Opinião: “Ódio aos colunistas de opinião”

Uma recente pesquisa do “Reuters Institute” mostrou que apenas 28% dos brasileiros que consomem jornalismo estão preocupados com fatos. Os demais preferem opinião. Escrevo colunas na imprensa há algum tempo e tenho a nítida sensação de que o jornalismo de opinião não proporciona no debate público toda essa reflexão noticiada pela pesquisa. Uma boa parte das pessoas ama ou odeia tudo que o colunista escreve, sem meio termo, deixando a sensação clara de que o texto sequer foi lido – ao menos como devia.

Posso escrever a maior besteira do mundo e uns me acolherão com um sorriso no rosto e posso escrever algo digno dos deuses da literatura grega e outros me recepcionarão com cusparadas. No mês seguinte, se eu reler meu texto e o reescrever no sentido exatamente contrário, o sorriso e a cusparada dos mesmos leitores estarão me aguardando.

Não sei explicar o fenômeno. Talvez a falta de tempo do mundo moderno aproxime demais alguns leitores dos colunistas; é mais prático alguém já ter analisado os fatos do dia para você, iluminando a direção do que deve ser pensado. Se o leitor sente sinergia cósmica com aquele pensamento, bingo! Mas, e os que nos odeiam? Sentirão uma sinergia cósmica reversa? Terão prazer sádico em nos descer o sarrafo?

Há algumas semanas, no Twitter, perguntei a uma dessas pessoas: a senhora leu meu artigo? E ela: Nunca li e nunca lerei pessoas como você, mas discordo de tudo que escreve. Outro dia, um professor universitário, também no Twitter, me escreveu: é uma grande pena eu não ter tempo para te mostrar o quanto você está errado em tudo que pensa. Respondi: mostre, faça o favor. A partir daí, passei aborrecidos minutos vendo aquele professor usar o tempo que disse que não tinha para me explicar a razão de não ter tempo para mostrar que eu estava errado, no lugar de aproveitar e escancarar meu erro de uma vez por todas.

Se os brasileiros não se dedicam, conforme mostra a pesquisa, ao consumo do jornalismo factual, preferindo colunas de opinião, mas se relacionam de forma irrefletida com o pensamento dos colunistas, torna-se inviável o debate e a compreensão coletiva de um mundo em que habitamos todos. Naturalmente, estaremos cada vez mais desprotegidos de discursos sedutores que desejam apenas nos levar no bico para conquistar votos.

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A falta de leitores críticos e de estímulo à leitura, embora passe ao largo das pautas políticas brasileiras, decerto é um risco maior à democracia do que qualquer outro, pois será sempre mais fácil democratizar um ambiente ruidoso do que um em silêncio ou recheado de intolerância à reflexão.

No entanto, sabemos que investir em educação é muito mais difícil e custoso. Bem mais fácil e midiático nossos governos, juízes e autoridades se dedicarem a controlar o discurso de quem se expressa e colocar quem não sabe ler na cadeia.

André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)

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