“Nem sempre estamos em uma sincronia perfeita entre corpo e mente”

(Photograph by Lindsey Wasson / Reuters)

A ginasta norte-americana Simone Biles surpreendeu o mundo quando, mesmo sendo a favorita ao ouro nas Olimpíadas de Tóquio, renunciou a disputar medalhas em nome de sua saúde mental. O anúncio da atleta ocorreu na semana passada e reforçou a obrigação de cuidar da saúde mental do atleta.

O triatleta Rodrigo Tavares dos Santos, de 41 anos, que é natural de União da Vitória, tem acompanhado os Jogos Olímpicos. Atualmente com moradia em Joinville (SC), o praticamente de triatlo (que é a junção de três modalidades esportivas: natação, ciclismo e corrida), que por diversas vezes representou o Vale do Iguaçu em competições nacionais, mantendo inclusive um portfólio de vitórias, também já pensou em desistir das competições.

“Como atleta amador que sou e assistindo algumas modalidades das olimpíadas, venho tentando entender alguns resultados frustrantes para nós torcedores. Muitas vezes o atleta fez o seu melhor tempo mas, mesmo não ficando com uma classificação boa ou satisfatória para nós torcedores, ele foi o melhor atleta do Brasil naquela modalidade, pois disputou uma classificatória para estar lá e foi o melhor dentre os 200 milhões de habitantes. Mesmo assim, julgamos e crucificamos o nosso melhor atleta. Essa situação sim é a pior, pois faz com que o atleta sofra, adquira até depressão ou abandone o esporte precocemente. O nosso julgamento pode destruir um grande atleta e um grande ser humano”.
Rodrigo é um entusiasta do esporte em geral. “Desistir? É uma palavra que nos assombra e quando acontece nos tira o sono e nos joga no fundo do poço. Já tive essa vontade de desistir algumas vezes. Sendo do triatlo, esporte que une três modalidades, ser competitivo nas três modalidades juntas em um dia perfeito é muito difícil. Já tive que encarar uma água gelada, um ciclismo duro, uma corrida com subidas e, por vezes é muito duro, difícil. Nunca desisti de uma prova, por mais dura que ela fosse, mesmo no meu pior dia. Eu sabia que havia treinado bem e que deveria fazer o melhor para aquele dia, mesmo que não fosse o meu melhor desempenho”, compartilha.


Simone Biles mencionou por diversas vezes sobre o estado da saúde mental após sua desistência e afirmou que “há vida além da ginástica”. Parte do anúncio oficial da Confederação de Ginástica dos Estados Unidos deixou evidente a situação da atleta:

“Simone Biles saiu da competição das finais por equipes por conta de motivos médicos. Ela será avaliada diariamente para a liberação médica para as próximas competições”.

Para o triatleta do Vale do Iguaçu, os atletas não são deuses.

“Somos de carne e osso; somos frágeis; somos fortes e temos sentimentos, ilusões e nem sempre estamos em uma sincronia perfeita entre corpo e mente. Um grande aliado dos atletas, sem dúvida, é a preparação psicológica. A psicologia do esporte são grandes diferenciais na preparação do atleta. Eu tive a oportunidade de fazer 15 sessões com um grande amigo e professor e passamos a enxergar, encarar o esporte, as dificuldades, o dia a dia de treinos e as competições de maneira diferente, como algo mais prazeroso, como uma “endorfina” diária que nos sustenta a seguir cada dia”.


Desistir (às vezes) pode fazer bem à saúde?

A coach, consultora e colunista da CBN Vale do Iguaçu, Fernanda Perdun, acredita que desistir (às vezes) pode fazer bem à saúde.

“Cabe destacar que o foco principal recai em entender seus limites. Jamais interpretar uma desistência como fraqueza, incapacidade ou vulnerabilidade, muito pelo contrário, desistir configura compreender até que ponto um esforço é positivo ou destrutivo à sua qualidade de vida”.

Segundo a especialista, a saúde mental, seja ela no esporte, na música, na educação, entre outros segmentos, deve ser prioridade.

“Todo excesso torna-se prejudicial. A diferença entre remédio e veneno é a dose. Portanto, deve-se sempre manter um ponto de equilíbrio em sua rotina e desenvolver a percepção dos pontos positivos alcançados. Porque quando sua cobrança individual for elevada, dificilmente estará satisfeito com os resultados, criando assim, um ciclo de exigências que cega o progresso e crescimento conquistado. Quando perder a paciência em relação a algo ou sentir-se ansioso, ligue o alerta!”


Caso Biles: foi um ato de coragem?

Desistência da participação no individual geral de Biles foi tomada após uma avaliação médica, com a atleta optando por cuidar do seu bem-estar emocional. No Instagram, Simone já tinha dito, após a fase classificatória, que sente ‘o peso do mundo nos seus ombros’. (Reprodução/Internet)

“Não! Foi um ato de maturidade. Todos somos produtos para o mercado de trabalho. Dar-se o valor é fundamental e priorizar suas necessidades e interesses também. Ninguém deve viver para o outro ou conforme desejo do outro. Nem tão pouco, ter medo em decepcionar alguém. Caso contrário, se sentirá um fantoche vivendo as circunstâncias de terceiros. Não são todos que possuem esta coragem devido ao medo das críticas”, acrescenta Fernanda.

Um treinamento psicológico deve ser mantido antes, durante e depois da competição.

“Ter apoio de psicólogo e/ou psiquiatra estimulará a assertividade, autoconhecimento e autocontrole criando um ciclo de desenvolvimento constante. Indispensável para gerar ancoragem perante as reações emocionais vivenciadas durante a realização de treinamentos e definição de métricas de performance”.

A profissional acredita que o esporte visto como espetáculo tem levado a um número enorme de atletas que sucumbem ao treinamento, apresentando síndrome de burnout, transtornos depressivos, síndrome do pânico, implicando e até abandono precoce da carreira por parte de atletas.

“Isso ocorre, penso eu, devido pressão psicológica para se chegar ao topo e principalmente manter-se, sendo referência. Além do receio em gerar frustração às pessoas que depositam expectativas no atleta. Quando uma ação que promove auto realização torna-se um negócio envolvendo muitos profissionais que dependem exclusivamente do comportamento de um único esportista, cria-se uma pressão psicológica que poderá gerar ansiedade, irritabilidade e sensação de abuso”, pontua.

 

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