O caso “Choquei”: é falso que internet seja terra sem lei

O perfil de fofocas “Choquei” está às voltas com uma imensa polêmica. Segundo noticiado, publicou uma conversa falsa entre um influenciador famoso e uma garota que, lamentavelmente, deu fim à própria vida, em razão da repercussão do inverídico flerte.

Em nota, o perfil disse ter agido com regularidade e em nome da liberdade de expressão. Em postagens, membros do governo, dentre os quais o tuiteiro André Janones e o ministro Silvio Almeida, disseram que a ausência de regulação das plataformas leva à impunidade. Foi o bastante para os entusiastas do PL2630/20 advogarem ressuscitá-lo.

Acontece que estão todos redondamente enganados. Divulgar fake news não está coberto pela liberdade de expressão e não gera impunidade.

Fake news não é crime, não existe o crime de “fake news”, mas isso não quer dizer que quem as propaga esteja livre. Ora, também não existe o crime de “bater em Papai Noel de shopping center no Natal”, e não é por isso que seja lícito fazê-lo. A legislação abstrata se adapta ao fato concreto para resolver o caso. Raciocínio básico que todo primeiro-anista de Direito é capaz de fazer.

O crime de difamação, por exemplo, previsto no artigo 139 do Código Penal, penaliza quem divulga conteúdo falso, desacreditando publicamente seu alvo. Pouco importa se cometido na internet ou fora dela, o crime existe e a punição a seus responsáveis é plenamente possível. Não apenas na esfera criminal, mas também na cível. A família da menina e o influenciador podem requerer reparação moral de todos que publicaram e compartilharam a mentira.

Tem mais. Se constatado que o perfil fez – ou manteve – a postagem sabendo se tratar de uma inverdade, o artigo 171 do Código Penal enquadra o fato como fraude: induzir alguém em erro para obtenção de vantagem, no caso, clique e engajamento.

Aliás, esse é, a meu ver, o conceito jurídico correto para fake news: divulgar conteúdo fraudulento. Saber que algo é inverídico e, ainda assim, divulgar ou manter divulgado. A difamação reside na mentira, as fake news residem na deliberada intenção de fraudar o debate público.

Portanto, é uma mentira deslavada que a internet é uma terra sem lei. Uma mentira que favorece político que quer contar ao futuro a lorota de que inventou um mundo seguro na internet com o PL2630/20. O PL não evitaria, nem evitará, nenhuma tragédia; ele sequer conceitua fake news. Seu texto é falho, é subjetivo, é ruim.

Temos institutos jurídicos fortes o suficiente para não precisarmos de salvadores da pátria de ocasião. Temos cerceamentos à liberdade de expressão suficientes no país.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

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