Dia de Finados: Uma data para lembrar

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Atualizado há 4 anos

Daniele Jasniewski, psicóloga
Daniele Jasniewski, psicóloga

O Dia de Finados é o momento dedicado desde o Século XI à honra e memória dos mortos. Entretanto, foi somente no Século XIII que se estabeleceu o dia 2 de novembro como a data oficial para as diversas homenagens às pessoas falecidas. A data também promove um momento especial para que os vivos possam unirem-se em orações e intercessões de maneira coletiva pelas almas dos que já se foram. Além disso, neste dia forma-se uma egrégora que além de interceder pelas almas dos finados, também é capaz de cuidar da dor das pessoas enlutadas.

Dessa forma, a data, além de ser um momento de homenagear os mortos, é também uma oportunidade de auxílio no enfrentamento da dor da perda. As tradições do feriado de Finados no Brasil nos colocam em uma atmosfera de lembranças e reativam as memórias do que vivemos com o ente querido que faleceu. Comumente, estas tradições envolvem os cuidados com a sepultura, a limpeza das lápides, a decoração com flores e a manutenção do espaço que abriga o corpo de quem amamos. Assim, durante estas ações muitas lembranças são evocadas, o que é necessário e saudável para o processo do luto.

Podemos afirmar então, que o Dia de Finados serve também para nos lembrar de cuidar da nossa própria dor pela perda de quem já não vive entre nós. Este feriado nos lembra que viver nosso luto é um recurso capaz de auxiliar em seu enfrentamento, então, o Dia de Finados pode ser uma oportunidade de olharmos também para o “cemitério mental” onde dormem nossos sentimentos negativos em relação à morte e onde jazem as sensações de dor que sentimos ao lembrar da perda. Segundo os estudos da Psicologia do Luto, é justamente este olhar para o luto que o torna suportável, não que o luto seja curado, posto que não é doença, mas sim, enfrentado porque é uma luta vivida um dia de cada vez.

O Dia de Finados nos dá permissão para encarar a perda que talvez ao longo dos outros dias tentamos não sentir, recorrendo à distrações, envolvimento com a rotina diária e outras estratégias de fuga para não lidar com o sofrimento. Quando nós mascaramos o luto e o sentimento de pesar com as distrações, estamos apenas adiando o dia em que a morte de quem amamos nos causará muita dor, uma vez que a vivência da dor insuportável da perda pode até ser adiável, mas ela é inevitável. O luto dói e dói muito, mas fugir da dor não a torna menor ou inexistente, essa dor não vai desistir de nós. Com o tempo, a dor da perda não se torna menor, ela torna-se suportável, não porque ela tenha diminuído, mas sim, porque nós nos fortalecemos todas as vezes que nos permitimos senti-la. Assim, quando no dia de Finados lembramos mais intensamente de nossos entes queridos e do quanto a ausência deles nos causa dor, esse dia nos permite estarmos em um momento para encarar a perda e é quando estamos neste momento que somos capazes de processar a dor.

Este momento especial do ano, também nos ajuda a aprender a viver com o luto, porque uma das coisas que somente quem perdeu alguém que ama sabe, é que nós nunca superamos o luto, nós aprendemos a conviver com ele e lembrar dos nossos entes queridos nos ajuda nesse aprendizado. Talvez estas lembranças sejam muitas vezes desconfortáveis porque trazem de volta toda a dor, mas, se nós continuamos a nos permitir reviver as lembranças, o luto e a dor, tornam-se familiares para nós e nós aprendemos que podemos suportá-los e podemos viver apesar da dor do luto. Então, não deveríamos temer lembrarmos da pessoa que amamos, da morte, da dor, do luto e de todos os sentimentos inerentes a ele, porque certamente, em algum momento, são essas lembranças que nos levarão a um momento de paz. A autora Molly Fumia resume este momento de forma poética: “Se eu tenho que vestir esta capa do luto, então, que ela seja feita do tecido do amor e costurada com o bom fio de lembranças”.

Além de todas as lembranças que o Dia de Finados evoca, podemos também perceber que nesta data, lembramos que não estamos sozinhos em nossa dor. As experiências que temos neste dia, quando lembramos juntos em comunhão e partilhamos todos o mesmo sentimento, nos ajuda em um outro aspecto do luto: Quando nós compartilhamos o sentimento de pesar, somos lembrados que outras pessoas também estão vivenciando o mesmo tipo de dor, o mesmo tipo de luto e o mesmo tipo de perda, nós compartilhamos a compreensão de que não estamos sozinhos. Outro aspecto positivo, é que quando lembramos juntos, temos a oportunidade de contar aos outros sobre nosso ente querido, e tal ato de compartilhar memórias é extremamente saudável no processo de luto. Lembrar é saudável porque honra nossos entes queridos, nos ajuda a aprender a viver com a perda e nos movimenta em direção a um lugar onde compreendemos que podemos viver momentos de alegria, apesar do luto.

Portanto, entendemos que a vivência do Dia de Finados é um momento importante para todos nós, não somente para honrar e homenagear aqueles que já partiram, mas também, para cuidar de nossas próprias dores que o luto nos causa. E que possamos lembrar que a vivência do luto não é uma doença e muito menos um sinal de fraqueza. Ele é uma necessidade espiritual, física e mental. É medido pelo tamanho do amor que sentimos pela pessoa falecida e o único “tratamento” para o luto, é viver o luto. Lembrar do nosso ente querido que faleceu e lembrar de olharmos para nossa dor.

Sabemos que no luto não escolhemos um dia específico do ano para nos lembrar de quem amamos que já partiu, porque na verdade nunca esquecemos, mas que possamos no Dia de Finados lembrar também que a vida é um sopro, que devemos cuidar de nós mesmos ao longo do processo de luto e, sobretudo, que possamos lembrar que não estamos sozinhos em nossa dor.

Daniele Jasniewski

Psicóloga CRP 08/12483
Mestre em Psicologia
Especialista em Situações de Perda e Luto