Opinião: “Cobertura ideológica de guerra é puro amadorismo”

Na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. A frase, de autoria controversa, é célebre e bastante conhecida de qualquer estudante de jornalismo. Mesmo assim, em pleno 2023, um bombardeio suspeito a hospital de Gaza na semana passada foi de imediato atribuído a Israel por parte significativa da imprensa que, após verificar que a bomba não era israelense, teve de correr a editar suas manchetes.

Este fato, somado a outros tantos, mostra que a cobertura jornalística do conflito está sendo feita, na melhor das hipóteses, de forma ingênua, ou, na pior delas, de forma a ignorar o compromisso que a função jornalística impõe.

Todo mundo sabe que a imprensa se segmentou em nichos, que os jornais e jornalistas cada vez mais se assumem de esquerda ou de centro-direita (pois de direita o STF não deixa) e que o jornalismo se tornou majoritariamente opinativo, relegando a segundo plano os fatos. Isso não é necessariamente um problema. O problema é que isso ocorra durante uma guerra.

Neste contexto, não são bem-vindos achismos ou fatos que chegam às redações sem serem devidamente apurados. É absurdo jornalistas afirmarem que a informação de um dos lados merece mais crédito que a do outro motivados em crença ideológica. Do mesmo modo, absurdo pessoas dizerem na imprensa “o que acham” dos ataques, sem qualquer comprometimento com os fatos.

Quando duas pessoas estão brigando na rua, não se pergunta ao passante distraído o que ele acha daquilo, menos ainda se busca a verdade com os familiares e amigos dos brigões. Não se pode chamar a isso de cobertura jornalística.

No entanto, temos visto diariamente achismos esdrúxulos e fatos viciados serem veiculados. Mesmo quando analistas são convidados ao exame do caso, o alinhamento de sua ideologia à do veículo parece ser a única coisa que importa, servindo o restante como fundo musical de barzinho para pitacos ideológicos dos jornalistas e comentadores de sempre.

A liberdade de imprensa protege o jornalismo ruim. Não faço a crítica por existir qualquer ilícito na cobertura brasileira do conflito, mas este jornalismo que bate no peito para se dizer profissional tem promovido no Brasil uma cobertura para lá de amadora.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

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