Boato sobre massacre em escolas gera medo no Vale do Iguaçu

Imagine o que aconteceria se um receio seu passasse a atormentar todos ao seu redor, e que gradualmente esse medo se espalhasse e se tornasse global. Aqueles que presenciaram a virada dos anos 1999 para 2000 devem se lembrar que isso já aconteceu. O chamado Bug do Milênio afligiu o mundo durante o final do século. Havia quem acreditasse em colapso nas economias, interrupção de funcionamento de trens e aviões e, até mesmo, na explosão simultânea de todas as bombas nucleares. Todo esse temor foi causado por um problema até certo ponto real, mas contornável: a forma com que os computadores da época registravam as datas.

Desde meados da década de 60 os computadores utilizavam um formato de dois dígitos para computar o ano. Sendo assim, o medo era que, ao passar do 99 referente a 1999 para o 00 de 2000, as máquinas não compreendessem e reiniciassem a contagem, marcando 1900, ou até mesmo fossem para o futuro e passassem a registrar a data como 19100. A maioria das máquinas produzidas naquela época, contudo, já vinham com o formato de quatro dígitos. Mas o receio referente aos computadores mais antigos foi tanto que foram gastos quase 300 bilhões de dólares em todo o mundo para adequar o formato de datas dessas máquinas.

A internet já dava seus primeiros passos, e ajudou a fazer com que a preocupação fosse ainda mais disseminada. Contudo, na prática, segundo reportagem da revista Super Interessante, o Bug do Milênio causou apenas alguns poucos e isolados contratempos, como falhas em terminais de ônibus na Austrália e em equipamentos de medição de radiação no Japão, além de fazer com que alguns sites mostrassem a data 01/01/19100.

Essas situações de pânico coletivo são explicadas pela ciência. Segundo a Neuropsicanalista do Vale do Iguaçu, Carina Wahl de Almeida, notícias com conotação de ameaça e perigo servem como um gatilho de medo, o que faz com que o cérebro entre em estado de alerta. Explica, ainda, que quando não possuímos informações concretas sobre um fato, ou quando nos sentimos impotentes com relação a alguma informação, a tendência é de ficarmos ansiosos. “Notícias de ameaças como vírus Covid, massacres, tragédias naturais como desmoronamentos, ataques terroristas, podem gerar uma histeria. As pessoas podem começar a sentir sintomas físicos como hiperventilação, náuseas, dores no corpo e até desmaios. Outras agem de maneira impulsivas como se trancar em casa, comprar insumos em demasia, pular de lugares altos para fugir, sair dirigindo enlouquecidamente, outras entram em estado se crise nervosa com gritos, choros. Independente de ser fake news, a reação inicial é de medo real, portanto as pessoas podem reagir emocionalmente e instintivamente. Quando essa notícia se espalha a um número de pessoas ao mesmo tempo, seja em determinado ambiente, seja através de mídias sociais, pode haver uma histeria coletiva”.

Boato sobre massacre em escolas gera medo no Vale do Iguaçu

Carina Wahl de Almeida, neurologista. Foto: arquivo pessoal


“Ameaça” gera pânico no Vale do Iguaçu

Nesta semana, o Vale do Iguaçu presenciou uma situação semelhante de pânico coletivo. A razão foi uma suposta ameaça de massacre em escolas da região. As primeiras publicações sobre o ato surgiram na rede social de compartilhamento de vídeos Tik Tok. Nelas, dizia-se que um massacre estava sendo planejado para escolas em todo o país e deveria acontecer na segunda-feira, 25. As publicações logo foram excluídas, mas o medo já havia sido instaurado. Em União da Vitória e Porto União surgiu o boato de que o atentado aconteceria na quarta-feira, 27. Entretanto, em nenhuma das datas se registrou alguma ocorrência do gênero, nem aqui, nem em nenhuma parte do Brasil.

Porém, o receio foi tanto que o secretário de Educação de União da Vitória, Ricardo Brugnago, publicou comunicado pedindo para que, em virtude das publicações que circulavam nas redes sociais, as atenções fossem redobradas com relação à segurança nas escolas. Solicitava, também, que a qualquer sinal de risco, a Polícia Militar e a Secretaria de Educação fossem acionadas.

Em Porto União também se reforçou a segurança, mesmo com todos os sinais de que as publicações não passavam de boatos. Aldair Muncinelli, secretária de Educação do município, relata que as atenções foram redobradas para evitar que alguma pessoa má intencionada utilizasse do momento de medo nas cidades para realizar, de fato, algum atentado. “Quando vimos essas notícias todas procuramos imediatamente o comandante da Polícia Militar de Porto União, Major Paulo, que nos atendeu muitíssimo bem. Ele já havia tomado providências e isso a gente constatou ontem (quarta-feira) com as viaturas passando perto das escolas com soldados militares da polícia já nas escolas para evitar qualquer coisa. Então, o que nos preocupou, mesmo sabendo que era fake, foi que alguém pudesse usar isso para fazer alguma maldade, mas graças a Deus nós passamos um dia tranquilo”.

Aldair Muncinelli, secretária de educação de Porto União. Foto: arquivo pessoal

Alguns pais, com medo que as ameaças pudessem ser reais, optaram por não mandar seus filhos para as escolas. O fato foi confirmado por Aldair, que relatou ter observado uma diminuição no número de alunos presentes nas escolas na quarta-feira, 27.

O juiz da criança, adolescente, família e cidadania em União da Vitória, Carlos Mattioli relata que as publicações do Tik Tok tiveram origem nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e que essas foram apagadas pela própria plataforma por conta de sua política de segurança. “As pessoas começaram a denunciar e então essas publicações caíram. Porém, nesse meio tempo, as pessoas printaram e esses prints foram passados adiante. O que veio depois foram as pessoas da própria região que tomaram conhecimento desses prints do Tik Tok e começaram a escrever textos sobre, então viralizou”.

Caso identificados, os criadores dos vídeos podem responder criminalmente pelo fato. “As punições já estão previstas na legislação. Já existem leis que protegem a toda a sociedade, porque a punição criminal tem essa finalidade da proteção coletiva. Então, quem assim o faz e foi descoberto, vai responder seja pelo crime contra honra se for contra uma determinada pessoa, seja por criar uma situação de pânico. Em toda e qualquer situação que saia da normalidade que caracteriza um crime, independente de ter sido praticado em rede social ou não, a pessoa pode e vai ser processada criminalmente e pode sofrer uma sanção inclusive com privação da liberdade”, explica Mattioli.

Boato sobre massacre em escolas gera medo no Vale do Iguaçu

Carlos Mattioli, juiz da criança, adolescente, família e cidadania em União da Vitória. Foto: acervo O Comércio

Segundo o juiz, o primeiro passo em situações de ameaças é o processo de investigação por parte da Polícia Militar e Polícia Civil. “Por exemplo, quando alguém faz uma denúncia de que alguém em uma determinada escola pode estar buscando praticar uma atitude ilícita, nós [a justiça] também acompanhamos o trabalho de investigação e aguardamos encaminhamento dos casos pela Polícia para a justiça. O que nós fazemos de diferente aqui no nosso Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) é estar mais próximo da comunidade com as parcerias que nós temos com as secretarias municipais e estadual de Educação. Nós estamos à disposição para ouvir denúncias, ainda que de forma anônima, para que nós possamos auxiliar as autoridades de segurança pública na investigação de situações”.


Cuidado com as informações falsas

No caso vivenciado no Vale do Iguaçu, o fato se tratava de um boato, que cresceu e ganhou proporções maiores devido ao alto grau de compartilhamento das publicações. Essa é uma constância muito comum no caso das fake news: são chamativas e com grande possibilidade de serem passadas para frente. A professora de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus de União da Vitória, Alessandra Valério, preocupada com a propagação de desinformações, se dedicou em uma ampla pesquisa sobre o assunto. Concluída em 2021 e elaborada em conjunto com os alunos do ensino médio do IFPR, o estudo foi intitulado Multimodalidade e Letramento Crítico: capacidades de leituras necessárias para uma atuação crítica, ética e responsável nas redes sociais.

A professora relata que o objetivo do estudo foi compreender um pouco mais sobre quais capacidades de leitura precisam ser desenvolvidas para que garantam uma atuação crítica e responsável dos sujeitos leitores com relação às redes sociais. “A intenção é contribuir com a sociedade por meio de reflexões sobre o tema. As fake news são um fenômeno recente e ainda sem muitas interpretações concretizadas. A ideia para a pesquisa foi despertada após a divulgação de um estudo da Universidade de Stanford em que citou que não importa o nível de escolaridade ou renda das pessoas para a reprodução de notícias falsas”.

Os alunos do ensino médio analisaram os comportamentos nas redes sociais sobre as crenças e os procedimentos colocados em jogo ou em ação, quando as pessoas optam por compartilhar um conteúdo publicamente. Após, iniciaram a pesquisa sobre letramento digital, que se refere ao tratamento da informação, da escrita e da leitura nas redes sociais.

Alessandra Valério, professora de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Foto: arquivo pessoal

No estudo, segundo Alessandra, ficou evidente o recente crescimento de fluxo de dados na internet, o que tem trazido um problema constante para diversos países. “Estamos vivendo um fenômeno chamado surdez coletiva. Para lidar com isto, os leitores devem ficar muito atentos antes de confiarem em um título ou uma publicação”, diz.

Alessandra lembra que a intenção do estudo foi tentar entender como são construídas as fakes news e como elas se organizam discursivamente, textualmente e semioticamente. “Como foco tivemos a análise do Facebook e, no entanto, não expandimos para outras redes sociais. Percebemos que, como em toda plataforma, a intenção (neste caso do Facebook) é criar no leitor o que a gente chama de responsabilidade automática, que é um fenômeno estimulado a interagir com os conteúdos e entender sobre como estão organizadas essas notícias falsas em circulação”.

As notícias falsas, de acordo com Alessandra, geralmente são apelativas. “Nem todo o conteúdo é totalmente inverídico ou totalmente falso. Geralmente ele possui uma ancoragem factual”, afirma.

As principais características de uma fake news, segundo Alessandra, são o falso contexto, ou seja, a situação é real, porém ocorreu no passado e é colocada novamente em circulação como se tivesse acontecido no presente. Ela apresenta distorção de contexto, porém não é totalmente inverídica. Existe também a manipulação gráfica, que diz respeito a adulteração de imagens e vídeos, em especial, de uma pessoa pública.

Para Mattioli, é necessário que as pessoas façam uma filtragem das informações que recebem antes de compartilhá-las. O juiz lembra que, atualmente, a internet se tornou um espaço muito suscetível a golpes e fraudes, e que um simples compartilhamento de uma informação falsa para um amigo pode fazer com que ela ganhe grande proporção. “Devemos primeiro não repassar adiante. Procurar as autoridades, e nós aqui no Cejusc podemos ser procurados. Procurar a delegacia de Polícia, procurar a direção da escola, mas não divulgar. As pessoas, naturalmente, quando recebem [uma informação] elas naturalmente têm repassado para os conhecidos, e aí já viralizou. Se cada pessoa que recebe repassar para mais duas ou três, ainda que sejam só conhecidos, ou em um único grupo de WhatsApp sem saber de onde vem aquela informação e tudo mais está agindo como as pessoas que buscam causar tumulto criando essas publicações gostariam que fosse. A gente tem que cuidar para não seguir essa prática corriqueira e fácil de assim que receber já passar adiande. O ideal é refletir muito sobre o sentido da postagem, jogar no Google, em buscadores de internet se tem alguma notícia na sua região sobre algo parecido. Normalmente não vai ter porque são publicações montadas justamente para criar confusão, pânico e caos. Na dúvida procure as autoridades antes de repassar a informação”.

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O juiz aconselha, ainda, que se tenha cautela ao utilizar a internet e compartilhar informações falsas pois, apesar de todas as denúncias serem analisadas, o tempo de investigação pode ser demorado devido ao processo metódico exigido para que se chegue a alguma conclusão. “Muitas vezes, para identificar em qual computador ou celular surgiu a mensagem, as coisas não são tão rápidas. Então, quando as pessoas receberem uma mensagem que cause dúvida ou que cause até medo, algum temor, é importante ter a ciência de que há uma grande chance de que aquelas mensagens não tenham qualquer procedência, sejam falsas, mentirosas, as chamadas fake news. Então cuidado com o conteúdo da internet. Se nós fossemos seguir o conteúdo da internet nós teríamos dinheiro fácil, emprego fácil sem sair de casa, poderíamos ter uma vida muito mais fácil e nós sabemos como a vida é difícil, demanda trabalho contínuo, estudo, capacitação. Tudo aquilo que possa causar uma primeira impressão muito boa, como dinheiro fácil, ou muito ruim, como uma mensagem de ameaça, é preciso cautela inicial e consultar pessoas que são responsáveis”.

A jornalista, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv), Angela Maria Farah, acredita que devemos usar a empatia para convencer as pessoas a não compartilharem informações duvidosas. “Só conseguiremos combater as notícias falsas e a desinformação ampliando o acesso das pessoas à informação correta e profissional. Em primeiro plano estão os profissionais da informação e os meios de comunicação que carregam uma responsabilidade enorme para passar as informações o mais corretamente possível. Também temos os professores e os profissionais que trabalham com o conhecimento de forma geral e que podem promover uma campanha para a exclusão das notícias falsas nas redes sociais, entre outros. Temos que pedir para que não deixem as notícias falsas ficarem visíveis; devemos mostrar às pessoas que tal informação está errada e que pode prejudicar as pessoas, manipular os sentimentos e as ideologias delas, é isso que a notícia e a desinformação fazem. A educação é um caminho”, diz.

Boato sobre massacre em escolas gera medo no Vale do Iguaçu

Angela Maria Farah, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv). Foto: acervo O Comércio


Dicas para identificar Notícias Falsas*

Identificar uma notícia falsa não é uma tarefa fácil, porém, é crucial para que elas não sejam disseminadas em um fluxo de informações rápidas.

Um ponto a ser considerado e que sempre chama a atenção é o título. Focar exclusivamente nele pode tirar o contexto da matéria e até mesmo a data de sua publicação. Muitos textos utilizam clickbait, que é apenas para fisgar leitores e gerar acessos. Evite sempre este tipo de conteúdo e sempre leia o conteúdo das matérias. Ainda assim, desconfie de informações extremistas e com informações vagas.

Informações bem escritas e claras acompanham fontes e confirmam a possibilidade de aquela notícia ser verdadeira. Ao verificar sempre se uma notícia foi publicada, comprove se ela pode ser acessada em diversos veículos de alta circulação e confiabilidade. Caso você compreenda inglês, verifique também se as informações internacionais foram publicadas por grandes veículos estrangeiros de grande influência.

*Com informações do Canaltech

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