“Evasão escolar na pandemia terá impactos para uma década”

Juiz de União da Vitória aposta em boa gestão e programas assistenciais na tentativa de reduzir um dos principais problemas da educação no Brasil. Cerca de 1,38 milhão alunos abandonaram as escolas, diz relatório do Unicef


As narrativas compartilhadas fazem parte do dia-a-dia do juiz Carlos Eduardo Mattioli Kockanny, da Vara de Família de União da Vitória. Segundo o magistrado, a evasão escolar é apontada como um dos principais problemas da educação brasileira. Com a pandemia da Covid-19, a realidade ficou acentuada, o que demandou preocupação com a reprovação, abandono do ensino e distorção entre idade e série escolar.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em janeiro deste ano, mostra que foram cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à educação. A quantidade de alunos, com idades entre 6 e 17 anos, que abandonaram as instituições de ensino foi de 1,38 milhão, o que representa 3,8% dos estudantes. A taxa é superior à média nacional de 2019, quando ficou em 2%. Os dados estão compilados em estudo do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para Infância (Unicef), intitulado “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar” e, que reflete a realidade de muitos dos jovens do Brasil, especialmente àqueles em situação de maior vulnerabilidade.

O juiz de União da Vitória acredita que a pandemia afetou a saúde mental dos profissionais de segmentos variados, entre eles os educadores e, consequentemente, os estudantes.

Temos muitos relatos de alunos que sofreram de crises de ansiedade e de pânico nesse período, o que também acarretou na evasão escolar. Outros fatores citados: o bullying e problemas familiares”.

Preocupado com a temática, o juiz vem coordenando o projeto de Combate à Evasão Escolar da Comarca de União da Vitória. A iniciativa rendeu à Mattioli e a sua equipe o 1⁰ lugar do Prêmio Prioridade Absoluta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A escolha foi dentro do eixo “Protetivo” e categoria “Juiz” e a entrega da premiação, na modalidade on-line, foi realizada no dia 1º de outubro.

“A premiação significa que o projeto é diferenciado na busca da causa da evasão escolar. O que queremos é assistir esse aluno dentro e fora da escola, por que não adianta ele (aluno) retornar à escola e a violência continuar, ou em casa ou na escola. É preciso tratar o problema como um todo. A evasão pode ser motivada por vários fatores. O projeto nos dá a segurança de que estamos no caminho certo, pois somos um órgão fiscalizador”.

O projeto é realizado em conjunto com o Ministério Público e o Núcleo Regional de Educação (NRE) de União da Vitória e foi iniciado em 2008.

(Arquivo CBN Vale do Iguaçu)

“O objetivo do projeto é identificar, atender e solucionar os casos de evasão escolar, averiguando as causas do abandono. Também possui atuação preventiva por meio de orientações a pais e responsáveis sobre a importância do estudo e as possíveis consequências do afastamento das crianças e adolescentes das escolas. Tudo realizado de forma integrada e formação de uma rede de apoio”.

Segundo o juiz, a busca ativa de alunos pode ajudar a reduzir o abandono e a evasão escolar em União da Vitória e região. Por diversas razões, a pandemia agravou vários os problemas sociais.

“O abandono e a evasão escolar é um panorama da educação brasileira atualmente. Acredito que este é pior período de todos, ao menos desde a obrigatoriedade do ensino. Somos um dos únicos lugares do Brasil que há mais de uma década trabalha com a temática da evasão escolar. Nós temos um caminho pronto no intuito de cooperar com esse prejuízo tão grande acarretado pela pandemia”.

Para Mattioli, os números da evasão mostram uma dificuldade de retenção dos alunos em sala de aula.

“Nos preocupamos também com a evasão escolar no ensino municipal. Até então, eram apenas os primeiros anos do ensino fundamental que dispunham de idades com 100% de presença e agora este público não tem retornado aos bancos escolares. Isso nos preocupa bastante, pois não tem uma idade característica mais. Antigamente era uma concentração forte no Ensino Médio, um pouco menos nos últimos anos do fundamental e quase zero nos Centros Municipais de Educação Infantil. Hoje, quase todas as idades apresentam evasão, por um um problema ou outro”.

Na rede pública de ensino, Matiolli acrescenta que os estudantes residentes nas áreas rurais também tem entrado nas estatísticas.

“Os relatos são de casamento, gravidez precoce e busca de emprego, ainda na adolescência. Infelizmente, a sociedade é machista de maneira geral”.

O consumo de álcool e entorpecentes também preocupa o Ministério Público.

“Não tem um dia sequer que não haja um pedido para internação de um membro da família que está violento em casa, usuário de drogas ou pelo consumo do álcool. Além disso, há casos de meninas de 11 anos grávidas e de meninos com 12 já dependentes do crack”, explica o juiz.

De acordo com o relatório “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, em 2019, o Censo Escolar registrou mais de 27,7 milhões de matrículas nas instituições das redes públicas municipais e estaduais de Educação Básica em todo o país.

Deste total, 2,1 milhões de alunos foram reprovados, sendo que a maioria das repetições (42,6%) aconteceram nos anos finais do Ensino Fundamental.

“Quando apareceram os primeiros casos da Covid-19 a prioridade foi a saúde e o bem-estar dos alunos e de suas famílias. Não tínhamos como obrigar as pessoas a uma exposição ao vírus. Agora, precisamos correr contra o tempo para recuperar esse deficit. A evasão escolar na pandemia terá impactos para uma década, se não mais. A tragédia foi muito grande. O diferencial será o diálogo”.


Algumas das principais causas do abandono escolar no Brasil:

  • – Acesso limitado
    – Necessidade especial
    – Gravidez e maternidade
    – Atividades ilegais
    – Mercado de trabalho
    – Pobreza
    – Violência
    – Deficit de aprendizagem.

Serviço

Demais informações na Vara da Infância e Juventude, Família e Anexos de União da Vitória, na rua Professora Amazília, nº 780, ou pelo telefone (42) 3523-8859.

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