Energia elétrica ainda se impõe como gargalo no campo

Problemas recorrentes na rede causam prejuízos a produtores rurais. Copel anuncia investimento que promete minimizar casos

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Atualizado há 5 anos

(Foto: Arquivo/ Portal V Vale).
(Foto: Arquivo/ Portal V Vale).

O fornecimento de energia elétrica à propriedade do pecuarista leiteiro Cristian José Nodari, de Palotina, Oeste do Paraná, estava oscilando muito naquela quarta-feira, 4 de fevereiro de 2019. A cada uma das quedas recorrentes de energia, desligavam-se todos os equipamentos que automatizam a produção, inclusive os aparelhos de refrigeração. A sucessão de desligamentos danificou componentes do tanque de expansão da propriedade, fazendo com que se azedassem 5,4 mil litros de leite.

Os prejuízos em decorrência da oscilação no fornecimento de energia à fazenda de Nodari estão longe de ser pontuais. Ao contrário, transcorrem de forma quase habitual. Todos os equipamentos da propriedade – como frízeres, tanques, ventiladores e ordenhadeiras – funcionam em 220 volts. Entretanto, segundo o pecuarista, não é essa a tensão que chega à linha. Com a rede fraca, as quedas de energia são constantes e já fazem com que o produtor rural acumule prejuízos.

“Só neste ano, meu prejuízo por causa dessas quedas já passa de R$ 20 mil, em menos de seis meses”, afirma Nodari. “A energia era para chegar aqui em 220 [volts], mas chega em 160, 170. É difícil você achar um ponto em que chegue 200”, acrescenta.

Os infortúnios provocados pelas oscilações ou quedas frequentes de energia elétrica se repetem em propriedades rurais de rigorosamente todas as regiões do Paraná. Isso ocorre porque a rede do Paraná é considerada antiga – em algumas regiões, tem mais de três décadas – e o modelo de geração, transmissão e distribuição adotado no Brasil – calcado em cabeamento aéreo – faz com que a energia chegue “fraca” e de forma instável nas pontas, notadamente no campo.

Ocorre que, ao longo das últimas décadas, o setor agropecuário decolou de forma profissionalizada, principalmente em algumas regiões do Estado. Em 20 anos, por exemplo, o Valor Bruto da Produção (VBP) saltou de R$ 1 bilhão para R$ 15,5 bilhões na avicultura paranaense, de R$ 412 milhões para R$ 5,7 bilhões na pecuária leiteira e de R$ 60,5 milhões para R$ 615,2 milhões na piscicultura. No mesmo período, a produção de leite do Paraná triplicou e o Estado conquistou a liderança na produção de aves e peixes.

Todos esses resultados foram obtidos às custas de muitos investimentos e profissionalização constantes dos respectivos setores. Com isso, aumentou acentuadamente a demanda por energia. Em contrapartida, os investimentos na atualização da rede elétrica não ocorreram na mesma proporção. Em muitas regiões, os sistemas não têm sido capazes de dar conta da necessidade energética crescente, puxada principalmente por agropecuaristas e agroindústrias, o que acaba por se impor como um gargalo.

“O produtor rural está fazendo a parte dele. Está se atualizando e investindo de forma maciça em tecnologia. Agora, nós precisamos que a infraestrutura acompanhe, com investimentos na mesma medida”, diz o presidente da FAEP, Ágide Meneguette.

Segundo a Companhia Paranaense de Energia (Copel), os aportes na modernização da rede têm sido feitos de forma constante, mas essa decolagem acentuada do agronegócio pode dar a falsa sensação de que o sistema elétrico ficou estagnado. Até por isso, a empresa anunciou o que chama de “o maior investimento de sua história”.

“O produtor rural deixou de demandar só seu ponto de energia. Hoje, ele é uma pequena indústria rural, com maquinário, tecnologia e a demanda por energia se tornou muito maior. Por isso, às vezes, mesmo a gente melhorando a qualidade do fornecimento na área rural, o produtor pode ter a sensação de que piorou”, avalia o gerente de distribuição da Copel, Maximiliano Orfali.

Na ponta do lápis

Há mais de dez anos, a FAEP vem detalhando à Secretaria da Agricultura do Paraná e à Copel a urgência de se modernizar as linhas de transmissão e os sistemas de distribuição, principalmente nas áreas rurais, onde se concentram as reclamações de oscilações e quedas. Uma avaliação de impacto elaborada recentemente pelo Departamento Técnico Econômico (DTE) da Federação aponta o tamanho do prejuízo diário que essa deficiência pode gerar.

No caso da avicultura, em razão do grande número de animais alojados em um único aviário, as cifras são mais significativas. Um produtor que mantenha 50 mil aves alojadas e que receberia da integradora R$ 0,78 por cabeça, por exemplo, amargaria perdas de R$ 39 mil. Isso se deve ao fato de que, em quedas de energia por períodos prolongados, todo o plantel corre risco de morte, principalmente pela falta de climatização.

Na pecuária leiteira, um pecuarista que produza 1,5 mil litros por dia e que faça a captação a cada 48 horas, arcaria com um prejuízo médio de R$ 3,5 mil, em caso de interrupções de energia. “Tudo isso, em apenas um dia. Bastaria que os equipamentos essenciais à atividade ficassem fora de operação por determinado período, de acordo com o caso”, diz o economista Luiz Eliezer Ferreira, do DTE da FAEP.

Exemplos concretos comprovam o levantamento da Federação. Em 2013, a oscilação de energia danificou o gerador da propriedade de Edmilson Zabott, em Palotina, na região Oeste, provocando uma série de mortes de frangos, alojados em seus cinco aviários. “Eu alojava 110 mil unidades por lote. Em cada um dos cinco barracões, perdi 33 mil aves. O prejuízo total foi de quase R$ 150 mil. O estrago só não foi maior, porque me dirigi ao responsável da Copel, que agilizou o religamento”, conta.

Zabott também já acumula perdas nas outras atividades a que se dedica: pecuária leiteira e piscicultura. O produtor rural até “coleciona” fotos e vídeos de cardumes de tilápia mortos em sua propriedade, em decorrência da oscilação de energia. “A produção de proteína animal dobrou na região Oeste do Paraná, a ponto de sermos uma potência do agronegócio, mas o sistema elétrico não acompanhou essa evolução”, aponta Zabott. “Vai ver que a culpa de tudo isso é do produtor rural, que investiu pesado em tecnologia e automação. Se tivéssemos ficado no século passado, a Copel não teria esses problemas”, ironiza.

Quedas em números

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 95,3% das reclamações de consumidores da Copel decorrem de interrupção do fornecimento de energia. A empresa informa que, em média, os consumidores paranaenses (campo e cidade) tiveram seis interrupções de fornecimento em 2018, o que totalizou 10 horas sem luz. Considerando só as unidades consumidoras localizadas em áreas rurais, a média é mais que o dobro: 15 quedas de energia, atingindo 30 horas sem fornecimento elétrico.

“Normalmente, um tempo razoável médio gira em torno de quatro horas para que o religamento seja feito, dependendo do defeito. Claro, pode ser bem mais rápido se o efeito for simples de corrigir e pode ser bem mais demorado se for severo”, explica Orfali.

Copel vai investir R$ 1,7 bilhão em três anos

A Copel anunciou que, até 2021, irá investir R$ 1,7 bilhão no fortalecimento do sistema elétrico, como forma de garantir suporte à produção agropecuária. Deste montante, R$ 474 milhões serão aplicados na rede da região Oeste. Segundo a companhia, R$ 836 milhões serão aportados em todo o Estado já em 2019. Trata-se do maior investimento da história da empresa.

Segundo o diretor de distribuição da Copel, Maximiliano Orfali, o aporte ocorrerá em obras estruturantes, que vão dar mais robustez ao sistema. Também estão previstas intervenções na média tensão, as que mais se aproximam do consumidor final. “E estas obras, inclusive, serão as mais sentidas pelo nosso cliente final, pois vão diminuir o número de vezes que ele fica sem energia e, também, a redução do tempo que vai ficar sem energia quando houver falta”, aponta.

Estão previstos investimentos em todas as regiões do Paraná, com base em critérios técnicos, de acordo com a demanda de cada uma – principalmente em áreas do Oeste, Sudoeste e Noroeste. “São regiões que, nos últimos anos, tiveram um aumento da demanda superior à média do Paraná e muito superior à média do Brasil, em função do desenvolvimento econômico. São regiões que, por esse crescimento, acabaram demandando mais de nossa rede”, diz Orfali.