Uma doce infância

Momentos atuais, de incerteza e insegurança, tais as calamidades e discordias geradas no mundo perturbam nossa memória, empobrecendo nossa inspiração para abordarmos fatos recentes.

Assim é um lenitivo falarmos daquilo que traz boas lembranças e promove saudades.

Ah saudade! Saudade de tempos que, quando lembrados, fazem doer o coração.

Mas que tudo se acalma nas felizes recordações de uma doce infância.

Das tantas alegrias nas brincadeiras, nos encontros, de quando a família estava completa, amigos ainda por perto e a dor da perda não existia…

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Brincar na rua de jogar peteca de palha com penas de galinha, pular cordas duplas e amarelinha com latas de graxa Nugget ou Pomada Minancora…

Fazer cirandas com as cantilenas que ainda correm no tempo…

Usar o guindaste da ferrovia, estacionado ao lado do deposito das locomotivas, para fazer acrobacias de circo…

Lembrar de uma boa vizinha, dona Helena, mais conhecida por Nuna, que fazia pastéis de banana e servia com um capilé, deixando a boca bem vermelha…

Dos aniversários na casa da família Marconcin, quando Cecilia, a dona da casa, fazia um doce de leite com gemada, colocava nas grossas cascas de laranja azeda para comer de colher…

Dos mandolates comprados no armazém de Alberto Becker, enrolados em papel manteiga e, se não tão gostoso, trazia um anelzinho de arame dourado, com pedrinha colorida pendurado na ponta…

Dos passeios com mamãe, minha irmã, eu e mais uma tia e primas, na temporada de frutas, até o bairro Tocos na chácara de dona Clementina, para colher caquis café e coração de boi…

Próximo ao dia de São João um passeio pelas linhas do trem, ora saltando dormentes, ora se equilibrando nos trilhos, até o Rio da Areia na casa de dona Libra…

Casa no alto de um vasto terreno, dividido por uma cerca para o pinheiral, a estrebaria do gado leiteiro e a baia dos cavalos de montaria e carroça… Impossível esquecer as pinhas abertas no gramado e recolher os frutos para uma boa sapecada. Era um passeio que terminava sempre num café com manteiga caseira, nata e pão fresquinho…

Dia 23 de junho, os preparativos para a fogueira de São João, que era um trabalho da criançada. A turma se revezava trazendo a lenha, pau e pau, das inúmeras pilhas arrumadas ao longo da linha em Porto União… Alegria era ver a fogueira acesa. E alegria maior quando um adulto chegava trazendo foguetes e busca-pés…

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O foguete que aceso e coberto por uma bacia velha ou uma lata de cera Parquetina mandava para o alto a “cobertura” enquanto o busca-pé ziguezagueando procurava seu “destino”. Era um verdadeiro rebuliço com gritos e pulos do salve-se quem puder…

Inesquecíveis são as viagens de trem para visitar a Nona e familiares de mamãe. Pular da cama na madrugada, ainda no escuro de um inverno ranzinza e com garoa. Fazer o percurso a pé até a estação União, carregando malas, sombrinhas e um farnel de frango assado com farofa. Tudo isso causava um mau humor, só dissipado quando descíamos no horário do café, para saborear os bolinhos de dona Benvinda… Depois uma viagem que começara às 6h e terminaria às 22h. Ao sinal de um apito o maquinista avisava estarmos logo passando num túnel e a luz do vagão seria acesa… Aí a fome apertava e o farnel de frango, coisa não grata até então, entrava em cena… Vez por outra podíamos comprar a maçã argentina, de aroma incomparável que ficava no ar até o estafeta deixar o vagão…

Tudo isso faz o tempo feliz da nossa infância. Assim como eu, você leitor que me acompanhou até aqui, deve ter suas lembranças. Um tempo desconhecido de alguns, fatos relembrados por outros, mas que juntos, pontilham as histórias da comunidade.

Enquanto esperamos por um mundo sem ganância por um pedaço de terra, sem ataques violentos, com pessoas carregando crianças e malas para fugir do sofrimento, voltamos a nossa vida com fé e esperança por melhores dias.

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