fígado, coração e praticamente todos os sistemas do organismo.


Opções para reverter sequelas

O tratamento para a perda de paladar e olfato, ou outros sintomas, deve ser primeiramente avaliado por um médico especialista para depois se definir o processo adequado para cada caso.

 

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