Opinião: Liberdades cada vez mais enfraquecidas

Após uma das eleições mais polarizadas de nossa história, os atos do dia 8 trouxeram o discurso belicoso novamente à boca das pessoas: “essa gente baderneira”, “esse povo”, como se estivéssemos diante de quadrúpedes ignorantes vindos de outra galáxia.

Não seremos, na verdade, nós, que nos informamos por jornais e revistas e nos divertimos com Machado de Assis, os que vivemos em outra galáxia? Num Brasil depredado pela estupidez, os que perambulam fanaticamente pelas ruas e são manipulados por discursos fáceis e sedutores de políticos populistas não são a exceção, mas a regra. Talvez sejam eles os verdadeiros brasileiros, os brasileiros raiz – e nós, os brasileiros nutella.

Entender os baderneiros como pertencentes a um outro mundo, classificá-los como bárbaros ou terroristas, retomar a política do “nós contra eles”, é nada mais do que uma tática retórica para que os excluamos de nosso convívio sem compaixão. É muito comum, nas guerras, os exércitos se valerem dessa técnica para desumanizar o inimigo – nosso semelhante se torna o “outro”, e eliminá-lo se torna essencial para preservação do “nós”.

Os baderneiros do dia 8 serão tratados como inimigos do povo, inimigos do Estado, isso é fato. A política do “nós contra eles”, empreendida por Judiciário e governo, está em pleno vapor: diariamente somos surpreendidos por decisões judiciais que de tão truculentas não estão nem no gibi nem na Constituição. O governo também tem nos abordado cotidianamente com decretos e portarias feitas para esmagar futuras revoltas, mas que também servem  convenientemente para controlar a livre manifestação dos críticos.

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Esta semana, Flavio Dino defendeu, em entrevista, a criação de uma lei nos moldes da resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vigorou durante as eleições, para retirada de conteúdos que fossem potenciais crimes políticos das redes sociais. Acontece que a tal resolução do TSE foi um dos instrumentos mais questionados de toda a eleição e ministros da Corte chegaram a alertar para a possibilidade de que sua aplicação resultasse em censura.

O leitor já está, decerto, entendendo onde quero chegar. Obviamente sobrarão estilhaços desta guerra para todos “nós”, não apenas para “eles”, não apenas para os baderneiros. Um exemplo: nesta semana, o perfil de rede social de um juiz foi suspenso por decisão judicial; ninguém entendeu a razão, não havia motivo. Ora, o motivo é que se deu poder total ao governo e aos tribunais para combater o inimigo. Dotados deste poder, com apoio popular, quem é o inimigo, qual é o bom combate, passam ao exclusivo e subjetivo critério da cabeça de nossas autoridades.

Quando a poeira baixar, teremos de nos haver com um governo e um Judiciário armados de poder até os dentes, com nossas liberdades individuais enfraquecidas, e com os que excluímos desejando agredir as instituições do mesmíssimo jeito que antes, talvez até mais.

André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)

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