Opinião: “Caneta cheia e o mito do salvador da pátria impedem evolução política”

Opinião negativa sobre política e políticos é senso comum. Todo mundo se julga no direito de apontar o dedo e generalizar, mas será que já se parou para analisar, de maneira efetiva, onde estão os gargalos do nosso sistema político?

Como tenho me proposto a levantar questões e estimular o debate sobre temas nesta área, de novo faço a provocação; não seriam nossas regras eleitorais, que autorizam reeleição, e nossa postura, enquanto eleitores, um catalizador das decepções que se acumulam a cada eleição?

Sinalizo para duas variáveis, para avaliação do eleitor brasileiro; nossa opção majoritária pela vertente emocional, na definição do voto e nossa tendência de culto à personagem como fatores que induzem ao erro em nossas escolhas.

Somos, talvez acima da média, muito sujeitos ao apelo do marketing, onde profissionais bem-informados sabem que fazer chorar ou sorrir é muito mais produtivo que fazer pensar. Um abraço em um velhinho ou um beijo em criança se traduzem em muito mais votos que a apresentação de um plano em qualquer das áreas administrativas. Em função até do baixo nível cultural do eleitor médio, o apelo visual, que inclusive protege os candidatos de eventuais limitações, tem resultados muito superiores com imagens do que com mensagens, ainda que bem elaboradas, porque o eleitor está muito mais focado em apostar em um mito ou salvador da pátria do que em candidato com ideias e planos bem definidos.

Via de regra, as eleições trombam com eleitores loucos para definirem seus ídolos e, a maneira da paixão esportiva, brigar pelo seu candidato ainda que ele passe a campanha inteira vendendo ilusões. A porcentagem dos que avaliam propostas e currículos dos candidatos e de suas equipes é mínima e não tem potencial para interferir na disputa de votos.

Talvez já esteja passando da hora da gente entender que a chamada nova política não chegou para alterar os políticos, mas para revisar a forma como os eleitores se comportam e cobram seus escolhidos. Não é apenas folclore, mas dado estatístico; quase metade dos eleitores não se recorda do seu voto nas eleições proporcionais anteriores, demonstrando descomprometimento com a escolha, votou porque o amigo pediu ou porque a propaganda era legal, mas não houve um filtro sobre as intenções ou capacidade do selecionado. Logo, a cobrança posterior fica até sem sentido. Resumindo: a nova política precisa mudar a rotina do eleitor para, como consequência, alterar a qualidade dos eleitos.

Todavia, resta uma questão crucial: não é possível que se imagine definição de prioridades quando se está próximo de um processo eleitoral.

Sem meias palavras, esqueça o bom senso do prefeito que vai enfrentar as urnas na definição da maneira como ele vai gastar os recursos, cada vez mais escassos, para investimento, sempre torcendo para que a reforma tributária realmente produza uma maior justiça federativa, a escolha será sempre pelo mais impactante.

Por que fazer obras para reduzir danos de enchentes? Quem vai se interessar por investimentos para reduzir a defasagem de infraestrutura dos municípios? Até setores críticos, como saúde e educação, são relegados à segundo plano quando não se referem a novas construções.

Direto no ponto: o prefeito da tua cidade prefere fazer praças ou obras de drenagem urbana? Prefere um chafariz ou um ar-condicionado nas escolas? Busca financiamento para recape ou para zerar a fila de exames e consultas de especialistas?

A resposta para estes equívocos é sempre a mesma, para se reeleger é preciso impactar o cidadão, ainda que se gaste sem critérios. O grafite da praça será sempre melhor produto eleitoral que bancar mais cinco mil exames médicos, por duas razões: dificilmente o prefeito precisa de saúde pública, logo esta demanda está muito longe da sua realidade e o eleitor não passa no posto de saúde para ver solenidade de agendamento de exame, mas vai na praça para a festa de inauguração.

Talvez com um pouco de crueldade na análise, ouso dizer que com reeleição e eleitores focados de decisão emocional, a decepção com os eleitos seguirá sendo a regra.

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