Unificação: Morre uma cidade, nasce uma fortaleza

Proposta de unificação das Cidades Irmãs movimenta e causa polêmica. Para o nascimento de uma única região, apenas uma sobreviveria

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Atualizado há 11 anos

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Marco divisório em União da Vitória e Porto União (Bruna Kobus/Jornal O Comércio)

O assunto causa desconforto. Nem os ouvidos acostumam-se com o som do nome que a cidade poderia ter. Não é apenas o batismo de um novo município o que torna a discussão difícil. Falar sobre a unificação das cidades de União da Vitória e Porto União é polêmico. Afinal, seria o fim da irmandade e da boa convivência. Unidas, alegam os defensores da causa, a força é maior. Representatividade, reconhecimento e um “lugar ao sol”, também estão entre os argumentos de quem acredita na unificação. Mas, quem abriria mão e deixaria de existir? É provável que nem a consulta pública traria uma decisão. Mesmo prevista na Constituição Federal, o processo é pouco comum. Nas Cidades Irmãs, talvez ele nem saia do papel.

A discussão existe há algum tempo e, desde 2006, também motiva o Grupo Verde Vale de Comunicação. Por meio do Instituto Radar Inteligência, de Francisco Beltrão (PR), o grupo faz um levantamento anual da preferência de ouvintes e leitores dos veículos do Grupo. Outros conceitos, um pouco mais abrangentes, também são discutidos. Recentemente, a pesquisa reuniu as opiniões quanto à possibilidade de unificação dos municípios. Os dados confirmam o que o Grupo já supunha: a maioria é favorável a fusão.

Baseado no levantamento, o Grupo Verde Vale instiga a comunidade para uma reflexão especial: a unificação seria possível? Para tanto, o que é preciso? Haveria vantagens? O Grupo não sugere a ruptura dos laços formados há quase cem anos. Antes, propõe o levantamento da bandeira da transformação.

Unificação já foi ameaça

Infográfico Frota
Arte/Renan Senff

Do lado de lá dos trilhos, o assunto movimenta as opiniões. O prefeito Anízio de Souza, mesmo sabendo que a unificação poderia excluir a cidade – o município é menor e historicamente pouco assistido pelo Governo Estadual – deixa o bairrismo de lado e defende a possibilidade de união. “Isso já foi discutido há muitos anos. O ex-prefeito Puzina (Alexandre Passos Puzina) falava sobre isso. Temos que olhar o futuro. Municípios fortes têm muito mais condições de sobreviver. Eu, particularmente, acho que a unificação seria importante. Não sei até onde isso poderia ir, mas para nós seria importante sermos um só. Teríamos muito mais poder para brigar”, afirma.

De fato, na época de Puzina, a possibilidade de unificação soava como ameaça aos ouvidos do Governo Estadual. E foi justamente por ter essa “carta na manga” que o prefeito conquistou grandes avanços. Um deles foi o asfalto que ligava a cidade à Florianópolis. Até a metade da década de 80, ou se chegava à capital pela estrada de chão ou por Curitiba. “Como não tínhamos acesso, o meu pai levantou o processo de “catarinização” da cidade: ou Porto União seria lembrada pelos governantes ou ele iria fazer um levante para levar o município para o estado do Paraná”, conta o filho Alexandra Puzyna Filho.

Na época, o processo evoluiu. O asfalto, uma das grandes lutas do governo municipal, enfim chegou. Antes disso, porém, a lentidão em colocar homens e máquinas na rodovia fez com que Puzyna liderasse um abaixo-assinado em prol da unificação com o Paraná.

Favorável ao processo, Puzyna Filho segue na defesa do que o pai já propunha. “Sou o primeiro assinar um novo abaixo-assinado pela unificação. Pode passar tudo isso para o Paraná”, diz. Sua decisão firme é baseada, entre outros motivos, no progresso desordenado da cidade e pouco convincente. Soma-se a isso, a morosidade que a duplicidade de leis, taxas e impostos impõe às empresas e autônomos. “Para nós que moramos aqui não existe limites”, defende.

Diferenças e semelhanças

O clima é o mesmo. Os cartões-postais mesclam-se em texturas e tonalidades. Os rostos dos vizinhos são familiares. O entrosamento entre as cidades combina com seu apelido. Como irmãs, assemelham-se em quase tudo, mas poderiam ser ainda mais unidas. A divisão está especialmente clara no cenário político. Cada cidade tem sua própria Prefeitura e Câmara de Vereadores. Somados, o número de servidores públicos faz inveja aos grandes centros. E causa espanto.

Na comparação, as Cidades Irmãs têm mais vereadores, por exemplo, que nas capitais. Florianópolis, em Santa Catarina, tem 421 mil habitantes e 23 vereadores, ou seja, 18 mil pessoas são representadas por um único membro do Legislativo. Em Curitiba, no Paraná, a população é de 1,7 milhão e tem 38 vereadores. Portanto, cada vereador representa 45 mil pessoas. No entanto, se a população das duas cidades e o número de vereadores fosse somados – 95 mil moradores e 23 vereadores – os municípios teriam um vereadores para cada quatro mil habitantes.

Se as contas que não fecham incomodam, o aspecto turístico agradece. Os limites de estados e sua total insignificância no cotidiano dos moradores virou sinônimo de atração e popularidade. O encantamento de quem não é da região envolve, especialmente, como é possível ir de um Estado para o outro em segundos e não sentir qualquer diferença. Ao que parece, nas Cidades Irmãs, as barreiras estão apenas no papel.

Cidades já foram uma só

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No Bairro Vice-King, em Porto União, marco que indica os limites fica no quintal da casa número 16: de um lado é Paraná e do outro Santa Catarina (Mariana Honesko/Jornal O Comércio)

Para entender como as cidades foram separadas, é preciso lembrar que elas já foram unidas. Foi em um período bem perto da Guerra do Contestado quando o traçado geográfico mudou e cortou ao meio uma única cidade. Nasceu então, por vontade política e sem qualquer consulta pública, a cidade de Porto União. Até 1917, a cidade era uma só, chamava-se União da Vitória e pertencia ao Paraná. Um dos exemplos populares é a história de localização da Escola Professor Serapião. “Ela ficava onde hoje está o grupo dos escoteiros. Ali era Paraná”, conta o professor aposentado de Geografia, Raulino Bortolini.

Na época, os limites de estados não estavam bem definidos. Tanto que parte dos estados na região, um pouco mais para o Oeste, eram disputados pela Argentina. O então presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, deu ganho de causa ao Brasil. “Mas, para que estado pertenceria aquelas terras? Começou um estudo na capital do Brasil, que era o Rio de Janeiro, e foi decido cortar a cidade em dois pedaços, sem consultar a população”, conta Bortolini.

Ninguém foi ouvido, tampouco consultado. “Acho que aí está o erro. O que representa Porto União para Santa Catarina: quase nada. E União da Vitória para o Paraná? Pouca coisa. Ficaram duas cidades pequenas, cortadas ao meio. Para Santa Catarina vale pouco e para o Paraná, não é também lá suas coisas”, avalia. O professor é um dos muitos que apoiam a unificação. Bortolini acredita que muito mais do que representatividade, a cidade voltaria a ter força. “Mas ela dividiu e enfraqueceu”, lamenta.

Protesto contra o aniversário

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Mauro Roman já criticava em 87 a separação dos municípios (Mariana Honesko/Jornal O Comércio)

Em 1987, o radiologista Mauro Fernando Roman era apenas um estudante universitário. De Curitiba, porém, não pôde ficar calado diante dos 70 anos que então Porto União comemorara. No dia 5 de setembro viu seu texto publicado nas páginas de O Comércio. As linhas não parabenizavam mais um ano de vida. Antes, criticavam as sete décadas de silêncio desde a divisão dos municípios. “Escrevi porque era uma vergonha lembrar que há 70 anos haviam feito isso com a gente”, lembra Roman. “Ter uma cidade dividida é muito ruim”, completa.

Na época do artigo, o jovem Roman posiciona-se critico contra o silêncio dos políticos e da própria comunidade. Consciente, sabe que não há como mudar o passado, mas projetar os próximos aniversários e, quem sabe, a unificação. “Logo a cidade vai fazer cem anos e não há como pensar no que já se foi, mas é possível sim pensar nos cem anos que ainda vão vir”, sorri. Roman é favorável à unificação e vê nela suas vantagens. “Se fosse uma cidade só, seriamos muito mais fortes, uma potência. Teríamos mais valor tanto para o Paraná quanto para Santa Catarina”, avalia.

E se fosse Porto União da Vitória?

Roberto Pedro Bom, engenheiro florestal e professor

“Para mim sempre foi a mesma cidade. Eu não consigo enxergar uma estrada de ferro sendo uma divisa de duas cidades. E já fui muito criticado por isso. Na minha cabeça não cabe a divisão das cidades. Eu sempre digo que Porto União acaba em Canoinhas e Caçador. E União da Vitória acaba em Palmas e São Mateus do Sul. Então porque não nos tornamos uma só? Nós teríamos outro potencial a ser discutido. Nós estaríamos trazendo tanto a visão de Santa Catarina ao Norte como a visão do Paraná ao Sul. Porque hoje se você abrir o mapa, em alguns, nós nem existimos.”

Tadeu Ribeiro, professor de dança

“Acredito que a unificação em termos socioculturais seria favorável. Seria muito importante para o desenvolvimento do nosso povo. Se houvesse esta possibilidade, nossa comunidade cresceria com o apoio incondicional de ambos os estados. As duas comunidades teriam muito a ganhar, tanto no resgate literário e étnico. Seria um só povo com várias ideias.”

Valderlei Garcia Sanches, diretor da Fafiuv

“Teríamos muito mais força e sucesso. Acredito que ganharíamos muito com esta unificação.”

Joaquim Ribas, advogado

“Teríamos muito mais peso tanto no Paraná e Santa Catarina. Mais peso porque seríamos um contingente populacional maior, uma economia maior. A unificação para nós seria interessante, independente se fosse Paraná ou Santa Catarina. Tudo é Brasil. Na política, a preocupação com a qualidade de vida da população tem que ser integrada.”

Caíque Agustini, presidente da Aceuv

“Como indivíduos não vemos a barreira, que na prática existe entre as duas cidades, impostas principalmente pelas diferenças em relação aos seus estados. Precisamos considerar a hipótese e iniciar sérios estudos sobre desenvolvimento que nos possibilitem ter uma visão séria e compromissada com o futuro. Se a solução apresentada for a união das cidades, então, juntos, vamos trabalhar para isso.”

Instituto Radar

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O encantamento de quem não é da região, envolve especialmente, a possibilidade de ir de um Estado para o outro em segundos e não sentir qualquer diferença (Bruna Kobus/Jornal O Comércio)

Os dados mais recentes do levantamento sobre a possibilidade de unificação são de 2010. Segundo o Radar, 84% dos entrevistados foram favoráveis à unificação. Grupos com idades entre 16 e 24 anos e 45 e 59 anos, foram os propensos à alteração geográfica.