Opinião: “O que fica dos julgamentos dos atos do dia 8”

Não parece haver dúvidas de que os réus do dia 8 de janeiro serão todos condenados a penas muito pesadas. O Supremo quer dar um recado contundente e não poupará esforços para isso.

Inegável que a Corte se sentiu acuada e muito desconfortável com as críticas ostensivas e reiteradas de Bolsonaro e seus seguidores e quer agora mostrar quem manda. Não se pode ignorar também que parte dos ministros colaborou para o imbróglio ao se colocar em um lugar de protagonismo político indesejável a quem faz parte de um Tribunal constitucional, carregando a instituição a seu reboque.

Seja como for, o recado do STF está sendo dado. Acredito que bolsonaristas e – espero – petistas pensarão duas vezes antes de atear fogo ou invadir prédios da praça dos Três Poderes.

No entanto, os julgamentos a que estamos assistindo não deveriam servir apenas para fazer lembrar da força de um poder da República, mas também para deixar claro que antes de toda e qualquer coisa, o STF é uma Corte de justiça.

Não consigo imaginar que os julgamentos de qualquer destes réus, se em trâmite perante a primeira ou segunda instâncias, resultariam em condenações brutas como a de 17 anos de prisão em regime fechado, destinada ao primeiro réu. E se resultassem, decerto, os advogados teriam tranquilidade em afirmar a seus clientes que as instâncias revisoras abrandariam a pena, sem apego a tamanha rigidez e envolvimento emocional com o caso.

Muito antes de terem nascido “O Príncipe” de Maquiavel e “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry, Aristóteles já considerava como valor-essência da justiça a “proporcionalidade”, aplicada pelo homem experiente, dotado de prudência – termo que associado à justiça resultou no que hoje conhecemos como “jurisprudência”.

A Corte está mostrando poder, mas está perdendo uma boa chance de mostrar também sua capacidade de ser prudente e serena diante dos acontecimentos, dosando com adequação as penas e evitando erros graves, como a imputação de crimes que se absorvem, como o de golpe e abolição do Estado democrático, em evidente e reprovável “bis in idem”.

Não concordo com a fala do advogado do primeiro réu, que afirmou, da tribuna, que os ministros do STF são os mais odiados do país. Em uma República mequetrefe como a nossa, o título de autoridade mais odiada não é tão simples de se alcançar. A disputa é muito grande.

Mas, se não são odiados, inspiram medo. Algo pior e muito triste para um Estado democrático fundado no valor da justiça. Os ministros poderiam ter usado os julgamentos para tentar desfazer essa visão. Não fizeram. Não quiseram fazer. Não sei.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

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