Opinião: “O que os imbecis têm a ver com a liberdade de expressão?”

O ministro Alexandre de Moraes, na última semana, afirmou durante evento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que a internet deu voz aos imbecis. O jornal Folha de S.Paulo anunciou, também nestes últimos dias, a criação de um comitê de inclusão para promover a diversidade na redação e em projetos do veículo.

Opinião O que os imbecis têm a ver com a liberdade de expressão

O que os dois fatos têm em comum? A repulsa à estupidez, o que certamente conta com a simpatia de todos nós. Mas então por qual razão não estamos todos de acordo com o silenciamento das ideias estúpidas?

O constitucionalista norte-americano Ronald Dworkin, em um ensaio chamado “O elogio da teoria”, com muita precisão notou que nas democracias modernas, na maior parte das vezes muito desiguais e pouco inclusivas, o direito à igualdade é alçado a um tal tamanho que acaba por relativizar o direito à expressão. Ainda que as Constituições não diferenciem o peso dado a cada um desses direitos, os juízes assim o fazem. Com base nisso, Dworkin percebeu haver duas correntes sobre o tema: a dos que enxergam a liberdade de expressão como constitutiva da democracia e a dos que a enxergam como seu instrumento.

Se o direito à expressão é constitutivo da democracia, precisa ser vasto e teremos de aceitar os imbecis e tolerar os intolerantes. Apenas a lei, interpretada de forma ampla, pode colocar freio ao direito de alguém dizer algo. Se o direito à expressão, no entanto, é um instrumento, um mero efeito democrático, seu exercício pode ser moldado da forma que for mais conveniente à sociedade. Nesse último caso, ainda que protegido pela lei, o discurso pode ser silenciado por comitês privados, por agências de checagem, pelo cancelamento de influenciadores digitais.

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O ponto que me incomoda nesta última corrente, e faz com que eu desconfie profundamente de sua legitimidade democrática, é que a escolha pelo direito de dizer e de silenciar, bem como pela construção de um discurso igualitário, saia das mãos da lei, que é uma conquista pública, e passe às mãos de quem possui na sociedade poder privado.

O problema da desigualdade em um país como o nosso é certamente preocupante, por isso me enoja que a expressão de alguns sirva para reforçá-la. Mas o risco democrático de permitirmos que a expressão seja regulada pelo poder privado de alguns poucos cidadãos, definitivamente, é algo que me faz preferir lidar com os imbecis.

André Marsiglia é advogado constitucionalista. Especialista em Liberdades de Expressão e Mídias. Escreve semanalmente sobre Direito e Poder para o site O Antagonista.

 

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