Brasil vivencia seu próprio ‘Capitólio’ com atos antidemocráticos em Brasília

Vidros quebrados, móveis jogados ao relento, equipamentos roubados, obras de arte e peças históricas destruídas. Essa descrição busca, mesmo que superficialmente, mostrar o caos gerado em Brasília após vândalos depredarem os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), todos localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Brasil vivencia seu próprio 'Capitólio' com atos antidemocráticos em Brasília

Foto: Agência Brasil

Os criminosos agiram no domingo, 08, uma semana após Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse como Presidente. Os participantes dos atos antidemocráticos, insatisfeitos com o resultado das urnas, tentaram, à força, promover um golpe de estado. A expectativa dos participantes da balbúrdia era de que, com tamanha confusão, as Forças Armadas entrassem em ação e, por demanda dos golpistas, tomassem o poder. O que não aconteceu.

A selvageria foi premeditada. Nas redes sociais, organizadores utilizaram o termo “Festa da Selma” para marcar a data e local do crime. O código também era usado para informar as cidades que serviriam de ponto de encontro para excursões com destino a Brasília. No sábado, 07, cerca de 100 ônibus chegaram à capital federal, levando pouco menos de quatro mil pessoas ao acampamento que havia se formado em frente ao QG do Exército logo após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de outubro.

Por volta das 17h do dia 08, o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB) pediu a exoneração do Secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, que havia assumido o cargo no dia 02 e viajado aos Estados Unidos na mesma semana, em férias. Torres já havia sido Secretário de Segurança Pública do DF, mas abandonou o posto para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. Com a mudança da presidência, foi reconduzido ao posto estadual pelo governador Ibaneis.

No início da noite de domingo, Lula determinou intervenção federal em Brasília até o dia 31 de janeiro, “com objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública”. Em declaração, o presidente chamou os participantes dos atos de vândalos, e apontou possível falta de segurança na capital federal. Lula disse, ainda, que “todas as pessoas que fizeram isso serão encontradas e serão punidas. Eles vão perceber que a democracia garante o direito de liberdade, garante o direito de livre comunicação, de livre expressão, mas ela também exige que as pessoas respeitem as instituições que foram criadas para fortalecer a democracia”. Ricardo Cappelli foi indicado como interventor durante o período de vigência da intervenção, que foi aprovada pelos deputados federais na segunda-feira, 09, e senadores na terça-feira, 10.

Durante a noite, cerca de 300 pessoas foram presas por participarem dos atos antidemocráticos. Outras centenas foram reconduzidas ao acampamento, que permaneceu cercado durante a madrugada. Já nos primeiros minutos de segunda-feira, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou o afastamento, por 90 dias, do governador Ibaneis Rocha, além do desmanche de acampamentos em frente a quartéis em todo o país, liberação de ruas e prédios que estivessem tomados por manifestantes, apreensão de ônibus que tenham sido identificados como transporte para os vândalos e a identificação dos criminosos.

Diversos líderes globais repudiaram os atos realizados em Brasília, comparados por muitos com a Invasão do Capitólio, em 06 de janeiro de 2021, nos Estados Unidos. O presidente americano, Joe Biden, inclusive, participou de uma conversa por telefone com o presidente Lula. Ambos marcaram uma visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos para fevereiro.


Os dias seguintes

Logo pela manhã de segunda-feira, 09, 1.843 manifestantes que estavam acampados em Brasília foram presos em flagrante e transferidos para a Academia Nacional de Polícia Federal (ANP) em Brasília, onde ficaram detidos para serem fixados e identificados pela Polícia Federal (PF). Após colher depoimentos durante três dias, na quarta-feira, 11, a última leva de vândalos foi levada ao presídio da Papuda, no caso dos homens, e da Colmeia, no caso das mulheres. Até aquele momento, 1.159 pessoas haviam sido encaminhadas ao sistema prisional, e outras 684 – entre elas mulheres com crianças pequenas e idosos com comorbidades – liberadas por questões humanitárias. Os detidos assinaram um termo dizendo estar cientes de que estavam sendo acusados de seis crimes: terrorismo, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, incitação à violência, ameaça e dano ao patrimônio público.

Segundo informações do portal Nexo, a maioria dos suspeitos que foram detidos são homens. A média de idade entre os homens presos é de 44 anos, enquanto que entre as mulheres sobe para 48; 55,7% possuem mais de 45 anos.

Nas redes sociais, os detidos fizeram filmagens para reclamar das instalações da ANP, dizendo estarem em condições subumanas. Muitos chegaram, inclusive, a comparar sua situação à vivida em campos de concentração nazistas, lugar em que pessoas eram submetidas a trabalho escravo, recebiam pouca comida, eram torturadas e, na maioria dos casos, eram executadas após um período. Uma comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entretanto, vistoriou o ginásio em questão e atestou que os detidos estavam recebendo três refeições por dia, água potável, acesso a banheiros e atendimento médico. Em uma fala, Alexandre de Moraes destacou que os detentos estavam presos, e não em uma colônia de férias. “O poder judiciário, o Supremo Tribunal Federal, e tenho absoluta certeza, com apoio, dentro da legalidade, dentro da constituição da Polícia Federal, as instituições irão punir todos os responsáveis. Todos aqueles que praticaram os atos, aqueles que planejaram os atos, aqueles que financiaram os atos e aqueles que incentivaram, por ação ou omissão, porque a democracia irá prevalecer”, comentou.

Detentos e apoiadores dos vândalos também usaram as redes sociais para informar sobre possíveis mortes ocorridas na ANP. Imagens da suposta vítima inclusive circularam grupos de WhatsApp e Telegram. Mas tudo não passava de uma fake news. Nenhum óbito foi registrado no local.

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Ainda na segunda-feira, 09, o presidente Lula se reuniu com os 27 governadores ou vice-governadores dos estados brasileiros, além de ministros do STF, ministros de governo, com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e com o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo, para discutir as ações a serem tomadas e pedir unidade entre os entes da federação para combater atos golpistas. No final da reunião, os participantes realizaram uma caminhada para vistoria dos danos causados pelos vândalos.

Na terça-feira, 10, o ministro Alexandre de Moraes acolheu o pedido de prisão de Anderson Torres feito pela Polícia Militar. A decisão foi acatada, por 9 votos a 2, pelos ministros do STF, bem como o afastamento do governador Ibaneis Rocha por 90 dias. O ex-secretário ainda se encontra nos Estados Unidos, mas informou que irá se entregar à Justiça.


Contabilizando os prejuízos

Após o domingo, coube aos especialistas calcular o tamanho do prejuízo causado pelos vândalos. Ainda não há números precisos, mas dados preliminares dão conta de, no mínimo, R$7 milhões no congresso e R$ 9 milhões apenas em obras de arte que estavam expostas no Palácio do Planalto.

Entre as obras de arte expostas nas sedes dos três poderes e que foram depredadas ou completamente destruídas então o quadro Mulatas, avaliado em R$ 8 milhões, pintado por Di Cavalcanti, precursor do modernismo brasileiro; a escultura O Flautista, de Bruno Giorgi, avaliada em R$ 250 mil; escultura Galhos e Sombras, de Frans Krajcberg, avaliada em R$ 300 mil; o Relógio de Balthazar Martinot, um presente dado pela Corte Francesa a Dom João 6º, e que possui valor inestimável por ser uma peça rara, além dos próprios prédios, visto que a Praça dos Três Poderes é tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

 

E quem pagará a conta da destruição? A Advocacia-Geral da União (AGU) criará uma força-tarefa para cobrar indenizações dos que forem considerados responsáveis pela invasão e depredação. Contudo, enquanto nenhuma indenização for, de fato, aplicada, os poderes poderão, até mesmo, usar de dispensa de licitação para reparar os danos causados pelos vândalos. Sendo assim, a verba sairá dos cofres públicos, mantidos pelos contribuintes brasileiros.

 

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