A quem interessa a militarização nas escolas?

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Atualizado há 3 anos

(Foto: Reprodução).
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A quem interessa a militarização nas escolas?

Vamos pintar o mundo de verde! Além das folhas e das gramas, também os caules e a flores. O céu, a terra, o mar. As casas, as roupas e os cães. Vamos pintar de verde a água que tomamos, o sangue e as cortinas. Pintemos também as paredes, lençóis, almofadas e cobertores. Verde nas mesas, nos pratos. Feijoada, picanha, carros e aviões. Gatos, motocicletas, calçadas, prédios, todos verdes. Tudo, tudo, tudo verde. Depois disso, perguntemos a uma criança que nunca viu uma galinha qual é a cor de suas penas, do bico, dos pés. Sabemos que mesmo sem conhecer galinha, a criança saberá de suas cores.

Restringir as possibilidades do mundo, domesticar o olhar, mentir sobre os infinitos diários serve para construir uma sociedade limitada e que tem confiança apenas no verde que conhece.

Um governo que pensa sobre a construção de uma sociedade múltipla em que cada um possa trabalhar exibindo suas habilidades e colaborar com seus pensamentos e experiências, trabalha para que as pessoas conheçam a pluralidade de ideias e o entendimento de que é isso que contribui para o progresso.

Quando começa a entrar em curso um projeto que serve para disciplinar pensamentos, é preciso prestar atenção sobre o que isso significa. O governo federal tem o fetiche de militarizar a Educação. Ratinho resolveu ser o cordeiro a colocar no atacado a ideia em prática, dando de ombros para as consequências. O secretário de Educação do Paraná tem outras preocupações, que não têm relação com o futuro do Estado. Parte da sociedade aplaudiu sem pensar o que isso causará na vida de seus filhos.

O aprendizado é, antes de tudo, um exercício de liberdade. É poder transformar conceitos, informações, padrões em conhecimento próprio. E fazer deste conhecimento, um produto ou serviço novo. Criar, a partir do que foi aprendido, um jeito de lidar com o mundo, com as pessoas, com o mercado de trabalho, com a sociedade. É por isso que a Educação é tão importante para o desenvolvimento.

Quando pais e mães aplaudem a ideia de escolas militares e pensam em seus filhos dentro de uniformes, cabelos cortados, coturnos brilhantes, disciplina rígida, não pensam sobre o quanto domesticar o comportamento tolhe o poder criativo e autônomo de enfrentar a vida. Ao contrário do que propagam os estultos de plantão, como por exemplo os responsáveis pela Educação do Paraná, a militarização nas escolas não prepara para a vida. Prepara para receber ordens. E só isso. Prepara para o vexame de não se saber quem é se não tiver alguém lhe dizendo ao pé do ouvido. Os soldados da Coreia do Norte sabem disso, todos educados dentro dos rigores militares, com disciplina e respeito pelo superior.

Uma educação disciplinatória não tem outro objetivo que não seja frear o poder criativo de estudantes e de futuros adultos – futuros eleitores. E poder criativo aqui não pode ser pensado como a criatividade para as artes. Também isso, mas não só.

Para um inventor, um cientista, uma pessoa que busca uma solução chegar ao produto final ela precisa, antes dos esforços dos estudos, sonhar com alguma coisa. A disciplina necessária para estudar, investigar, descobrir e produzir intelectualmente faz parte da descoberta das próprias funções e capacidades e como usá-las. É um processo interno, de autoconhecimento e, principalmente, libertador das limitações. Quando um estudante tem consciência de suas possibilidades ele dá o passo fundamental para a produção – de uma vacina, da habilidade para vender um serviço ou produto, do estudo de uma molécula, tanto faz.

A disciplina militar imposta é o processo inverso, de contenção e controle das mesmas funções e capacidades. É externa, opressora e subestima a inteligência. Conduz ao embotamento. Anula a criatividade. Produz pessoas que se comportam segundo as ordens externas. Incapazes de decidir por si próprios. É a domestificação para produzir seres amestrados, que só funcionam sob ordens do amestrador. Por isso é um processo de negação da inteligência.

A militarização nas escolas é o sistema para enfiar cabrestos e cortar as asas A quem interessa retirar a autonomia de pensamento, a interromper a beleza do descobrimento, o estímulo pelo novo? A quem interessa despejar na sociedade pessoas sem senso crítico e sem iniciativas? A quem pode interessar usar desse tipo de expediente?

Convido os pais a pensarem em seus filhos e o futuro. E acho que podemos concordar que o que é preciso é uma escola de qualidade, que garanta um ensino integral, que prepare os estudantes para a vida e para ter as próprias ideias e autonomia de pensamento. Os pais querem isso. O governo, o contrário.

Aceitar o modus operandi militar nas escolas é adestrar os estudantes para que estejam sempre prontos a cumprir ordens. Para que sejam adultos com a espinha envergada, sem consciência do que lhes acontece, com temor do superior e achando que da primeira faísca até a última estrela tudo é verde e imutável porque assim o domesticaram.