Cachorrinha Léia e cabo David Canever, de Porto União, participam de buscas em Petrópolis

A forte chuva que causou alagamentos e deslizamentos em Petrópolis, no Rio de Janeiro, completou um mês na terça-feira, 15. O desastre deixou 233 mortos. Cerca de 600 pessoas seguem desabrigadas e quatro vítimas ainda não foram localizadas. A mais forte chuva registrada na cidade desde 1932 gerou comoção em todo o país e mobilizou Bombeiros de todas as regiões. Porto União não ficou de fora.

O ditado popular diz que o cachorro é o melhor amigo do homem. Seguindo esse preceito, podemos dizer que a cachorrinha Léia é uma das grandes parceiras do cabo David Canever, do Corpo de Bombeiros de Porto União, pertencente ao 9º Batalhão de Bombeiros Militar de Canoinhas. Ambos estiveram em Petrópolis auxiliando nas buscas de corpos e vítimas.

Cachorrinha Léia e cabo David Canever, de Porto União, participam de buscas em Petrópolis

Cabo David Canever e Léia. Foto: Ronaldo Mochnacz

David relata que Léia e ele atuaram na chamada zona quente, ou seja, o local mais prejudicado pelo deslizamento. Segundo o cabo, era difícil de compreender a cena que viam, por conta da grande movimentação de terra, a quantidade de lama e os detritos dos prédios que vieram abaixo devido aos deslizamentos. O cabo e a cachorrinha passaram cerca de uma semana na região de Petrópolis e Itaipava, onde também houveram alagamentos. Os trabalhos da dupla se concentraram, também, no Morro da Oficina, considerada a principal área de deslizamento do acidente. “[A maior] dificuldade foi o local, a cena, a questão do morro, a inclinação, a quantidade de destroços e detritos e o número de vítimas que foram reclamadas pelos familiares. No início das buscas ali muitas vítimas eram localizadas, vários restos mortais, enfim”.

“Nós fomos em seis binômios, mais dois auxiliares. Nós operamos na área Alfa 1, que foi a área mais prejudicada do local. Foi no pé do morro, onde tinha muito material depositado. Ficou em torno de seis, oito metros de material depositado então encontramos vítimas abaixo de seis metros de material. Foi uma área muito difícil para trabalhar. Nós trabalhamos em conjunto. Passava um cão, o cão indicava um local, nós chamávamos mais um cão para trabalhar e indicar o local, verificar se ele confirmava a posição da vítima ali, para daí sim vir com a mão de obra para retirada, extração de materiais ou uso das máquinas também para conseguir retirar material para acessar as vítimas”, completa David.

Atuação dos Bombeiros catarinenses em Petrópolis. Foto: assessoria

Durante a missão, David e Léia ficaram hospedados em um hotel em Itaipava, cidade que fica a cerca de 45 minutos de distância de Petrópolis. O local de repouso foi escolhido para proporcionar a Léia e aos outros cães envolvidos na operação o conforto necessário para que pudessem desempenhar bem seu papel. “Eles precisavam ter um local mais tranquilo e mais agradável para descansar bem, no curto período que descansavam”, explica.

A rotina da dupla tinha início por volta de 4h30 da manhã. Logo ao acordar, David soltava Léia para que ela pudesse fazer suas necessidades. Após, a cachorrinha era alimentada e logo a equipe se deslocava até as zonas quentes. Ao finalizar o dia de buscas, a equipe se alimentava no posto de comando e voltava para o hotel, chegando ao local de repouso por volta de 22h. “Eu fazia toda a manutenção do cão. Lavava, dava banho, secava, dava alimentação e fazia uma inspeção visual no cão para saber se estava bem de saúde. Nós tínhamos veterinários à disposição no local que sempre estavam dando o monitoramento e verificação da saúde dos cães, uma medicação, tudo que fosse necessário para saúde dos cães e bem-estar. Tanto que se o cão estivesse fadigado ele permanecia no hotel para recuperação para o próximo dia. Então o foco era sempre manter a saúde do cão”.

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David recorda que nos primeiros dias de trabalho o solo estava muito úmido e instável. Além disso, a operação iniciou sob fortes chuvas, o que dificultava o deslocamento e proporcionava riscos à cachorrinha. “A Léia, graças a Deus, saiu ilesa do local, não teve ferimento nem nada assim. Realmente às vezes os cães atolavam um pouco na lama, mas eles conseguem sair. Dá uma dificuldade para passar pelo local, mas eles conseguem sair tranquilo”.


Treinada para resgatar

Em casos como o de Petrópolis, os cães são utilizados por conta de seu olfato apurado, muito superior ao do ser humano. Mas não é qualquer cachorro que pode ser ajudante nessas situações. Os animais precisam, primeiramente, passar por um treinamento desde filhote para que sejam preparados para localizar restos mortais, corpos e vítimas. “Nós temos que trabalhar com material humano mesmo, então são cedidas por hospitais algumas amostras para podermos trabalhar com o cão para eles apontarem e indicarem esses restos mortais”, explica David.

O Corpo de Bombeiros de Santa Catarina é referência no uso de cães para auxílio em operações de resgate. Em grande parte devido a experiência da própria corporação durante o deslizamento do Morro do Baú e enchentes nas áreas de Itajaí e Blumenau, em 2008. “O Corpo de Bombeiros de Santa Catarina tirou muito conhecimento e focamos no estudo dessas ocorrências para atuação dos cães como da equipe com treinamento específico para deslizamento, Brec, que é em estruturas colapsadas como ali. O Morro da Piscina foi um misto, tinha estruturas colapsadas que eram das residências mais os deslizamentos das lamas. Então nós conseguimos trabalhar muito bem integrado e dentro da técnica, tanto para poupar os cães como para utilizar os serviços”.

Cachorrinha Léia e cabo David Canever, de Porto União, participam de buscas em Petrópolis

Atuação dos Bombeiros catarinenses em Petrópolis. Foto: assessoria

A operação em Petrópolis foi a primeira da carreira de Léia. Até este dia, foi necessário um longo caminho de treinamentos diários. Para auxiliar nas buscas, a cachorrinha também precisou conseguir a certificação em busca de restos mortais. Além disso, David também passou por treinamentos, entre eles o de deslizamento, realizado em 2017 na cidade de Xanxerê, em Santa Catarina. “A gente vê que valeu a pena todo esse treinamento, passar por todo esse processo, porque quando você emprega o cão numa área, numa situação daquela e o cão demonstra toda a resposta e toda expectativa que você empregou nele é bem satisfatório. Foi a primeira vez que ela participou de uma operação de grande vulto e ela foi além das expectativas. Ela superou muito bem o local, terrenos, dificuldades, a questão de trabalhar com grande número de pessoas ao redor, várias distrações pois tinha muitos animais mortos na região, a questão de vários alimentos e carne estragada que são odores que chamam a atenção do cão e ela trabalha muito bem, simplesmente ignorando todo esses odores, esses fatores, e trabalhando muito bem e muito focada no quesito ir buscar o ser humano”.

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David aponta que o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina está sempre de prontidão para prestar esse tipo de atendimento, tanto dentro quanto fora do estado, visto que os profissionais passam por certificações nacionais para aprovação dos cães. E, mesmo em meio a tragédia, o cabo destaca que situações como essa são capazes de mostrar o melhor lado do ser humano. “A gente pode dizer que, apesar de ser uma situação muito catastrófica para a população local e regional, por ser um local de pessoas humildes, a gente viu assim que o ser humano ele, apesar de todo o problema que ele passa, os moradores, os vizinhos ali, todos auxiliando nas buscas, ajudando a resgatar o que era possível, então pudemos ver um pouco do lado bom do ser humano”.


Parte da Família

Léia, da raça Labrador, ainda é jovem, e completará três anos este mês. A expectativa de atuação como cão de busca para um animal em boas condições é de trabalho até os oito ou nove anos. Como a estimativa de vida da raça gira em torno dos 15 anos, Léia terá algum tempo para curtir a aposentadoria. Quando sua carreira chegar ao fim, Léia continuará sob os cuidados do cabo David, até porque é cachorrinha já é parte da família. “Ela mora comigo lá em casa e toda vez que eu venho trabalhar ela vem trabalhar comigo. Então ela continuará comigo”.

Cachorrinha Léia e cabo David Canever, de Porto União, participam de buscas em Petrópolis

Cabo David Canever e Léia. Foto: Ronaldo Mochnacz

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