“Nossa fé se renovou quando o senhor respondeu nosso pedido de socorro”

A imprensa possui papel de grande importância na divulgação do trabalho do Poder Público, especialmente no esclarecimento das possibilidades de atendimento, no esclarecimento de como tudo funciona, possuindo grande alcance na divulgação e promoção dos direitos de todo cidadão, particularmente para pessoas que passam por graves problemas e situação de vulnerabilidade de toda espécie.

Muitos anos atrás compreendi de forma mais precisa a responsabilidade que a mídia possui junto à população e busquei aproximação com os órgãos de imprensa locais. Estes desde sempre procuram o Poder Judiciário, tendo pouco ou quase nenhum retorno. A frase chavão quase sempre utilizada: “a Justiça e o Juiz de Direito apenas falam nos processos, não fora deles”. A par do necessário sigilo e da preservação das pessoas que não devem jamais ser expostas, sob pena inclusive de causar danos de difícil reparação (se não irreparáveis) à intimidade e à imagem dos envolvidos em processos judiciais, entendo que o Juiz sempre deve falar diretamente com as pessoas. Também por isso acabo sendo presença constante nos jornais impressos, nos portais de notícias, nas redes sociais, e notadamente nas redes de televisão, ainda nas rádios, que possuem grande audiência mesmo nos dias atuais.

Naquela semana no domingo anterior participei de entrevista “ao vivo” em uma das rádios da cidade. Um dos assuntos abordados: os altos índices de suicídio na região. Ressaltei, como sempre faço, nossos formatos de atendimento, inclusive divulgando minhas redes sociais: “a procura quando de uma emergência deve ser sempre primeiro da Polícia Militar, da saúde, e eventualmente o Conselho Tutelar, quando há menores envolvidos. São instituições que funcionam em regime de plantão permanente, todos os dias, em qualquer horário. Para toda e qualquer outra situação, estamos disponíveis para ouvir, e se for o caso acolher e orientar”.

No sábado seguinte chegou uma mensagem pelo Facebook. A tia do jovem (já maior de idade) informava sobre os problemas psicológicos do sobrinho. “Ele está muito mal juiz. Acabou fugindo da instituição onde se encontrava incorporado. Lá ele tinha acesso a arma de fogo. Nos narrou que chegou a colocar uma arma engatilhada sob o pescoço, virada para cima, e por um instante estava prestes a atirar. Um pensamento veio a sua mente para ter a força de não tirar a própria vida, e em seguida saiu da instituição sem avisar ninguém. Agora estão atrás dele e exigem seu retorno. Se ele voltar para lá vai acontecer uma tragédia. Não sabemos o que fazer e quem procurar. Eu ouvi sua entrevista na rádio, e por isso estou mandando a mensagem. Por favor nos ajude. A família toda está em desespero. Queremos ajuda-lo, mas não sabemos como. A mãe está chorando sem parar desde ontem.”

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No domingo, ao acordar estava atualizando as mensagens sem resposta nas redes sociais e li o relato dramático. Orientei-a que o jovem Roberto deveria ser levado ao pronto-socorro para atendimento médico se necessário, e que poderíamos atendê-lo já no dia seguinte. Poucos instantes após a resposta da tia de Roberto: “Obrigada pela resposta doutor. Amanhã estaremos no primeiro horário no fórum.”

Na segunda-feira, com a chegada da família, que foi em peso ao fórum para o atendimento, a equipe de Psicologia dividiu-se para proceder com o acolhimento psicológico de todos. Conversei com a tia de Roberto, e em seguida o ouvi: “Juiz, eu vou seguir todas as orientações, vou ao médico como pediu, mas por favor me ajude a não voltar para lá. Não estou preparado para continuar institucionalizado. Não tenho mais autocontrole. Preciso de um tempo em casa com a família para seguir o tratamento.”

No mesmo dia, ao chegar à casa havia uma equipe da instituição prontos para levá-lo de volta. “Precisamos fazer a avaliação com nosso médico para liberá-lo oficialmente. Se não retornar voluntariamente para o desligamento temos que cumprir a pena de prisão militar como punição”, avisaram. A família foi firme na negativa, e entregou cópia do documento interdisciplinar que havíamos preparado.

Ainda assim a instituição exigiu o retorno para a avaliação no dia seguinte. Com o atendimento que havíamos realizado no fórum também indiquei advogado para que atendesse a família sem custo, inclusive para que acompanhasse Roberto na avaliação. Nesta mesma data, recebi via telefone contato do comandante da instituição, que reforçou a necessidade da avaliação, em razão das normas que deveriam fielmente seguir, e assim orientei por mensagens a família, e o próprio Roberto, da importância de proceder com o desligamento na forma solicitada. Mesmo ainda bastante apreensivos, mas já mais confortados com nosso acolhimento, todos se deslocaram, em companhia do advogado, para a instituição no dia seguinte.

Felizmente lá todos foram compreensivos e receberam Roberto para o atendimento de forma muito cortês. A avaliação médica para a desincorporação aconteceu, e menos de 48 horas após a procura o jovem estava desligado oficialmente, e poderia seguir, em companhia da família agora, seu tratamento para a depressão e ansiedade. O advogado me tranquilizou naquela noite por mensagem: “tudo certo doutor. Missão cumprida”.

Todo nosso atendimento não ocorreu por meio de um processo judicial, mas em um setor de cidadania do fórum chamado CEJUSC, no qual em formato de vanguarda, bastante diferenciado do tradicional, busca-se a prevenção à judicialização, e essencialmente o olhar cuidadoso, empático, particular e rápido para pessoas que passam por problemas sensíveis.

Dois meses após este atendimento, trabalhava em casa, já madrugada adentro, assinando decisões no processo eletrônico, quando recebi nova mensagem da tia de Roberto no Facebook. A seguir a reproduzo integralmente:

“Boa noite senhor juiz, há 2 meses minha família passou a considerá-lo nosso ANJO DA GUARDA, nosso HERÓI, por isso venho aqui agradecer por nos devolver a paz e a alegria, que tínhamos perdido, quando o meu sobrinho Roberto teve problemas e fugiu da instituição.

Tudo começou no dia …., uma sexta-feira, com a atitude dele, toda a família se desesperou, o pai dele (meu irmão) e a vó dele (minha mãe, já idosa) estavam passando mal, só conseguiam chorar, a mãe dele não sabia a quem recorrer.

Foi aí que DEUS iluminou os meus pensamentos e eu lembrei da sua FALA na rádio, sobre suicídio e os problemas psicológicos, principalmente dos jovens, onde o senhor disse que se precisassem podia procurar o CEJUSC, então falei pra minha cunhada que o senhor seria a única pessoa capaz de nos ajudar, mas ela não conseguia nem pensar, muito menos escrever, pediu que eu fizesse, então, escrevi a mensagem por ela, com muita esperança, isso foi no sábado.

O nervosismo era enorme, todos querendo se ajudar, mas não conseguiam, no domingo, nossa fé se renovou, quando o senhor respondeu nosso pedido de socorro, era o DIA DAS MÃES, foi o nosso maior presente, saber que segunda-feira o senhor nos receberia. Foi o que aconteceu, fomos na Vara da Família, o senhor e toda a sua equipe foram MARAVILHOSOS, nos receberam de braços abertos, nos ouviram e nos acalmara. Durante a semana tanto o Roberto, como nós, tivemos mais alguns momentos de medo com aquela situação, porém, com o seu total APOIO e com a orientação do advogado que o senhor nomeou, no dia …. tudo se revolveu, ele foi para a avaliação do desligamento, nenhum problema aconteceu. Pra nós foi um alívio, pois ele estava abalado, não era o desejo dele lá continuar.

Atualmente, Roberto está fazendo o acompanhamento psicológico com a doutora …. (pessoa muito querida), estamos todos recuperados da angústia pela qual passamos. Tudo que o senhor fez por nós jamais será esquecido, o senhor faz parte da história da nossa família, que DEUS o abençoe sempre, com muita saúde, pra poder ajudar as pessoas que passam por momentos de aflição como nós passamos.

Muito obrigada por tudo, nosso CARINHO, ADMIRAÇÃO, GRATIDÃO E RESPEITO pelo senhor serão eternos. Parabéns pelo seu belíssimo trabalho, o senhor é um orgulho pra nossa cidade. Que sua vida seja repleta de conquistas, felicidades e sucesso. Mais uma vez, obrigada DOUTOR CARLOS MATTIOLI, nosso ANJO DA GUARDA.”

*o nome aqui utilizado é fictício

Carlos Mattioli é juiz da criança, adolescente, família e cidadania em União da Vitória (PR)

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