Opinião: “A escalada da violência”

Houve um tempo em que o diálogo era a prioridade. Foi a resultante cultural dos anos de insanidade da segunda guerra mundial onde, apesar dos vitoriosos ocasionais, a humanidade perdeu. Lógico que paz absoluta nunca se estabeleceu, mas a ordem mundial apontava para o diálogo como solução e, de alguma forma, conflitos foram atenuados nas mesas de negociação.

Quando se lança um olhar mais profundo para as crises mais recentes, as guerras entre Israel e Palestina e a invasão da Ucrânia pela Rússia, a leitura mais evidente é que não há espaço para conciliação e a conclusão evidente é que o diálogo perdeu a batalha para a polarização.

A noção de que a política é o start para todas estas situações, nos leva a considerá-la como ponto central na compreensão dos conflitos. Exatamente nesta área, é bem perceptível que o mundo mudou para pior. A polarização é cada vez mais um instrumento de poder.

Nas análises de política nacional, por diversas vezes, alertei que a radicalização, etapa seguinte da polaridade, veio para ficar porque interessa aos principais players, reduz os campeonatos eleitorais a apenas dois times, obviamente ampliando o espaço destas duas equipes. Nossos players não inventaram estas regras, mas apenas as copiaram de inspiradores mais poderosos.

Talvez Trump, com sua tresloucada política de agressões à China, tenha dado velocidade a este jogo, mas não foi o precursor. Putin, cuja estratégia foi destruir, no sentido pleno, todos seus opositores, ganhou fôlego para aventuras expansionistas, à imagem e semelhança dos imperialistas dos primeiros quinze séculos da nossa história moderna. A China autocrática, com domínio total de pensamento e ações de seus habitantes, deixa o governo livre para quaisquer ações no âmbito externo e, felizmente, ainda o fazem escondendo as mãos. Sem me alongar, deixo a América Latina e seus trapalhões para outra análise.

Temas que deveriam concentrar as atenções da humanidade, e até produzir um efeito conciliador sobre todos os povos, são negligenciados por conta do poder absoluto que o autoritarismo impõe a muitas sociedades que, por isso, não tem forças para impor pautas e se submete aos interesses de seus tutores.

A tragédia climática cuja urgência não pode mais ser contestada nem pelos negacionistas mais resistentes, aponta sinais preocupantes agora no curto prazo. As respostas locais são apenas paliativas porque problemas globais exigem soluções amplas, urgentes e universalizadas.

Um outro problema nos acompanha de maneira periférica, porque é mais ampla nos grotões mundiais, a fome que mata ainda mais que as guerras. É triste constatar que isto só agora deve entrar na agenda dos poderosos porque um subproduto, os fluxos migratórios, batem a sua porta e apresentam faturas humanitárias que incomodam até as classes elitistas de suas sociedades.

O conflito na Palestina, fruto de ato terrorista, precisa ser tratado sem atenuantes políticos, ditados por simpatias convenientes. Existem razões sólidas para apoiarmos Israel e sua bela história de resiliência, assim como existem dezenas de razões para entendermos a saga do povo palestino. Atos de defesa de suas convicções precisam ser entendidos também como gritos de socorro ao mundo civilizado sem que isto nos leve a atenuar a insanidade dos atos terroristas do Hamas, basta que se limite as condenações a eles e não se estenda ao sofrido povo palestino.

Em uma área territorial um equivalente ao Rio de Janeiro, a Palestina tem mais de dois milhões de habitantes, metade com menos de 17 anos que somados às mulheres e idosos, reduzem a percentuais mínimos a parcela produtiva da sociedade, sobrevive com luz elétrica por apenas 12 horas por dia e depende dos vizinhos, Egito e Israel, para ter acesso logístico a qualquer item de extrema necessidade, desde combustível, energia à alimentos, e isto permite perceber a bomba relógio, em mãos israelenses que, sem nem mesmo acionar qualquer pavio, permite antever um catástrofe humanitário que remonta ao cerco de Stalingrado.

Estas variáveis de terrível apelo emocional deveria ter força para dar supremacia aos aspectos humanitários, mas o radicalismo político se impõe e exige prioridade. A direita israelense nem a esquerda representada pelo Hamas podem fazer concessões porque ao inimigo só se deseja a morte.

Não há meio termo; o nosso lado tem razão em tudo e não podemos ceder um espaço ao adversário. Quem não pensa como nós, deve ser tratado como inimigo porque será sempre um terrorista em potencial capaz de comprometer a tranquilidade de nossas famílias.

Permita-me abusar de sua boa vontade; leia de novo o parágrafo acima por duas vezes. Pense no conflito do Oriente Médio e depois na nossa disputa nacional. Pois é…

Esta é a essência do problema global. A intolerância venceu o diálogo; não basta vencer, é necessário sufocar o adversário porque ele pode destruir nossas convicções e nossas famílias. Leitura sintética, de mão dupla, que traduz a desafio que temos que enfrentar, interna e globalmente.

Não é missão fácil, deve exigir um longo tempo de reeducação, de revisão de conceitos e paradigmas, mas deve se iniciar com cada um entendendo que a principal disputa não é horizontal entre os dois polos, mas vertical em direção à uma humanidade mais racional, com mais valores humanos, com muita paz e sem fome.

Já vencemos muitos outros desafios terríveis, o bom senso precisa se impor mais uma vez.

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