Crônica: “e sobre o tribunal do júri o que o doutor diz?”

A pergunta me foi feita pelo apresentador do programa de TV local já no primeiro bloco, depois de responder questões sobre as eleições, o tema combinado, já que eu assumia a função eleitoral pela segunda vez em curto espaço de tempo, e estava “afiado” sobre qualquer tema envolvendo a função da justiça eleitoral, candidatos, propaganda, os crimes eleitorais, o dia das eleições.

Pedi quando fui convidado a participar do programa para não tratar de outros temas. O programa era uma espécie de “talk show”, com os sofás no estúdio e tudo mais. Na gravação a ideia era não “recortar” ou editar a conversa para mudar algo falado, a fim de que tudo ficasse bastante natural, esclareceu o experiente jornalista.

Ao começar sua carreira como juiz, Mattioli recebeu um concelho: não falar com a imprensa.

Alguns anos antes, lá no início da carreira como juiz substituto, quando tudo ainda principiava, ao conversar com um colega magistrado mais antigo, este me trouxe a orientação:

-“Não atenda a imprensa! Vão desvirtuar sua fala, não perca tempo com isso”, ressaltou em tom professoral.

Pois, logo na primeira semana de trabalho, ainda muito tímido, optei por desrespeitar o “conselho” e atendi pela primeira vez um jornalista. Representava um jornal impresso de grande circulação em Bandeirantes (PR). “Vamos repercutir sua chegada na cidade”, disse-me.

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E no dia seguinte estava lá minha história na capa do jornal, com foto minha que não sei dizer exatamente quando ele tirou, enquanto conversávamos, descrevendo sobre meus trabalhos anteriores, e a expectativa para a promoção dos serviços judiciários na região.

Acostumava ainda com o atendimento da imprensa, quando compareci em uma cerimônia de reforma na delegacia local. Ao chegar no evento um radialista me chamou e perguntou se poderia dar uma entrevista. Tão logo manifestei positivamente, ele “entrou ao vivo” na programação e antes que eu pudesse raciocinar emendou: “gostou da nossa cidade doutor? Como estão estes primeiros dias como magistrado? As pessoas estão lhe recebendo bem? O que acha sobre a criminalidade aqui na região?” E assim iniciava o ciclo de uma parceira que se tornou muito sólida e de fundamental importância para tudo aquilo que proponho como reformatação do serviço de atendimento judiciário.

Já em União da Vitória, pouco depois de minha chegada, fui procurado por um jornalista por meio de um servidor do fórum. Ao responder positivamente no mesmo dia, pela tarde, chegou ao fórum eufórico: “vim hoje mesmo antes que o juiz mudasse de ideia! Não pretendo fazer entrevista agora. Apenas queria dizer que já com alguns anos de profissão nunca consegui conversar com um juiz antes. Tentei por várias vezes, mas nunca tive sucesso”.

E dessa conversa inicial, na semana seguinte marquei uma primeira coletiva de imprensa, quando compareceram ao fórum diversos radialistas, jornais impressos e a tv local, e pude repassar minha visão sobre o Poder Judiciário, além de responder a todo tipo de pergunta.

O “talk show” foi gravado algumas semanas depois. Não reclamei quando houve a mudança de tema do programa. Já havia então aprendido a lição de que a pauta e o direcionamento das perguntas são de livre escolha dos jornalistas. É claro que há alguma limitação, inclusive por norteamento da legislação, não sendo possível ao juiz tratar por qualquer meio de comunicação opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre julgamentos, por exemplo.

Especialmente nas atividades de cidadania que promovemos por meio de projetos e atividades extrajudiciais temos uma estrutura enxuta de pessoal para sua realização, e assim demanda-se a criação e fomento de diversas parcerias, com instituições públicas e privadas, órgãos públicos diversos, instituições de ensino, empresas e cidadãos.

E considero para tal a imprensa como um dos principais parceiros para a sua realização. Não raro diversos eventos por nós promovidos somente receberam público considerável após a divulgação prévia pelos órgãos de comunicação locais. Os eventos e os temas que propomos, como o combate à evasão escolar, o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violências, a prevenção à violência contra mulher, por exemplo, encontram na imprensa um espaço de divulgação para a chegada da informação em locais e pessoas que nunca conseguíramos atingir. Com a participação dos órgãos de jornalismo os temas e as orientações levadas por nossas atividades multiplicam o público atingido em patamar muito considerável, ampliando o acesso à justiça, o acolhimento das pessoas e a promoção de direitos.

Sempre me causou profundo incômodo, quando ao final de uma reportagem envolvendo uma situação com participação do Poder Judiciário ocorria a ressalva: “o fórum foi procurado, mas até a veiculação desta reportagem ninguém atendeu aos chamados”. “Era a oportunidade para falar para o grande público, esclarecer, divulgar, orientar, e optou-se por nada dizer” pensava (e ainda reflito), sem compreender.

Alguns anos atrás, participei de uma entrevista ao vivo em uma rádio de um município, no interior da comarca, após a realização de um evento do CEJUSC (Centro de Cidadania do Poder Judiciário). Falei sobre diversos temas, inclusive a violência contra a mulher, sobre os tipos de violências, as possibilidades de socorro e atendimento da mulher, além de outras questões atinentes.

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Quando estava no carro voltando para o fórum, logo após a entrevista, recebi de uma mulher uma mensagem em uma rede social:

-“Juiz, você não me conhece, mas disse que poderíamos te procurar por aqui, e preciso lhe contar o que aconteceu agora pouco. Estava na casa de minha mãe, uma senhora idosa, casada há 35 anos com meu pai, onde ouvimos sua entrevista. Quando o juiz terminou de responder as perguntas, ela virou para mim, e em lágrimas disse que havia criado a coragem para levar adiante a separação. Meu pai é alcoolista, sempre foi muito violento com ela, nunca aceitou fazer qualquer tratamento. Minha mãe nunca conseguiu sair dessa situação. Eu mesma precisei sair de casa muito cedo porque não aguentava ver ela em prantos todos os dias, sofrendo toda espécie de humilhação. Sua entrevista despertou nela a força que precisava depois de tantos anos de sofrimento para iniciar uma vida em paz nova longe de meu pai. Ela não sabe ler e escrever, e pediu para que eu lhe mandasse essa mensagem. Estamos aqui chorando juntas, mas choro de alívio e alegria. Em meu nome e de minha mãe, nosso muito obrigado! ”

Ao ler a mensagem e olhar para meu parceiro que dirigia o veículo do fórum lhe disse: “Como valeu a valentia de não atender o conselho que recebi lá no começo de tudo!”

Carlos Mattioli é juiz da criança, adolescente, família e cidadania em União da Vitória (PR)

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