Editorial

Lula e Bolsonaro são exemplos vivos e reincidentes de um regime desgovernado por uma elite, que despreza e humilha miseráveis que vivem de esmolas, algumas das quais dadas sem o pedido da autorização para o público que as banca.

A Constituição de 1988 pode ser dispendiosa e conter direitos demais e deveres de menos, mas tem sido louvada por ter exercido um poder que nunca, na verdade, teve. Os três Poderes civis, dois escolhidos diretamente pelo povo e um nomeado por seu representante eleito para o Executivo, e os membros do colegiado verificador do Congresso Nacional exaltam a tal da lei das leis. Como se ela reinasse de forma definitiva e absoluta, o que não ocorre.

O Legislativo, que representa a cidadania pela delegação do voto, legisla muito em causa coletiva própria, extorquindo dinheiro dos pagadores de impostos para uso pessoal, familiar e paroquial de suas chamadas bases no orçamento secreto e em outras medidas infames. O Supremo Tribunal Federal (STF) também exacerba de seus poderes. O Brasil precisa se modernizar.

A dimensão do desafio e a dificuldade da travessia serão o prêmio a que o vencedor da eleição mais polarizada de nossa história receberá. É um erro interpretar que Lula foi eleito pelo Nordeste pois a distribuição geográfica do voto é uma contingência sócio-econômica. Acontece em todo o mundo. O voto é nacional, o colégio eleitoral do presidente é o Brasil, não os estados, que elegem deputados federais e senadores e os executivos e legislativos estaduais. Não existem 27 nem mesmo cinco brasis. Tampouco, existem dois brasis, como disse o presidente eleito Lula, em seu discurso de celebração. Somos uma sociedade fragmentada, que se agregou em dois pólos não equivalentes e que optou por pequena margem, mas mesmo assim, por Lula.

No Vale do Iguaçu, assim como no Sul do país, no Paraná e em Santa Catarina; prevaleceu os eleitores de Bolsonaro em larga margem. Neles há conservadores dispostos a se manter no campo democrático. Há também ultraconservadores extremados, dispostos a embarcar numa aventura autocrática e golpista. Boa parte também foi de eleitores antipetistas. Pessoas que já votaram em Lula ou em Dilma e que se decepcionaram e ficaram enraivecidas com as promessas não cumpridas, além daqueles que preferem a alternância do poder.

O silêncio inicial de Bolsonaro diante da derrota foi apenas mais um lance que o apequenou. Ele sairia minúsculo do governo apesar da gigante votação que teve. Ato corrigido em dois momentos, o primeiro numa fala breve e dúbia na terça-feira que deu espaço para uma onda de interpretações distorcidas e que serviram para agravar uma legião de seguidores. O segundo numa mensagem objetiva no feriado de finados, deixando claro a ordem para desfazer os bloqueios que novamente tornaram brasileiros reféns de uma minoria fanatizada. O presidente parece ter dado ouvidos a seus pares buscando preservar capital político e algo de sua liderança.

Para os que clamam por ruptura, os militares têm reafirmado que não vão enveredar para uma aventura golpista. Há na caserna um claro descontentamento com a vitória de Lula, mas, para o Alto Comando e para os generais, o respeito à Constituição e ao resultado das urnas está acima de qualquer preferência político/partidária.

Entre os que elegeram Lula há um contingente ao que parece majoritário que não é petista e nem sempre votou nos candidatos do PT, nem mesmo em Lula. O presidente eleito deu indicações de que entendeu isto mas terá que demonstrar em ações sérias e também claras que compreende o que esta grande grande nação deseja.

Nesta primeira semana Lula, como presidente eleito, se comportou como democrata cumprindo ritos esperados e simbólicos da democracia. Não se mostrou rancoroso e assumiu compromissos no primeiro discurso falando em frente ampla, multipartidarismo e pela reconstrução do Brasil.

Seu mandato deverá ser um dos mais fiscalizados e cobrados da história.

O Comércio entende que faz parte de uma minoria que não trabalha para agradar, mas acaba sim por desagradar aos dois grandes grupos que votaram no domingo. Sendo assim, seguiremos reportando os fatos, trazendo opiniões e pontos de vista sobre os assuntos que importam ao Vale do Iguaçu, trabalho que estamos fazendo há quase 100 anos.

Seguiremos perseverando enquanto houver instituições, entidades, empresas e indivíduos adultos não apenas de corpo mas também de mente, que sigam sendo democratas e aceitando que pontos de vista divergentes não são motivos para extinção ou aniquilação.

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