Rio Iguaçu, o amigo que acalenta e que inunda União da Vitória

No domingo, 27, União da Vitória celebra seus 132 anos. Entre tantos fatores que fizeram a pequena vila do final dos anos 1800 se tornar a cidade que hoje conhecemos, o rio Iguaçu é, sem dúvida, um dos principais. Não à toa dizem que quem bebe da água dele para cá sempre volta, afinal, de certa forma, ele corre em nossas veias.

Rio Iguaçu, o amigo que acalenta e que inunda União da Vitória

Foto: acervo Jornal O Comércio

A história de União da Vitória e do rio Iguaçu se entrelaçam com a formação do Paraná. Conta o professor de geografia e história, Paulo Sérgio Meira Rocha, que por volta de 1750 o governo paranaense percebeu a necessidade de encontrar uma rota mais curta entre a capital, Curitiba, e a região das missões. Foi quando, após várias tentativas de encontrar a melhor rota, Antônio Siqueira Peixoto desceu o rio Iguaçu chegando até as corredeiras de Porto Vitória, onde foi instalada a vila Nossa Senhora das Vitórias. “Com isso encontrou os campos de Palmas e verificou que lá é um local muito propício para criação de gado, porcos e algo do gênero. Mas, com o passar do tempo, essas criações precisavam chegar até Sorocaba, São Paulo, e ter o seu destino final”, comenta.

Com a necessidade de transportar a produção de animais, o comandante Antônio Siqueira Cortês, em 1842, comandou uma expedição que encontrou um caminho raso no Rio Iguaçu, o que permitiu que a tropa atravessasse o majestoso rio. O vau se tornou, então, uma rota comum e, perto dele, começou a surgir a vila que, anos mais tarde, se tornaria União da Vitória. “Esse vau do Iguaçu, era um local bem raso, onde as tropas durante muitos e muitos anos puderam cruzar. Aí a população precisava cuidar dessas tropas, ter comida, alojamento e assim começa a nascer [a vila]. Prudente de Brito foi um desses que montou o primeiro armazém da época e as embarcações que vinham de Curitiba até, no caso, Nossa Senhora da Vitória, hoje Porto Vitória, começaram também a parar aqui. Então olha só, nós tínhamos aqui um cruzamento dos tropeiros indo para Sorocaba e tínhamos também a navegação subindo o rio e descendo o rio o tempo todo, fazendo com que cada vez mais pessoas viessem aqui para essa localidade”, relata o professor.

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Foi em 1890 que o governo paranaense resolveu enviar para cá alguém para comandar a vila, que passou a ser independente da cidade de Palmas. Chega, então, o Coronel Amazonas Marcondes, o primeiro prefeito da agora cidade de União da Vitória. Nos anos subsequentes, grande parte da região pertencia à cidade criada às margens do Iguaçu. A situação mudou, entretanto, com a Guerra do Contestado que, com seu fim em 1916, mudou os mapas.

Por volta de 1920, é realizado o primeiro censo demográfico na cidade, constatando que a população já girava em torno de 10 mil habitantes. “A navegação no Rio Iguaçu, que foi também fomentada, patrocinada pelo coronel Amazonas Marcondes, durou 72 anos. Também, na cruzada do século e início do século passado, nós tivemos aí um grande evento que foi a chegada também das ferrovias. E a ferrovia cruza na verdade por aqui onde foi construído a ponte que inclusive uma enchente em 1904 a leva, porque ela era de madeira, e logo depois, em tempo muito rápido e hábil construíram a ponte de ferro como ela está hoje, com algumas modificações é claro com o passar do tempo” aponta Paulo.

Para o professor, o rio Iguaçu foi fonte de vida para a população que deu início à União da Vitória. “Além do peixe que naquela época alimentava a população que por aqui passava, tinha água para beber. Até hoje nós bebemos água do rio Iguaçu. Havia também a facilidade da navegação para chegar até a capital Curitiba, principalmente naquela época. Então veja, o rio na verdade é a vida de União da Vitória”.


A formação do Rio e as enchentes

Apesar de crucial para a existência de União da Vitória, de tempos em tempos a população precisa lidar com as consequências de existir tão próximo ao rio. Explica Paulo que o Rio Iguaçu nasce na Serra do Mar em Guaraqueçaba e que, nesta localidade, recebe o nome de Iraizinho. Conforme se aproxima da capital, vai ganhando corpo e passa a ser chamado de Iraí. A partir de Curitiba, passa a ser denominado Iguaçu, percorrendo, até sua foz, mais de 1.200 km. “Ele vai serpenteando, na verdade, cruzando o Paraná no sentido leste a oeste. E é interessante que em Curitiba, onde ele nasce, ele está a uma altitude aproximadamente de 900m com relação ao nível do mar. Aqui em União da Vitória, quando cruza a serra conhecida como Serra da Esperança, ele está a aproximadamente 740m com relação ao nível do mar. Ou seja, apenas uma diferença de 160m de onde ele nasce até chegar aqui. E nisso, matematicamente falando, vai dar um desnível de apenas um centímetro para cada 100m, ou seja, antes dele cruzar a serra realmente ele é muito lento, muito vagaroso ele é uma planície praticamente”.

Rio Iguaçu, o amigo que acalenta e que inunda União da Vitória

Paulo Sérgio Meira Rocha, professor de geografia e de história. Foto: Jornal O Comércio

Chegando em União da Vitória, o rio Iguaçu forma uma espécie de gargalo que acaba represando a água, que precisa fazer força para passar pelas corredeiras de Porto Vitória. “Infelizmente, aí, surgem as enchentes. Nós, é claro, a nossa história dá conta disso, nós estamos nas barrancas do rio e nós devemos, é claro, conviver com as enchentes, conviver bem com o Iguaçu como fizemos até hoje”, indica o professor.

Uma enchente, inclusive, foi o motivo de Paulo ter se mudado para União da Vitória e começado a estudar o rio. “Foi o motivo de eu ter vindo para cá na enchente de 1983 e nunca mais voltei. A cidade me abraçou, o povo me abraçou, e esse amor para a população de União da Vitória com a cidade, com o rio Iguaçu me fascinou, me causou esse fascínio. E que durante muitos e muitos anos eu comecei fazer uma pesquisa sobre o que estava acontecendo, o que acontece e fez com que depois de 15 anos de estudo e pesquisa culminasse em um livro que conta a saga das cheias e do que esse povo vive quando este evento ocorre”.

Segundo Paulo, a média do rio Iguaçu aqui em União da Vitória é de 2,5m. Para se considerar que há uma enchente, o nível medido nas réguas sob a Ponte de Ferro deve ser de 4,89m. Em 1983, foi registrada a maior enchente da história do município, com o Iguaçu chegando a 10,42m. Foi em 83, também, que a instituição SEC Corpreri, hoje administrada pelo professor Dago Woehl, foi fundada como forma de auxiliar a população nas épocas de cheia. “É um grupo muito forte, muito grande que trabalha em prol da população nas enchentes de União da Vitória, fazendo com que tenhamos uma relação com esse rio mais tranquila. Estamos aí até hoje trabalhando em prol a fazer com que as pessoas se conscientizem de que essas enchentes existiram e sempre existirão justamente devido a essas características que nós acabamos traçando sobre o Rio Iguaçu desde a sua nascente até sua foz e principalmente caracterizado por União da Vitória estar aqui no sopé da Serra da Esperança, na transição do segundo para o terceiro Planalto Paranaense, nas barrancas do rio Iguaçu, onde forma esse gargalo em que o rio tem que serpentear para cruzar a serra e transpor as corredeiras de Porto Vitória para seguir seu caminho”, reforça.

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Atualmente, o rio Iguaçu já não é mais utilizado como rota comercial, tendo sido substituído pelas rodovias, mas ele ainda faz parte da vida dos união-vitorienses. “União da Vitória hoje completando vários anos de idade, majestosa às margens desse grandioso Iguaçu, sempre servindo dele principalmente para água para todos nossos munícipes, para o lazer também, para descanso, para contemplação. E esse rio hoje ele tá ele tá incrustado na verdade nas veias de cada união-vitoriense que aqui nasce no berço chamado vau do Iguaçu”, completa Paulo.

*Essa matéria está também disponível em áudio na CBN Vale do Iguaçu.

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