Crônica: “Doutor, o professor pedófilo foi preso”

“Eu já estava feliz que ele nunca mais vai entrar em sala de aula! Agora finalmente a prisão! Muito obrigado Doutor Carlos!”

Crônica Doutor, o professor pedófilo foi preso

Boy with hashtag why me written on his arm

A mensagem chegou no WhatsApp pela manhã do jovem Juliano, 18 anos, que eu havia atendido meses antes. Quando da primeira procura ele relatou que na época da escola, quando ainda estudava no ensino fundamental, no meio do ano letivo assumiu um professor substituto na licença do titular. Disse que era comum o professor abordar os alunos pedindo o contato do WhatsApp para “conversar”.

Juliano relatou que o professor mandava muitas mensagens, sempre com perguntas pessoais, o que o incomodava. Ao bloquear o contato, no dia seguinte no colégio o professor o chamou, tocando em seu ombro, cobrando sobre o bloqueio, o que deixou muito constrangido. Ao contar para seus colegas foi encorajado a reclamar com a direção da escola em que estudavam, mas nenhuma providência foi tomada, tendo o professor depois saído da disciplina apenas, quando ocorreu o retorno da licença do titular.

Perguntei a Juliano que tipo de assuntos pessoais o professor tratava nas mensagens. “Ele me perguntou certa vez se eu apreciava sexo”, respondeu bastante envergonhado.

O jovem ainda narrou que certa vez esperava o transporte em um ponto de ônibus, quando se aproximou um carro, o qual baixou o vidro: “na hora percebi que era o professor. Ele me disse que daria carona, que eu tomaria chuva se ali ficasse. Insistiu muito, e só desistiu quando eu fui firme e outras pessoas se aproximaram”.

“No começo dessa semana Doutor Carlos, um amigo desabafou comigo em sua rede social, expondo que também foi abordado por ele da mesma maneira do carro, perguntando se gostava de sexo. Ele está arrasado, sente-se constrangido e culpado pela forma que o professor o abordou”.

Ao final do atendimento com nossa equipe de Psicologia do fórum Juliano desabafou: “Não é possível Doutor. Até quando ele ficará assim agindo sem que ninguém faça nada?!”

Pedimos a Juliano o contato de outros alunos que haviam passado pela mesma situação. Disse que eram muitos, mas estavam receosos, e não gostariam de contar e reviver o que passaram, pois haviam sofrido muito com a forma abusiva que o professor os abordava.

Apenas um deles veio até nós. Willian, 20 anos de idade, contou que cinco anos antes, quando tinha 15, passeava pela área central da cidade, quando parou para sentar em um banco, e logo depois um senhor desconhecido sentou ao seu lado, e passou a conversar. Ele viu que eu tinha espinhas no rosto e ofereceu para ajudar, e logo já estava falando de intimidades, o que o deixou muito incomodado. “Conversando com amigos soube que o sujeito era professor, e abordava os alunos da escola. Eles já haviam pedido providências, mas nada havia sido feito. Eu tentei chamá-los agora doutor Carlos, queria que viessem aqui, mas eles têm tantos traumas, não querem mais tocar na ferida”.

Com a apuração entendi que já havia elementos mais que suficientes para afastamento do professor de sala de aula, e por meio de diálogo com a Secretaria de Educação tal se procedeu imediatamente.

Naquele mesmo ano em que fizemos o atendimento dos jovens, eu trabalhava no fórum eleitoral. Havia uma eleição chegando, e com isso o judiciário passa a funcionar em regime de atendimento normal também nos finais de semana.

Em uma quente e ensolarada tarde de sábado o fórum res preparando o material e a logística das eleições que se aproximavam. Como a estrutura funcional da Justiça Eleitoral é mais enxuta, sempre que sou designado para atuar nos pleitos eleitorais convido a equipe da Vara da Família e Cejusc para também ajudar, e assim me acompanhavam naquele dia inclusive estagiários de Psicologia.

No meio da tarde uma delas, Luise, rapidamente entrou em minha sala: “Doutor, tem uma situação diferente, um menino acabou de entrar no fórum chorando, falou que foi vítima de um abuso agora pouco, e pediu ajuda”.

“Luise, antes mesmo que eu o atenda, você irá proceder com o acolhimento psicológico dele como faz lá no Cejusc. Caso ele conte sobre a violência, peço que anote tudo da forma mais precisa possível, para que eu não tenha que o questionar novamente”, lhe respondi.

Enquanto João era atendido, pedi à equipe que chamasse a Polícia Militar para nos auxiliar. Poucos minutos após os policiais adentraram ao fórum, e encerrado o acolhimento Luise nos contou todo o ocorrido.

João, 17 anos de idade, morava no interior do município, estava com a mãe no centro. Enquanto ela saiu fazer compras, ficou caminhando vendo as vitrines. Depois de passar por algumas lojas sentou-se em um banco em uma praça para descansar. Haviam outras pessoas no banco, que se levantaram alguns minutos depois. Estava “mexendo” no celular quando um homem parou ao seu lado e puxou conversa. Falou primeiro sobre o calor daquela tarde, e perguntou qual era sua escola. Nesse momento João reconheceu que o senhor era um professor que havia lecionado uma matéria no seu colégio.

“O professor perguntou se eu estava sozinho”, e João respondeu que sua mãe estava algumas quadras adiante, quando lhe foi oferecida carona para encontrar ela. Na caminhada até o carro João estranhou quando o professor tentou segurar sua mão. Ao entrar no veículo o professor não ligou o motor, continuando a conversa, fazendo perguntas mais pessoais.

Contou que só pensava em sair dali quando o professor perguntou se ele já “fazia sexo”. “Fiquei paralisado, não sabia como reagir e o que falar. Foi quando o professor passou a acariciar minhas coxas e colocou a mão em minha região íntima. Foi a pior situação que eu já passei e minha vida”.

João conseguiu abrir a porta do carro e afastou-se rapidamente. Não viu nenhuma viatura policial por perto, e como sabia onde ficava a Delegacia de Polícia, saiu em corrida até lá. Ao chegar, pediram que aguardasse, pois já seria atendido em seguida.

“A sala estava cheia, eu estava tremendo e chorando, todos ficaram me olhando, e não consegui ficar lá. Quando corria novamente procurar minha mãe vi a placa do fórum eleitoral e resolvi pedir ajuda aqui. Eu imaginei que poderia ter um juiz aqui. A psicóloga me atendeu muito bem. Eu parei de tremer e estou um pouco mais calmo, mas quero achar minha mãe e ir para a casa. Me ajuda por favor”.

Enquanto falava um dos diligentes policiais nos mostrou a foto da rede social de um professor que já respondia processos por abuso sexual. “É ele mesmo. Ele está com esse mesmo cabelo hoje. O carro dele é de cor branca” afirmou João com convicção.

Possui alguma sugestão?

Clique aqui para conversar com a equipe de O Comércio no WhatsApp e siga nosso perfil no Instagram para não perder nenhuma notícia!

Era o mesmo professor que havia sido por nós afastado das escolas alguns dias antes.

As viaturas da Polícia Militar saíram pelo centro para localizá-lo, chegaram a ir até a casa dele em uma cidade vizinha ao não o encontrar nas ruas, mas o professor não foi achado, impossibilitando fazer sua prisão em flagrante.

Alguns meses após o primeiro jovem que eu havia atendido, Juliano, me chamou no WhatsApp, falando da prisão: “Vi no facebook agora Doutor Carlos. O professor pedófilo foi preso. A justiça tarda, mas não falha. Obrigado por nos ajudar”.

A investigação que culminou com sua prisão foi realizada pela Polícia Civil, e com a ordem judicial de busca e apreensão da Vara Criminal da comarca vizinha, os investigadores foram até a casa do professor. Lá foi encontrada grande quantidade de material pornográfico em fotos e vídeos de crianças e adolescentes no seu celular e computador.

No processo em que atendemos os jovens em nosso fórum, descobrimos que o professor já havia sido padre também. E mais, já havia sido preso pelo mesmo motivo, pedofilia, 20 anos atrás! Não conseguimos identificar se foi condenado naquela situação, nem por quanto tempo ficou preso e por qual razão estava solto.

Em reportagens da imprensa daquela época, a Igreja foi ouvida: “vamos garantir apoio moral e jurídico ao padre. Até ontem ele nunca havia demonstrado qualquer sinal de desvio”. Felizmente a igreja o expulsou algum tempo depois, mas o ex-padre ainda continuou dando aulas nas escolas na região onde eu trabalhava até os dias de hoje, somente sendo afastado das salas de aula quando o caso chegou até nós, pouco antes de sua prisão.

*os nomes aqui utilizados são fictícios.

Carlos Mattioli é juiz da criança, adolescente, família e cidadania em União da Vitória (PR).

Voltar para matérias