“Um alienígena visita nossa democracia”

Parece que Executivo e Judiciário enterraram de vez o Legislativo brasileiro. Num único mês, o governo Lula conseguiu emplacar um combo que atropela todas as leis que protegem as liberdades de expressão no país.

Na Advocacia Geral da União (AGU), instalou uma procuradoria para fiscalizar, processar e punir quem desinformar a respeito de políticas públicas ou, na prática, quem contrariar a versão oficial do que o governo faz. O Judiciário não deixou por menos. As Cortes de Brasília, acostumadas a suprimir as funções do Ministério Público em seus inquéritos sigilosos, agora legislam, inventando, sem diálogo com o povo ou seus representantes, um projeto para regular as mídias.

Se algum alienígena, acostumado a visitar democracias maduras pelo mundo, enganado pela propaganda, pousasse sua nave por aqui, perceberia num piscar de olhos que somos um país autoritário. Que nossos demais poderes da República entendem o Congresso como um grande incômodo. Num país onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, como fazer sentido um poder que vive de debater ideias? Se o Judiciário determina o que pode ou não ser feito e dito, se o Executivo empreende e realiza, se em conjunto ditam ordens que servem como se leis fossem, de fato, parece inútil um Congresso que somente fala, fala e não faz nada.

Dirá o visitante alienígena, estudioso das democracias, que “falar” é, para o Legislativo, “fazer algo”. Mas o alienígena argumentará em vão e, se insistir, terá seu perfil no Twitter derrubado.

O meu atento leitor decerto estará pensando que eu e o alienígena  estamos completamente errados em nossa avaliação,  pois o Congresso terá perdido sua credibilidade por outra razão: ser corrupto. Longe de mim contrariar o leitor dizendo que a casa do povo não é chegada, muitas vezes, a uma polpuda propina, mas precisaremos ser muito pouco maliciosos para acreditar que apenas o Legislativo se corrompe. Seria até mesmo ilógico concluir que os demais poderes são impolutos, menos o Congresso, pois quem afinal o corromperia se assim fosse?

Se nossa corrupção é sistêmica, um elemento naturalizado, caro leitor,   desqualificar apenas o Congresso e crer nos demais poderes parece no mínimo injusto. O buraco, creio, é mais embaixo. Acontece que nosso Parlamento, mais do que corrupto, tornou-se inútil em nossa República. Executivo e Judiciário, com base nesse sentimento em relação ao Congresso, já há muito tempo governam sozinhos e absolutos no Brasil. Só não vê quem não quer. Mesmo a alienígenas visitantes, fica claro que o Congresso é mero coadjuvante; os atores principais são e estão nos demais poderes, que propõem, legislam, executam e punem. Sobra para o Legislativo o papel cartorário de carimbar suas realizações.

Porém, o mais estranho ao nosso alienígena, experiente estudioso das democracias mundiais, será notar que, no Brasil, o Legislativo foi suprimido em nome da democracia, sob a justificativa de torná-la mais eficiente. Pior ainda, Executivo e Judiciário venderam a narrativa de que limitam e controlam as liberdades do povo para lhes assegurar a democracia. E o povo aceita e aplaude as medidas que lhes são impostas, agradecidos por tamanho zelo.

O alienígena definitivamente fica confuso: como é possível um país salvar sua democracia sem Legislativo e sem liberdades, elementos estruturadores da própria  democracia? Cuidado, esta é uma pergunta antidemocrática, alguém alertará ao alienígena, que pensará melhor e decidirá ir embora visitar outras democracias na América Latina. Recomendaram-lhe agora passar na Venezuela.  

André Marsiglia é advogado constitucionalista. Especialista em Liberdades de Expressão e Mídias. Escreve semanalmente sobre Direito e Política para a Revista Crusoé.

Twitter: @marsiglia_andre

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