Sergio Moro pretende ser uma oposição racional ao governo Lula

O ex-juiz, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e senador eleito pelo Paraná, Sergio Moro (UB) esteve na terça-feira, 29, nos estúdios da CBN Vale do Iguaçu para uma entrevista exclusiva. Na oportunidade, o jurista, que ganhou fama por conta de sua participação na Operação Lava Jato, falou sobre suas expectativas e planos com relação a sua futura atuação no Senado Federal a partir de 2023.

Sergio Moro pretende ser uma oposição racional ao governo Lula


Confira a entrevista com Sergio Moro

Joc: Qual o seu sentimento com relação à população do Paraná após a sua eleição?

Moro: Primeiramente é um sentimento de agradecimento. Até um dos propósitos específicos desta viagem para União da Vitória é para agradecer os eleitores daqui. Foram 10.206 votos na cidade, fui o mais votado, e essa foi uma eleição muito disputada. Não foi como àquelas em que às vezes você tem um candidato e não tem opositores reais, candidatos com chances, concorrentes reais. Nós tivemos uma eleição difícil aqui no Paraná em que os concorrentes, cabe também elogio a esses concorrentes, ao Alvaro Dias, ao Paulo Martins, eram bons candidatos. Tanto que eu ouvi de muita gente uma certa ponta de inveja, não é nenhum auto elogio a mim, mas ouvi a colocação de que haviam bons candidatos aqui no Paraná. Então é muita satisfação ter ganho essa eleição, e eu tenho esse compromisso, principalmente com os eleitores, mas também com todo o povo paranaense, depois que você é eleito você passa a representar todos, de estar lá lutando pelos interesses do povo do Paraná, mas também para esse projeto de Brasil que a gente acredita, que é um projeto que demanda uma agenda de reformas para a gente ter maior integridade na política, para a gente ter mais geração de renda, mais geração de emprego. Então o primeiro sentimento é esse. E podem ter certeza, vou honrar cada um dos votos lá em Brasília e também o eleitor paranaense.   

Joc: Teria feito algo diferente durante sua atuação na Lava Jato?

Moro: Não tenho arrependimentos da Lava Jato. Na verdade, na Lava Jato nós conseguimos quebrar uma tradição de impunidade no Brasil. Se roubava, se desviava dinheiro público e isso foi feito em valores estratosféricos e não acontecia nada. A gente teve o caso primeiro do Mensalão, que eu acabei até trabalhando como juiz convocado no Supremo [Tribunal Federal], e depois a Lava Jato em que essa impunidade foi quebrada, pessoas foram presas, julgadas, condenadas. Muita gente devolveu dinheiro. A Petrobras mesmo divulgou recentemente que conseguiu recuperar mais de R$ 6 bilhões por causa das investigações da Lava Jato. Então foi um momento de mudança significativa. E as pessoas falam, as pessoas passaram a se interessar mais por política inclusive. Houve um certo despertar da população com relação ao tema da integridade na política. Agora, houve uma reação muito forte a isso. Eu lutei contra isso quanto juiz, lutei contra isso enquanto Ministro da Justiça, e vou retomar essa luta lá no Senado Federal, porque esse é um avanço, ao meu ver, civilizatório. O dinheiro que é desviado é o dinheiro que falta lá na educação, na saúde ou na obra pública. Isso faz o nosso país andar para trás. Isso acaba fazendo parte do custo Brasil, e acaba gerando uma imagem do Brasil negativa no exterior como se nós fossemos todos desonestos, e não somos. A grande maioria do povo paranaense, do povo brasileiro, é trabalhador. É o cara que acorda de manhã cedo, que vai lá sustentar a família dele, que ganha pouco muitas vezes e trabalha muito, e aí você tem gente se apropriando do dinheiro do contribuinte, do dinheiro que é retirado da sociedade. Isso para mim é intolerável. Então assim, não faria nada diferente. Agora, é forçoso reconhecer, acho que é essa a lição a ser aprendida, até pelo momento atual, que a luta pela integridade e contra a corrupção é uma luta perene. Ela não se vence em apenas uma batalha. No fundo, eu não gosto muito de falar a palavra guerra porque denota um pouquinho de violência, mas tem que ser uma luta permanente.

Joc: Como será o seu raio de atuação no Senado? Qual será o seu posicionamento político quando assumir o mandato?

Moro: Serei oposição ao governo Lula. Claro que não é uma oposição irracional. Se tiverem projetos que nós entendemos pertinentes para o Brasil, nós vamos apoiá-lo. Políticas sociais, por exemplo. Agora, existe uma divergência grande entre aquilo que eu acredito e a pauta do PT. A pauta do PT é um Estado burocrático, intervencionista, um Estado com uma visão, até estava vendo discussões esses dias, os criminosos como um coitadinho, tem essas propostas de desencarceramento em massa, ou seja, colocar a bandidagem nas ruas. Eu particularmente sou contra, então serei oposição. Agora, vamos esperar. Eu não quero ser aquela pessoa que apita o pênalti antes da falta ocorrer. Então vamos esperar os atos do governo para a gente se posicionar. Também deixar claro que meu mandato começa em fevereiro. Então tem muita gente que acredita que passada a eleição a gente já está no Senado. Não, a gente está nos preparativos e quer estar bem preparado quando assumir, mas pode ter certeza que não serei um senador omisso, passivo. A gente quer estar presente na vida pública, ainda que seremos oposição. Isso limita um pouco o que a gente pode fazer dentro do Congresso. Eu gostaria na verdade de ter aquela agenda de reformas implementada com vigor. No fundo, sendo oposição, a gente vai se preocupar muito mais em evitar retrocessos do que poder seguir adiante. Mas no que a gente puder seguir adiante a gente vai estar lá lutando.  

Joc: O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná apontou inconsistências na prestação de contas da sua campanha. Como o senhor avalia essa situação?

Moro: Isso aí eu até conversei com o meu advogado eleitoral sobre isso, ele até me mostrou a manifestação que foi protocolada na sexta-feira (25) para esclarecimento, são questões menores, “ah, faltou lá o contrato de não sei o que, ou não sei o que não foi assinado”. É uma eleição majoritária para senador e isso envolve uma série de despesas e medidas burocráticas. São formalidades que estão sendo supridas as falhas então eu não tenho nenhuma preocupação. O que acontece é que como envolve o meu nome se dá aquela dimensão como se fosse alguma coisa. Mas não tem, a gente está absurdamente seguro, não tem caixa dois na minha campanha, é impossível ter isso, não tem desvio de dinheiro, não tem nada. O que existe são falhas burocráticas formais, então a gente não tem nenhuma preocupação quanto a isso, apenas se dá ali às vezes uma dimensão que não tem. Mas eu tenho plena convicção de que as questões estão sendo esclarecidas e esse problema vai ser superado com tranquilidade.

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Joc: Como está o contato do senhor com os já senadores pelo Paraná, Flávio Arns e Oriovisto Guimarães? Qual a conversa que vocês já tiveram?

Moro: Olha, depois que eu fui eleito primeiro veio aquele sentimento de alívio, porque foi uma eleição suada, disputada. Aí veio o segundo turno e eu acabei fazendo uma opção, “não, vou apoiar, tinha assumido um compromisso com o eleitor, vou apoiar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro contra o Lula”. Eu tenho minhas divergências com o Bolsonaro, elas permanecem, não estou reescrevendo nada dessas divergências, mas entendi naquele momento “precisamos derrotar o projeto do PT e do Lula”. Infelizmente não foi possível, e aquilo me ocupou bastante o tempo ali no segundo turno. Eu tenho agora feito algumas viagens a Brasília para ir preparando o meu gabinete e já iniciando a conversa com os demais senadores. O que a gente tem hoje é a tentativa da criação de uma oposição consistente ao governo Lula. Não posso falar pelo senador Oriovisto ou pelo senador Arns, são pessoas que a gente respeita, mas eles também não estão no meu partido. Então o foco foi primeiro conversar com o pessoal do meu partido, conversar com alguns outros senadores que estão mais envolvidos nessa questão de fazer essa oposição, mas adiante com certeza a gente vai sentar e conversar e vamos superar eventuais diferenças decorrentes das eleições.  

Joc: A oposição será importante no momento político que viveremos nos próximos quatro anos?

Moro: Eu acho que o recado que as ruas estão dando é que há uma grande insatisfação com o governo que foi eleito. O país está dividido e não acredito que o governo que foi eleito vai ter toda aquela liberdade de movimentação que teve no passado. Existe uma demanda na sociedade por uma economia mais aberta, uma economia mais liberal, para que não se repitam os erros do passado daqueles escândalos de corrupção. Então estou fazendo aqui a minha parte. Eu sei que fui eleito com uma bandeira específica que transcende um pouco essa questão de situação ou oposição, que é o combate à corrupção, da integridade e também da segurança pública, mas eu tenho esse compromisso com a agenda de reformas que, infelizmente, não é a mesma agenda do governo federal que foi eleito. Mas estaremos lá lutando por essa agenda. E acho que as ruas revelam essa insatisfação com o governo e a gente tem que prestar atenção no que está acontecendo, porque as pessoas estão protestando, estão reclamando, as pessoas não estão se sentindo representadas, elas estão com uma desconfiança das instituições. Claro que a gente tem que fazer todo esse trabalho dentro dos mecanismos democráticos que são colocados à nossa disposição. Como senador eleito estarei no Congresso fazendo essa oposição. Por exemplo, no próximo ano nós temos duas vagas no Supremo Tribunal Federal. O presidente indica, o Senado aprova ou rejeita o nome. Historicamente o Senado tem sido passivo. Em 131 anos da República, ou pelo menos desde a primeira constituição republicana, de 1891, um nome foi rejeitado. E porque Floriano Peixoto, o então presidente, quis pregar uma peça indicando um médico, não um jurista, e aí foi rejeitado. Então olha, a gente precisa ter uma oposição mais firme, mais efetiva, para que faça com que o presidente indique um nome que possa não ter tanta rejeição ali dentro do Senado. E eu vou estar lá no Senado, eu quero participar ali da sabatina, a gente quer fazer isso com a dureza e firmeza necessária, e se for o caso rejeitar o nome. Claro que é aquilo que eu disse, não vou dizer que vou votar contra porque a gente nem sabe quem vai ser o nome indicado, mas precisa ter uma postura de independência, e não de subserviência ao Presidente da República.   

Joc: O que o senhor tem a dizer sobre os manifestos que têm acontecido pelo país? Qual o seu recado para as ruas?

Moro: A gente tem que prestar atenção. Existe uma grande insatisfação. O fato de se manifestar no quartel revela uma certa desconfiança das outras instituições, e o que nós temos que fazer é adotar um discurso conciliador. Vamos tentar buscar uma união dentro do país e construir uma agenda de reformas que possa ter um consenso para atender essas pessoas. Eu acho, por exemplo, algo que nós podemos discutir lá no Congresso Nacional e que é importante, por exemplo, uma reforma do judiciário. Sem uma postura necessariamente de confronto com o judiciário, mas se há essa insatisfação com o nosso sistema de justiça, talvez seja a hora de a gente discutir isso mais profundamente. Por exemplo, a gente pode discutir mandatos para novos ministros do Supremo Tribunal Federal, a postura de independência do Senado em relação ao judiciário e igualmente em relação às nomeações do Presidente da República. Eu volto a defender, acho importante, a gente tem que acabar com o foro privilegiado, isso é um mal para o país, é um privilégio que não se justifica para a classe política e seria salutar, saudável para a relação entre os três poderes que isso acabasse. A gente tem que voltar a discutir a prisão em segunda instância. São temas que afetam a vida do cidadão em geral, não é só a corrupção não. A gente sabe o que tem de impunidade nesse país em relação a crimes praticados por pessoas poderosas que, às vezes, por ter condições de sustentar uma demanda judicial por anos, acabam não sendo responsabilizadas por crimes que cometem, ou muitas vezes até por questões cíveis, deixam de pagar suas dívidas e conseguem se valer da justiça para se proteger contra a aplicação da Lei. Então veja que tem muito a ser construído e essa insatisfação das pessoas nas ruas, esse movimento deveria ser interpretado num sentido para o mundo político como “olha, precisamos fazer algo para que a política sirva para melhorar a vida das pessoas”, para dar uma resposta para essas pessoas. Acho que esse é um ponto importante.            

Joc: Com relação a essas vagas do Supremo Tribunal Federal (STF) que serão indicadas pelo presidente eleito Lula (PT), o senhor acredita que essas vagas virão de onde? Da ala política? Da área técnica?

Moro: Eu acho que os sinais do governo que foi eleito não são muito positivos. Esse gabinete de transição inchado, com vários nomes políticos. A gente não tem visto muita preocupação na indicação de um corpo técnico para os ministérios, então eu tenho as minhas dúvidas. Mas vamos esperar para ver quem serão os indicados para que nós possamos nos posicionar. Tem nomes bons que foram indicados nos governos petistas. Eu vou destacar aqui o Luiz Fux, por exemplo. Um grande nome, é um grande ministro do Supremo Tribunal Federal e tem mantido uma postura de independência, então pode ser que isso aconteça. O ministro Joaquim Barbosa, que conduziu o Mensalão, soube trabalhar com independência, também foi indicado pelo Lula. Então é possível que sejam indicados bons nomes. Os primeiros sinais, no entanto, que a gente vê neste futuro governo, com o aumento de ministérios inclusive, não é um sinal muito positivo.

Joc: O Conselho de Justiça Federal restabeleceu para magistrados no poder judicial um benefício salarial que estava extinto há 16 anos. Conhecido como quinquênio, o aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos voltará a cair nos contracheques de quem ingressou na carreira até 2006. Qual a sua visão sobre isso, agora como senador?

Moro: Olha, eu não sou mais juiz, eu desconheço os fundamentos específicos dessa decisão relativa aos vencimentos da magistratura. A gente tem que respeitar os magistrados, os magistrados evidentemente tem que ter uma remuneração compatível com a responsabilidade das funções, e a gente tem que analisar essas questões com bastante cuidado. O ideal, claro, é que toda questão remuneratória passe por uma decisão clara do legislativo, mas eu confesso que não conheço os detalhes dessa decisão do Conselho da Justiça Federal para poder emitir uma opinião crítica. Eu saí da magistratura em 2018, segui esse outro caminho do Ministério da Justiça e agora para o Senado e eu não quero emitir uma opinião sem ter as informações detalhadas.

Joc: O senhor já teve um contato pós-eleição com o governador Ratinho Júnior (PSD)?

Moro: Sim, eu tenho uma relação cordial com o governador Ratinho Júnior. Ele, na verdade, durante a campanha acabou apoiando outro candidato que é o Paulo Martins, embora a gente fizesse parte da coligação, mas isso foi na época conversado e ele indicou porque ele faria isso. A política tem que se olhar para frente. Eu acho que é importante a gente construir políticas públicas importantes aqui para o Paraná. Claro que a minha atuação é no Senado Federal, mas a gente está atento a tudo que acontece aqui no Paraná. Então eu tenho uma boa relação, é uma relação cordial, acho que tem muitos pontos de convergência embora eu não esteja exatamente no time, na equipe de governo do governador. Mas o que a gente puder contribuir para o governo do estado que reflita no benefício do paranaense, nós estaremos assim agindo. Eu sou oposição ao governo Lula, não sou oposição ao governo Ratinho, mas nós temos uma postura de independência.

Joc: Qual seu recado para a população de União da Vitória?

Moro: Eu agradeço mais uma vez toda a votação que a gente teve aqui em União da Vitória. Quero mandar um abraço para o Santin Roveda que foi nosso apoiador aqui na região, e reitero, honrarei cada voto. Podem esperar de mim um senador presente, atuante, após 02 de fevereiro principalmente que a gente assume o nosso mandato.

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