Quando a ansiedade deixa de ser um sentimento normal e passa a ser um problema? Psicóloga explica

A ansiedade é um sentimento comum, mas em que momento ela deixa de ser algo normal e começa a ser um problema? Conversamos a respeito do tema com a psicóloga Larissa Moretto. 

Quando a ansiedade deixa de ser um sentimento normal e passa a ser um problema? Psicóloga explica

Foto: da assessoria

Confira:

Jornal O Comércio (JOC): Nossa vida mudou muito nos últimos anos. Como as redes sociais, a tecnologia, afeta a saúde mental? 

Larissa Moretto: Principalmente depois da pandemia, os dados da OMS trazem que a ansiedade aumentou 25%. Nós estamos no primeiro lugar do ranking de ansiosos no mundo. O brasileiro tem apresentado muito esse nível alto de ansiedade. E a gente percebe que o estresse no dia a dia, os maus hábitos, eles exacerbam. Algo importante para destacar é que todo mundo, todas as pessoas, elas sentem ansiedade, é uma emoção natural. E quando a pessoa chega ao consultório com ansiedade, ou quando a gente ouve falar sobre ansiedade, seja na internet, seja num programa, ou percebe que está com ansiedade, as pessoas chegam no consultório dizendo, tira isso de mim. Quando, na verdade, ninguém vai conseguir fazer isso, nenhum remédio, nenhum profissional de saúde, porque a gente precisa da ansiedade pra viver. Ela é um mecanismo de proteção do nosso corpo. Então, como assim um mecanismo de proteção do nosso corpo? Nós temos essa emoção que serve para vislumbrar um perigo no futuro, é isso que é emoção e ansiedade, é enxergar um perigo, ver um perigo no futuro e me precaver, tomar precauções com relação a ele.

Então, a ansiedade pode ser muito boa. Exemplo, um adolescente que precisa estar estudando para o vestibular, ele sente a ansiedade com relação à prova. A ansiedade positiva, funcional, melhor dizendo, vai fazer com que esse adolescente estude, sente e estude, se dedique, separe os livros e vá melhor nessa prova, crie condições para passar. Uma ansiedade disfuncional, que é o que a gente chama, ela vai fazer com que esse adolescente paralise. E a gente pode pensar nisso em qualquer contexto, seja de estudo, de trabalho, vida amorosa. A ansiedade pode ser tão benéfica e me direcionar, fazer com que eu consiga as ferramentas para conseguir aquilo que eu quero, quanto destrutiva no sentido de me paralisar, me impedir de fazer o que eu quero. Então, hoje a gente percebe que o número de pessoas que apresentam uma ansiedade disfuncional, que paralisa, acaba sendo muito maior do que as pessoas que apresentam e lidam na ansiedade de uma maneira positiva.

A forma como a gente leva o nosso dia a dia hoje, tudo muito rápido, com muito estímulo, eu preciso ser o melhor, eu preciso ser o melhor para ontem, acaba exacerbando, alarmando mais essa proteção do nosso organismo e fazendo com que a nossa ansiedade saia do esperado, dessa ansiedade funcional e acabe gerando uma ansiedade disfuncional, as vezes até um transtorno de ansiedade generalizada, outras vezes crises de pânico. O modo como a gente vive e leva o nosso dia a dia, pode ajudar a regular as nossas emoções, como por exemplo a ansiedade, ou desregular e tornar a nossa vida mais disfuncional.

JOC: Todo caso de ansiedade precisa ser tratado com medicação?

LM: Então, a gente precisa separar duas coisas. Primeiro é o que eu estava falando da ansiedade ser algo esperado e natural. Então, quanto antes a gente chega num profissional da saúde, e eu vou falar aqui da psicologia que é minha área específica, melhor a gente aprende a entender essa emoção, identificar quando ela está disfuncional e quando não está disfuncional e o que fazer. Então, dentro do consultório de psicologia, você vai aprender a identificar, entender essa emoção e a desenvolver ou usar bem as ferramentas para que você consiga regular essa emoção, para que você consiga usá-la e adaptá-la de uma maneira mais funcional para ti. Isso falando de um paciente que percebeu que alguma coisa não está legal, já está percebendo a disfuncionalidade da ansiedade na vida dele. É um paciente que não dorme, um paciente que está com pensamento acelerado o tempo todo, que não consegue tirar os planos do papel, que sente muito receio de levar um projeto para frente, que não consegue namorar ou desenvolver um relacionamento, porque só o fato de pensar em falar com aquela pessoa ou desenvolver um relacionamento, e aqui falando de relacionamento amoroso, mas a gente não pode falar de uma entrevista de trabalho, e não consegue. Quanto antes essa pessoa chega no consultório, mais fácil é a gente retroceder e regular essas emoções para um nível adequado.

A ansiedade é uma das situações que tem o melhor controle em consultório, que você vê, consegue enxergar e perceber uma mudança muito rápida. Só que o que acontece? Quanto antes a pessoa procura ajuda, mais rápido a gente consegue resultados. Hoje existe ainda um estigma muito grande em cima da saúde mental, dos transtornos mentais, do sofrimento, porque nem todo sofrimento é um transtorno, onde as pessoas dizem “não, não sou louca, não preciso ir num consultório”. E aqui falando da psicologia, mas isso também serve para o psiquiatra. E quanto mais a pessoa demora para buscar essa ajuda, para entender o que está acontecendo com ela e para desenvolver essas ferramentas, entender, desenvolver a ferramenta, conseguir dar passos na direção da melhora, mais difícil, mais moroso é esse caminho para a melhora. E aí muitas pessoas, dentro desse estigma, acham melhor “ah, mas fulano toma o remédio tal”. E fazer a automedicação é algo muito perigoso, no sentido de que o que funciona para ti não é necessariamente o que funciona para mim. O nosso organismo funciona diferente, a gente reage às substâncias de maneira diferente. Uma medicação para alguém que tem pânico não necessariamente é a mesma medicação para alguém que sofre de ansiedade generalizada, ou que está passando por um momento de ansiedade um pouco mais intenso em função de algo natural da vida. Uma perda, um desafio. 

E a questão da medicação também é importante dizer que principalmente as medicações psiquiátricas, elas precisam de um tempo no teu organismo. É diferente muitas vezes de um remédio para dor de cabeça. Hoje eu não estou muito legal, estou com dor de cabeça. Eu vou lá e tomo uma medicação natural, normal, para dor de cabeça, um Paracetamol, uma Neosaldina. E aí a minha dor de cabeça passa. Para a ansiedade não é interessante, ansiedade, depressão, transtornos psiquiátricos no geral. Essa medicação para fazer o efeito que a gente gostaria no organismo e não ter o efeito rebote, de exacerbar ainda mais essa ansiedade, por exemplo, ela precisa de um tempo no teu organismo para que o teu sistema nervoso ajuste esses parâmetros. E depois desse período que é o psiquiatra, o médico da tua confiança que vai determinar, você possa reduzir. Beleza, o remédio fez o efeito que ele precisa fazer, é uma medicação de efeito continuada, que nem em todos os casos, porque vai depender de caso para caso, vai precisar ser mantida por longos períodos, mas ele vai determinar qual é o tempo necessário para aquela medicação fazer o efeito para que ela se propõe. Se eu me automedico, eu posso ter a impressão de que eu estou melhorando algo, mas a média ao longo prazo pode piorar muito o seu quadro de ansiedade, porque você não está aprendendo a lidar com o problema, você está tamponando ele. Então, nesse sentido, respondendo mais objetivamente à tua pergunta, quanto antes você procura um profissional da saúde para entender o que você está passando e é direcionado para um caminho para realmente você conseguir enfrentar aquela situação de uma maneira adequada, melhor, mais rápido você maneja e melhora. A medicação vai ser indicada pelo profissional psiquiatra ou profissional médico da maneira mais adequada, se necessário. 

Toda pessoa que apresenta ansiedade é medicada? Não, porque a ansiedade é natural do nosso organismo. Agora, uma pessoa que apresenta um transtorno de ansiedade generalizada importante, que já está trazendo prejuízos para a vida cotidiana de uma maneira importante, ela vai precisar de uma medicação pelo menos pontualmente para que ela consiga se organizar. Então é muito perigoso. Hoje as pessoas estão se medicando muito e sem querer, eu entendo que o objetivo não é esse, mas sem querer elas acabam piorando o quadro que poderia ter uma reversão muito melhor, muito mais rápida se procurado auxílio e tratamento antecipadamente.

JOC: Que tipo de vida eu devo levar, que hábitos eu devo ter, mesmo sabendo que todos têm uma ansiedade, para que esse sentimento não se torne disfuncional?

LM: Um ponto importante é: a gente não precisa deixar o copo transbordar para ter o auxílio de uma medicação. Vamos pensar que a medicação é um pilar importante num tratamento, numa qualidade de vida. Então, por exemplo, se eu tenho um paciente diabético, eu não vou dizer para ele assim, não, a gente só vai tomar o remédio quando a coisa estiver estourando. Não, ele sabe que para ele conseguir manter uma qualidade de vida, ele vai precisar da medicação diária ao longo da vida dele. Ele não precisa deixar a coisa explodir.

Falando de medicação psiquiátrica, é a mesma coisa. Uma boa avaliação psicológica ou do teu médico vai ajudar a entender se a medicação seria um bom pilar de auxílio naquele momento ou não. O que acontece? A maioria das pessoas espera, aguarda, tenta de outras maneiras resolver essa questão, e aí quando ela chega no médico, chega no psicólogo, e eu quero frisar que são profissões diferentes com objetivos diferentes, mas que trabalham juntas, a coisa já está tão comprometida, a vida dela já está tão comprometida, já tem tantos danos que não tem como a gente não pensar em medicação.

Mas pensando nesse sentido, você pode estar buscando antes disso. Eu estou percebendo que eu estou com uma dificuldade na minha vida e eu não estou conseguindo levar isso adiante. Então procure um profissional psicólogo, procure um médico de confiança. Muitas vezes o médico mesmo vai dizer: olha, nesse caso acho que não é o momento da gente entrar com a medicação. Vamos tentar ajustar algumas coisas, porque você não tenta terapia? 

No geral, quais são os pilares que a gente chama de saúde mental? Que a gente vai levar em consideração qualquer pessoa que esteja mais deprimida, que esteja tendo dificuldades com relação à ansiedade. E pensou já “mas eu acho que a minha causa não é de procurar um psicólogo, de tomar um remédio, de procurar um médico. Eu quero tentar por mim agora”. Todo mundo pode olhar para os seguintes pontos da vida hoje. Primeiro, e é o melhor indicador de que alguma coisa não está legal: sono. Se você dorme mal, se você dorme mas acorda cansado, se o teu sono está agitado, as tuas emoções, e principalmente a tua ansiedade, elas vão estar desreguladas. (…) Você precisa de no mínimo, vamos pegar os parâmetros que a OMS traz, que é uma média. Não quer dizer que precisa ser isso contadinho no relógio, mas é uma média mundial de 8 horas bem dormidas por noite, e eu vou destacar o bem dormidas, porque o que acontece? Às vezes você passa 8 horas na cama, mas o teu sono é uma porcaria. Não vai existir saúde mental sem sono bom, então o que a gente vai trabalhar dentro da terapia? A gente vai entender o porquê que aquele sono está ruim. Aí a gente vai fazer também uma dobradinha com um médico especialista, e aí vai depender de cada caso, às vezes um neurologista, um psiquiatra, um especialista no sono, pode ser o clínico geral também, para entender se esse sono ruim tem uma causa orgânica, ou é uma questão do estilo de vida, da maneira como você está lidando com as dificuldades no teu dia a dia, se você não consegue desligar dos teus problemas.

Pense que o sono é um dos principais indicadores de que algo não vai bem. “Ah, Larissa, mas a minha vida está ótima e tem noites que eu durmo mal”. É óbvio, a gente não é uma maquininha que vai funcionar do mesmo jeito todos os dias. Mas o que acontece? Eu preciso entender quando é algo pontual, quando eu estou mais ansiosa, porque eu estou indo viajar, e eu estou animada com essa viagem, e aí a minha noite de sono vai ser mais conturbada, porque eu estou com medo de perder o horário. Mas é todo dia assim? É a maioria dos dias assim? Não, foi quando eu fui viajar, e a gente pode manejar para regular isso também, mas é natural que apareça um pouquinho de ansiedade, de nervosismo, a sua adrenalina está um pouquinho mais alta, porque é uma coisa que você quer. Agora, se eu estou dormindo mal todos os dias, se eu acordo todas as noites com meu pensamento acelerado, não consigo mais dormir, se eu não consigo pegar no sono, se eu vou dormir duas horas da manhã e eu tenho que acordar às sete, é óbvio que eu vou acordar acabado, e isso vai trazer uma desregulação.

A ansiedade é um alarme de perigo no futuro, e se o meu cérebro, se o meu funcionamento cerebral entende que eu estou em inanição de sono e eu preciso enfrentar um monte de desafios ao longo do meu dia, ele vai ligar esse alarmezinho, ele vai me deixar mais alerta, vai elevar o meu nível de cortisol, o meu nível de adrenalina ao longo do meu dia, e eu vou ter as minhas emoções desreguladas. Eu tendo as minhas emoções desreguladas, e isso vai fazer com que eu tenha um desempenho, e quando eu falo desempenho não é aquele negócio de eu preciso ser o melhor o tempo todo, mas um desempenho de funcionalidade. E aí o teu estresse vai aumentando, se meu estresse vai aumentando, eu durmo cada vez pior, e isso vai virando uma bola de neve. Observe se você está dormindo mal, e dormindo mal constantemente, se já virou um hábito, uma rotina esse dormir mal.

Segundo ponto é a alimentação. A gente tem comido pior, comidas mais industrializados, comidas com mais gordura, estimulantes, então muita cafeína. A cafeína é um psicoestimulante, que para quem tem a ansiedade já desregulada, ou que tem uma tendência maior a desregular a ansiedade, vai ser um veneno. E aí você vai dormir pior também, que a cafeína demora 8 horas para ser processada pelo teu organismo para realmente sair. Se você fizer um uso exacerbado de cafeína, vai piorar o teu sono, você vai ficar mais ansioso, você ficando mais ansioso de lidar com algumas dificuldades do dia a dia, pode ser mais difícil, pode ser mais moroso, e aí de novo a gente entra naquela bola de neve. Então, cafeína, energético, o nosso chimarrão também tem cafeína. Não estou dizendo para parar de tomar o chimarrão, tomar o cafezinho, mas observar as quantidades que eu faço o uso dessas substâncias ao longo do dia. Álcool, substâncias psicoativas no geral. Tanto a alimentação muito gordurosa, com muito açúcar. Açúcar é um psicoestimulante, acende o teu cérebro, mas ele tem consequências também muito importantes para o nosso funcionamento. Então, se a gente já estiver com essas duas coisas, dormindo mal e comendo mal, a gente já tem dois pontos principais importantes que fazem com que a nossa saúde mental vá lá para baixo.

Algo que ajuda muito falando não só da saúde física, que é óbvio, acho que isso todo mundo sabe, mas que também é um santo remédio para a saúde mental, é exercício físico. Se você sente sintomas de ansiedade, se você se percebe como uma pessoa mais ansiosa, exercício físico precisa estar na sua vida, pelo menos de 15 a 20 minutos por dia. Aqui falando de saúde mental, não do resultado físico do teu corpo estético, mas falando de saúde mental de 15 a 20 minutos por dia, de um exercício intenso a moderado. Por quê? Porque ele vai liberar neurotransmissores importantes para a regulação da tua ansiedade, ele vai mandar uma mensagem através do teu nervo vago para a tua amígdala, que é a área responsável por soar o alarme da ansiedade, digamos assim, de que está tudo bem, ele vai liberar neurotransmissores de bem-estar. É importantíssimo, não tem tratamento para a ansiedade sem exercício físico, boa alimentação e regulação de sono. Não existe, não vai funcionar, pode ter um efeito pontual, mas se você quiser realmente tratar a origem do problema e dizer assim, não, eu quero viver uma vida com ansiedade regulada, eu preciso disso: bom sono, boa alimentação e exercício físico.

E aí vai ter o pilar da medicação, se você tiver indicação. E aqui eu não estou falando só de uma medicação para a ansiedade, para a depressão, para a bipolaridade. Eu estou falando de algum tratamento, qualquer tratamento que você precise estar fazendo o uso pontual ou contínuo de uma medicação sempre orientado pelo seu médico. A medicação também é um dos pilares. Então, se eu preciso, vou dar o exemplo da diabetes de novo, se eu preciso de uma insulina para regular os meus níveis de açúcar e sangue, para não descompensar a minha diabetes, se eu paro de usar a medicação porque eu estou bem, isso não é garantia, vai descompensar. Um dos pontos para a minha saúde também é o uso contínuo da medicação que me foi recomendada na dose correta, fazer o retorno do médico. Esse também é um pilar importante para a gente conseguir ter saúde mental nessa loucura que a gente vive hoje, de pressão e de muita coisa para fazer e mais coisas ao mesmo tempo. Então, a medicação precisa estar contemplada nesse combo.

E outro ponto que também é muito importante hoje é ter momentos de lazer e descanso, dar pausas ao longo do dia, aprender a respirar, se trazer para o momento presente, seja através de uma prática de meditação, respiração, yoga, algum descanso. Não um descanso ativo normalmente, ah, eu vou descansar, pego o celular, mas um descanso que realmente reduz a velocidade dos teus pensamentos, que traga para o momento presente, que você possa fazer nos intervalos coisas que têm significado para ti. Eu brinco sempre com os meus pacientes, uma salpicada, uma temperada no dia a dia, não deixar só para aproveitar no final de semana. No final de semana você vai aproveitar mais, você tem mais tempo para isso. Mas como que eu vou fazer para trazer um pouquinho de tempero para a minha segunda-feira, para a minha terça-feira, para a minha quarta-feira, para ter esses momentos de descanso, de desenvolvimento pessoal?

Dentro da terapia a gente obviamente trabalha esses cinco pontos, mas é importante que fora dela isso também seja olhado, então quem está lendo que pense como é que estão esses pontos na minha vida, como é que está meu sono, como é que está a minha alimentação, como é que está o meu exercício físico, e aqui eu não estou falando de academia propriamente dita, eu estou falando de eu saio para caminhar, eu ando de bicicleta, eu movimento o meu corpo com a intenção de movimentar o meu corpo. (…) Eu estou tendo momentos de descanso e de lazer. Eu tenho algum tratamento que eu preciso estar fazendo, visitando algum profissional da saúde para ver se está tudo certinho, meu check-up anual está em dia, esses pontos precisam estar em equilíbrio. E dentro do processo psicoterapêutico a gente vai olhar para esses pontos, porque são dados importantes de como está o seu funcionamento, e a gente vai buscar auxiliar esse paciente a como que a gente vai regular essa rotina, dentro do que essa pessoa consegue no momento avaliar a necessidade do encaminhamento para um médico para verificar a possibilidade, a necessidade de uma medicação ou não, mas a forma como a gente vive a nossa vida vai implicar diretamente na nossa saúde mental. E hoje a gente tem descuidado muito desses pontos, ou se cobrado uma perfeição nesses pontos, eu acho que tem gente que deve estar pensando do outro lado “mas eu vou para a academia todos os dias, eu tenho lazer, eu como bem, eu só como coisas sem gordura, não como fast food, e a minha saúde mental está uma droga”. E aí a gente vai olhar, quantas horas você trabalha por dia? Quanto tempo você tira para respirar? O volume dos pensamentos, como é que você está lidando com eles? E essa avaliação global, aprender a lidar com isso, e a colocar as coisas na balança de forma que elas fiquem funcionais vai ser primordial. Aprender a desacelerar, acelerar quando precisa, entender o que é importante ou não, o que está me fazendo bem, a lidar principalmente com as emoções, eu acho que a terapia é um espaço fantástico para isso, para a gente nomear, entender, ah, então o que eu estou sentindo com isso é raiva, o que eu estou sentindo com isso é ansiedade, medo, tristeza, e a partir da nomeação do que eu estou sentindo, do entendimento do contexto, se aquilo é funcional ou não é funcional. Também o que eu faço a partir daí, como que eu vou lidar com essa emoção, ou como eu vou me acolher entendendo que é uma emoção natural, e que eu preciso passar por ela, para que ela reduza, para que ela se dilua, dentro do meu dia a dia, então, viver é um desafio, mas que pode ser um desafio muito gostoso e muito prazeroso, quando a gente se dispõe a olhar para isso, despido de preconceitos, despido de rótulo, e com o olhar de como é que eu posso aprender mais sobre mim, para viver uma vida que vale a pena, que faz sentido para mim, o que vale a pena para mim, não é necessariamente o que vai valer a pena para você, não é necessariamente a vida que você vai gostar de viver e vai te fazer feliz, e a gente precisa dosar isso também com as responsabilidades, as contas que a gente tem que pagar, e todos esses dilemas da vida adulta que a gente acaba enfrentando.

JOC: Por que que a relação que a gente tem com o passado é importante para o presente?

LM: Nós somos seres sociais, apesar da minha abordagem ela levar em conta a nossa vida passada, porque obviamente nós somos influenciados pelo que a gente vive, quem disser o contrário, agora o que a gente pode ver hoje é o que eu vou fazer a partir daí. Quando a gente olha para o passado não é no sentido de estacionar lá, mas é entender, olha, isso aconteceu comigo, seja com pai, mãe, professora, coleguinha da escola, uma vivência social difícil, um trauma, isso aconteceu, o que isso me desperta? E o que eu quero fazer com isso a partir de hoje? Um ponto importante dentro da terapia e dentro principalmente da linha comportamental é saber que a gente não controla principalmente essas três coisas: eu não controlo a minha emoção, eu não controlo os meus pensamentos e eu não controlo as minhas memórias. Se você teve uma situação traumática no teu passado você não controla que essa memória venha, e essa memória do passado ela vai vir sempre com o intuito de te proteger de alguma maneira, só que na nossa leitura agora ele vem como essa dor não me deixa, é um aviso, ou eu preciso fazer alguma coisa a esse respeito, quero que essas memórias sumam, como é que eu faço? Isso é uma coisa que acontece, eu vou para a terapia para acabar com essas memórias, não quero mais pensar isso, e é algo que não vai acontecer. Então o que a gente vai fazer? Nós vamos partir da premissa que eu não controlo as minhas emoções, os meus pensamentos e as minhas memórias. Mas eu controlo o que acontece a partir dos meus pensamentos, das minhas emoções e das minhas memórias. Um exemplo, você pode bater no meu carro, e eu posso morrer de raiva. Acabei de comprar o carro, o trabalho que vai me dar, de achar uma oficina, de consertar, de conversar contigo para ver se tem seguro, se não tem seguro, vai ser um trampo, isso pode me trazer muita raiva, muita raiva. Agora, sentir a raiva está no meu controle? Não está, é uma emoção, ela vem. O que eu vou fazer com ela, está no meu controle, então se eu vou xingar você, bater em ti, ir para cima, pegar uma pedra e dar no teu carro, isso está no meu controle. Somos seres adultos, aqui eu não estou falando de criança, de um ser que está em desenvolvimento, porque aí parte do adulto ensinar a regulação emocional para criança, mas falando de adultos, é a minha escolha, e aí eu posso ter e eu devo ter essa responsabilização do que eu faço a partir daí, se eu pensei alguma coisa, eu não necessariamente preciso fazê-la, os meus pensamentos não são uma verdade absoluta, eu não tenho controle do que eu penso, eu posso inclusive pensar coisas horríveis, fazer a coisa horrível é uma escolha.

E trazer as memórias dentro da tua pergunta, as memórias surgirem de situações difíceis, não quer dizer que eu precise me prender nela. Eu posso, e aí a terapia ajuda a gente a entender porque que essa memória está vindo, é uma defesa, é algo que não está bem resolvido para mim, e resolver isso comigo, o que foi essa situação, do que eu senti falta, o que não foi legal. Hoje, o que eu posso fazer com relação a isso? No que isso influencia a minha vida hoje? A terapia sempre vai trazer uma responsabilização dentro do que está no teu controle. Se a sua mãe fez algo para você, se o seu pai fez algo para você, e isso implica no teu hoje, a gente vai trabalhar para como diminuir essas marcas e como lidar com isso de uma maneira a trazer uma vida mais funcional para ti. Ah, mas eu quero que a pessoa peça desculpa. Isso não está no teu controle, porque o comportamento do outro não está no meu controle, o que o outro pensa, o que o outro sente, isso é uma coisa que essa mãe, que esse pai, que essa outra pessoa vai resolver na terapia dela. Se um dia ela achar, ela reconhecer que aquilo não foi bom, e que seria interessante que ela venha se retratar e você tenha escolha de dizer não, não quero conversar com você. Mas é uma coisa do processo dela. A gente sempre vai trazer para o teu processo. O passado é importante para saber onde eu estive, mas a gente vai trabalhar com o presente, onde você está agora, você esteve lá e isso te trouxe aqui. O que a gente faz? Quais são as ferramentas que você tem, quais são as possibilidades de caminho, o que a gente precisa para caminhar para frente, qual caminho você escolhe, quais são as bagagens que você quer deixar e que você quer ir se desprendendo ao longo desse caminho. E a gente vai olhar, viver o presente, olhando para o futuro, mas levando em consideração o passado, mas o único momento, o único tempo onde eu posso estar e que eu tenho condições de fazer algo é agora. Dentro da linha que eu trabalho é assim que a gente vai ver as relações do passado, mesmo os traumas, muitas vezes a gente vai ter que revisitar. Mas mesmo os traumas, a gente vai olhar para o passado, a gente vai acolher, a gente vai entender o que aconteceu, porque aquelas marcas ficaram, e aí a gente não vai encontrar justificativa. O mal que fizeram no sentido de uma pessoa que sofreu por negligência, abuso, uma situação muito difícil ao longo da vida, isso não é justificável ou explicável no sentido de sim, te tornou o que você é hoje, mas não quer dizer que você precisaria ter passado por isso. Isso não justifica aquela dor ou aquele mal que te fizeram, mas a gente vai aprender a seguir a partir daí, não deixar que essa ferida e que essa dor determine como a sua vida vai ser daqui por diante. A gente vai criar e construir meios para ir desfazendo e ressignificando esses traumas e poder seguir adiante. A gente sempre vai olhar um pouco para o passado, mas a gente não vai ficar preso nele. E aí vai depender de cada demanda, de cada situação que o paciente traz. Tem vezes que é necessário e é preciso, tem outras vezes que não, então é muito particular de cada um.

JOC: Quanto as redes sociais, a vida virtual, influencia a saúde mental das pessoas?

LM: Eu acho que as mídias, o uso desenfreado. De novo, o meu papel aqui não é fazer da formatura que eu vou à noite em uma vilã, do cheeseburger que eu como de vez em quando, ser massacrado aí ou ser colocado num lugar proibido. E a mesma coisa com as redes sociais. Com parcimônia, com uma boa dosagem, com consciência, a gente pode equilibrar bem. Mas o que acontece? A gente começou falando de estresse, começou falando de ansiedade, de qualidade de vida. As redes sociais hoje são formatadas de modo a estimular o sistema nervoso para que você fique preso nela. É muita informação, com muito estímulo e muito rápido. Isso é uma receita explosiva pro nosso sistema nervoso e isso realmente prende a gente por muito tempo. E aí a gente pode estender essa questão do funcionamento cerebral também pras questões sociais. O que eu tô vendo nessa rede social? Qual é o conteúdo que eu tô consumindo? Ele tem começo, meio e fim, ele tem uma lógica de funcionamento, ele me traz um conteúdo que eu consiga pensar sobre aquilo? E dependendo do conteúdo, somado a esse estímulo muito grande, visual, auditivo, a emoção que aquele conteúdo desperta vai acelerar muito o meu funcionamento. A gente vai falar aqui dos pilares. A luz azul emitida pelo celular, pelo computador, pelas mídias audiovisuais em geral, influenciam no nosso ciclo circadiano. Então quanto tempo eu estou ficando na frente da tela? O que eu estou consumindo?

Então se eu vejo conteúdo, por exemplo, de moda e roupa e tendência o dia inteiro, o que vai estar mais vivo e mais fresco? O que você acha que vai despertar dentro do meu desejo? A comparação de corpo, a necessidade de consumir aquilo que tá vindo. E aqui é só um exemplo, tá? A gente pode ir pra vários outros lugares.Hoje as redes sociais no geral, principalmente essas mais rápidas como Instagram, TikTok, Facebook, elas acabam também sendo um fator importante no aumento do stress, da ansiedade, distúrbio de imagem, impulso como compras, como se cobrar um estilo de vida que não é a distorção da realidade. Que é o que se vende muitas vezes, algo que você não consegue, a não ser que você seja multimilionário e consiga realmente não se preocupar com as coisas que nós mortais precisamos no dia a dia, da vida de um adulto funcional, maduro, com responsabilidades para nossa própria sobrevivência e às vezes até sobrevivência de outros, aquilo não é realista. 

Tomar esse cuidado de quanto tempo eu tô passando na rede social, o que eu tô deixando de fazer naquelas horas. Como isso está impactando na minha saúde, no meu desejo de compra, na minha alimentação, na minha auto-imagem, na minha relação com as pessoas, porque muitas vezes eu tô aqui contigo, e ao invés de eu olhar no teu olho, conversar, perguntar como é que você tá, da gente fazer coisas juntos, ficar em silêncio, se permitir o ócio, a gente tá olhando no celular mesmo, estando com a pessoa ali na nossa frente. Hoje o impacto que as redes sociais, que o uso do celular no geral, não só o WhatsApp e outras ferramentas que a gente tem, jogos no celular ou no computador, enfim, a televisão, com as séries, podem impactar de uma maneira muito negativa na nossa vida. Não é a proibição, mas é trazer pra consciência o que seria um bom equilíbrio, se aquilo tá sendo saudável pra mim, o que eu estou perdendo. Está me ajudando a chegar aonde eu quero, ou tá me paralisando dentro do que me traz felicidade, satisfação, propósito, objetivos, metas na vida. 

De novo, não é a meta do outro, não é o objetivo do outro, não é o propósito que tá sendo vendido na internet, é o teu. Às vezes um bom propósito de vida é ter um trabalho, estar numa boa convivência na minha família, ter um final de semana tranquilo em casa, com os meus filhos, com os meus netos, ou se eu não tenho uma família extensa, andar de bicicleta, contemplar o pôr do sol. Quando a gente pensa em metas, quando a gente vê “aí eu preciso ser milionário até os 30 anos”, e isso não é factível para a grande parte das pessoas, e ainda que seja, nem todo mundo chega nesse lugar e fala, beleza, estou satisfeito. É sempre pensar, o que é o equilíbrio pra mim? Eu estou satisfeito? E aí a terapia vai trazer a pergunta do, por que não está? Como eu posso estar? Isso é factível, é algo que você, indivíduo, quer, ou é algo que está sendo vendido pra você que você deveria querer? A gente sempre vai trazer dentro do processo terapêutico esse lugar pra se pensar de uma maneira muito individual. Acho que procurar informação, entender melhor sobre a gente, desmistificar algumas coisas sobre saúde mental vai ser importante. Mas dentro da terapia a gente sempre vai olhar pro indivíduo como um ser único, com uma vivência única, com necessidades únicas, e o tratamento, embora ele tenha uma linha de base que vai ser comum, ele vai ser totalmente adaptado para a pessoa, pra demanda e pra vida que está ali na nossa frente. O olhar pro sofrimento e para como nós vamos passar por aquilo, que ferramentas a gente vai usar, que ferramentas a gente vai desenvolver para ter essa qualidade de vida, para reduzir esse sofrimento, pra trazer funcionalidade dentro do que é funcionalidade para cada um. Então, olhar para isso, abrir os olhos pra isso, e se vocês tirarem cinco minutinhos hoje pra pensar, beleza, como é que está a minha vida nesses pontos, eu acho que a gente já teve uma contribuição bem bacana, eu já fico bem feliz.

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