Opinião: “Os dilemas da liberdade de expressão nas mãos de Rishi Sunak”

Rishi Sunak, o recentemente empossado primeiro-ministro britânico, anda às voltas com a ideia de nomear um responsável para investigar censuras ocorridas no ambiente acadêmico inglês. A ideia é que ocupe a função um “anti-woke”, expressão que, grosso modo, serve para designar quem é contra a cultura do cancelamento e das restrições que o discurso igualitário de grupos minorizados impõe à manifestação livre.

O assunto não tem sido comentado no Brasil, o que é absolutamente natural, pois por estas terras, mesmo em se plantando, intelectualmente, nada dá. Ainda assim, é relevante dizer que a medida do premiê britânico coloca a liberdade de expressão diante de dois interessantes dilemas que também são nossos: (i) é viável censurar censores da liberdade de expressão? (ii) a liberdade de expressão deve reivindicar o direito de enfrentar limites impostos por discursos igualitários?

O primeiro dilema é mais simples. Um departamento de liberdade acadêmica, como pretendido pelo Reino Unido, uma procuradoria da verdade, como instalada no Brasil pelo governo Lula – nada disso é saudável. Nem cão de guarda para vigiar a liberdade, nem para vigiar os censores. E isso por uma razão bem simples: sempre que alguém assume um papel de vigia, passa imediatamente a necessitar ser vigiado, sob pena de exercer poderes arbitrários. O último dos últimos dos fiscais deverá ser sempre a lei e caberá ao Judiciário – jamais a um governo – aplicá-la para proteger a liberdade e coibir seus excessos.

Se o Judiciário fizer mal seu papel, deve-se cobrar que seja mais estudioso e menos policialesco, mas jamais outorgar ao governo a função de fiscalizar normas constitucionais, pois uma das possibilidades mais importantes de exercício das liberdades de expressão é justamente a de fazer oposição a governos. Politizar o exercício das liberdades, portanto, é decretar seu fim. E com isso, passo ao segundo dilema.

Acreditar que a liberdade de expressão precisa curvar-se a discursos igualitários, aos valores do Estado, da democracia, do progresso, não seria politizar o exercício das liberdades? Estou certo que sim, e isso me faz um crítico ferrenho desta opção. Entendo que liberdade de expressão não deve ser vista como útil a nada nem a ninguém. Ela existe porque não seria bom que deixasse de existir. E isso basta. Mesmo quando não servir para nada, prefiro saber que vivo em um mundo em que ela existe, é ampla e respeitada, do que o contrário.

No Brasil, no entanto, os ministros das Supremas Cortes caminham no sentido oposto. Foram cooptados pela ladainha de que a expressão precisa ter função democrática, pois se assim não for, representará um risco ao Estado e deverá ser limitada. Embora não haja nenhuma norma em nossa Constituição que referende esse ponto de vista, é difícil desfazer este percurso que se trilha a pleno vapor por aqui. Não à toa, têm-se visto decisões duríssimas em desfavor de falas questionadoras ou controversas, sempre classificadas como incitações ao ódio ou um perigo à democracia.

É nesse caminho também que a academia inglesa, ambiente historicamente libertário, vem sendo alvo de duras guerras entre grupos que entendem que liberdade acadêmica não pode ser limitada e grupos que entendem que deve ser coibida, se não respeitar certos parâmetros, como, por exemplo, os da igualdade. É bem sério o momento do nosso mundo, explicitado nesses dilemas propostos a partir da conduta do premiê britânico. De um lado, a defesa de uma liberdade de expressão útil ao Estado, à democracia e a seus valores. De outro, os que apontam que essas restrições descambam inevitavelmente em censura e totalitarismo.

Se os que desejam um Estado diferente, com outros valores, quiserem demonstrar seu descontentamento se expressando, e forem, por isso, compreendidos como ameaças ao Estado, haverá num futuro breve populações cada vez mais fragmentadas e desunidas vivendo dentro de um mesmo país. Um verdadeiro barril de pólvora. Acredito que a onda conservadora que vem tomando Américas e Europa, nos últimos tempos, é consequência desta situação.

A tendência é que a divergência entre os que apoiam a liberdade de expressão como um instrumento estreito, de reforço aos valores de Estado, e os que pretendem fazer da liberdade um instrumento amplo, de protesto aos valores do Estado, seja motivo da polarização política que o mundo enfrentará de forma ainda mais contundente nos próximos anos.

André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)

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