União da Vitória, uma cidade de lendas

Uma serpente gigante no rio Iguaçu, uma casa famosa que não é atingida por enchentes, um demônio que aparece em uma festa e um estádio amaldiçoado. Apesar de distintos, todos esses “fatos” têm algo em comum: fazem parte das lendas do folclore de União da Vitória. São histórias contadas de geração em geração, e que permanecem vivas por muitos anos. Muitas vezes se entrelaçam com a história da comunidade em que surgiram, dessa forma podendo, até mesmo, passar a fazer parte da cultura popular.

Suéli Taiane Vicentin é professora da rede municipal de Educação de União da Vitória e mestranda em educação básica. Sua dissertação aborda, justamente, as lendas do Vale do Iguaçu. Em comemoração aos 132 anos de União da Vitória, conversou com a reportagem para contar algumas das lendas mais populares da cidade. “Eu acho que se faz necessário a catalogação, o registro dessas lendas para que as nossas crianças conheçam a nossa história porque, geralmente, o folclore é passado de geração para geração através da oralidade. Os mais velhos contam para os mais novos e se a gente não fizer o registro disso, isso pode se perder. É algo tão rico, tão valioso, que a gente precisa garantir a perpetuação dessas lendas”, explica. A seguir, reproduzimos algumas das lendas que marcam o imaginário da população de União da Vitória e Porto União.

União da Vitória, uma cidade de lendas

Suéli Taiane Vicentin, mestranda em educação básica. Foto: Ronaldo Mochnacz


Lendas envolvendo o Coronel Amazonas

Conta a lenda que a época era de guerra por conta dos conflitos do Contestado. Foi nesse período que o profeta São João Maria passou pela região do Vale do Iguaçu, sofrendo perseguições, mas encontrando na família do Coronel Amazonas Marcondes um ombro amigo. Como retribuição à hospitalidade, São João Maria abençoou a casa que até hoje está presente no distrito de São Cristóvão. Seria esse o motivo de a casa, mesmo estando na rota de enchentes, não ter sido atingida pela grande cheia de 1983.

O mausoléu em que foram sepultados os membros da família também possui crenças em seu entorno. Segundo a lenda, o mausoléu situado no cemitério municipal de União da Vitória possui em uma de suas paredes a imagem de um anjo tocando uma trombeta. Quando o último remanescente da família morrer, o anjo criará vida e tocará a trombeta, o que despertará as águas do rio Iguaçu, que inundarão completamente as cidades.

Perguntada sobre quantos membros da família ainda estão vivos, a professora é categórica. “Fica para a população descobrir e já fazer suas projeções (risos)”.


A serpente no Iguaçu

Uma das lendas mais famosas da cidade é a da serpente que estaria adormecida no leito do rio Iguaçu. Muito popular entre as crianças, diz a crença popular que, para que a cobra gigante que dorme com a cabeça voltada para o Morro do Cristo e o rabo para o Morro da Cruz permaneça em seu descanso foi necessário construir a cruz que hoje está presente em um dos morros mais altos de Porto União. Por essa razão, é de imprescindível importância manter a cruz sempre intacta. Do contrário, a serpente despertará, baterá com a calda em sua cabeça, e inundará completamente o Vale do Iguaçu.


Um estádio amaldiçoado

Nem mesmo o estádio municipal Antiocho Pereira escapa das lendas. A crença diz que no terreno em que o estádio foi construído vivia uma senhora, que foi obrigada a deixar sua casa para que as obras pudessem seguir. Descontente, a mulher lançou uma maldição sobre o estádio e times que nele jogarem: nunca serão campeões a menos que todos os jogadores entrem em campo utilizando uma fita vermelha amarrada no braço direito. “Então não sei se os jogadores do Iguaçu já fizeram isso, se é por isso que nós não chegamos na primeira divisão, mas dizem que tem essa maldição ali no estádio por causa da desocupação dessa terra”, comenta Suéli.

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A passagem do vau

Mais uma história ligada ao rio Iguaçu, desta vez ao vau por onde os tropeiros costumavam atravessar o majestoso. Conta-se que durante uma noite de tempestade, muitos homens foram pegos de surpresa pelas águas turbulentas e acabaram se afogando no local. Seus corpos nunca foram encontrados. Junto com os Tropeiros, afundaram também as cargas que traziam, entre elas bolsas contendo ouro. Segundo a lenda, até hoje, em dias de tempestade, os moradores do bairro Navegantes conseguem ouvir – e ver – esses homens que perderam a vida tantos anos atrás tentando sair do rio.


O diabo do Clube Floresta

Conta a lenda que o fato relatado a seguir aconteceu em uma noite de sexta-feira durante a quaresma, um período de 40 dias considerado por católicos como uma época de reflexão e de penitência. No Clube Floresta, em São Cristóvão, as pessoas começaram a chegar para uma noite animada de baile.

O local era um ponto tradicional para o encontro de jovens em busca de diversão e de paquera. Na noite em questão o clube estava cheio. Era um dia frio, nublado e sem a luz do luar. Já após algumas horas de festa, um belo rapaz, desconhecido dos demais participantes da festa, chega ao clube trajando um sobretudo preto, combinando com o resto de suas vestes.

Loiro e de olhos azuis, o moço de feições tranquilas e charmosas logo encontrou sua primeira companheira de dança. As mulheres, impressionadas com o rapaz, faziam fila para com ele dançar. A cada nova música, uma nova parceira encontrava os braços do forasteiro. Foi em sua sétima dança, entretanto, que o homem encontrou sua parceira perfeita.

Empolgado, o casal rodopiava pelo salão. A jovem, feliz por ser detentora única da atenção do belo homem, começa a acariciar as costas do parceiro. Neste momento, o relógio no pulso do rapaz aponta que a meia-noite já havia chegado. Ao mesmo tempo, a mulher sente algo estranho próximo a cintura do jovem. Ao ver do que se tratava, ficou espantada: era uma rabo.

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Assustada, a mulher começa a gritar e a atrair a atenção dos demais presentes. Não demorou muito para que o público percebesse, também, que os pés do homem haviam dado lugar a cascos de cavalo. Neste momento a confusão foi instaurada e todos os presentes só conseguiam pensar em uma justificativa: o diabo havia invadido a festa.

Percebendo que os outros homens presentes começaram a cercá-lo, o rapaz – ou diabo – correu em direção à saída, mas foi impedido de deixar o clube. Enfurecido, começou a chutar a porta que havia sido trancada e conseguiu destruí-la, encontrando o caminho livre para fugir, deixando para trás, apenas, as marcas de seu casco no chão. A confirmação de que o jovem era, de fato, um demônio, nunca veio, mas parte da população afirma, até hoje, que durante a quaresma o rapaz pode ser avistado nos arredores do prédio.


Mantendo as lendas vivas

Suéli relata que, em sua pesquisa, as lendas mais lembradas foram a da casa do Coronel Amazonas, a da serpente do Iguaçu e a do Diabo do Clube Floresta, mas cita também outras lendas de fatos que teriam acontecido em Porto União, como a do pocinho de São João Maria, em que o monge teria batido com seu cajado em uma região árida e feito brotar a fonte de água.

Para a professora, passar essas lendas para frente é importante para manter a cultura da região viva. “Precisamos contar para as nossas crianças. O nosso folclore é tão rico, é tão bonito. Isso faz parte da nossa cultura, faz parte da identidade cultural. Então que nós possamos contar essas histórias. Eu até convido a população mais velha que conhecem essas lendas que façam uma roda de conversa com essas crianças e que contem para a gente garantir a perpetuação dessa nossa riqueza cultural”.

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