A vivência do luto em tempos de Pandemia

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Atualizado há 3 anos

(Foto: Pixaby).
(Foto: Pixaby).

Com a propagação do vírus da COVID 19, as formas como nós vivenciamos os rituais relativos à morte tiveram que mudar. No Brasil, desde março de 2020, não somos mais permitidos a visitar nossos entes queridos vítimas da doença. Se o paciente morre, família e amigos não podem realizar o velório e o sepultamento como ocorria até então. Assim, percebe-se que a pandemia mudou um aspecto fundamental sobre as práticas que envolvem a morte, e hoje, o ato de proporcionar e receber os últimos rituais já não é mais o mesmo.

O distanciamento social, a proibição das aglomerações, o alto risco de contágio, foram determinantes para que o tempo de velório fosse reduzido. Anteriormente, havia velórios que se estendiam por até 24 horas, com velatórios cheios de familiares e amigos que participavam dos rituais para se solidarizar com a família enlutada. Atualmente, o cenário é outro, e mesmo que o ente querido não tenha falecido da COVID 19, o velório é restrito a poucas pessoas e poucas horas de duração.

Então, como ficam as questões acerca do luto em meio a essa supressão da vivência do tempo fúnebre como nós estávamos habituados?  Sabemos que as celebrações ainda são realizadas, o último sacramento, as cerimônias de corpo presente, os ritos no sepultamento, a missa no 7º dia, ainda ocorrem, mas todos esses momentos estão sendo vivenciados de maneira limitada. Estas limitações no tempo e no número dos participantes, não reduz a importância espiritual destes atos, entretanto, o mesmo não pode ser dito acerca do impacto psicológico que estas mudanças nos rituais fúnebres podem causar ao enlutado. O que ocorre, é que precisamos de tempo em contato com a morte para o processo da elaboração da perda e do consequente luto, então, as vivências que ocorrem no velório são fundamentais para auxiliar neste processo.

Uma das definições clássicas do luto é que ele representa um conjunto de reações que manifestamos diante de uma perda, estas podem ser manifestações físicas, emocionais, psicológicas e comportamentais e expressar estas reações é normal, necessário e saudável. Saudável porque quando a pessoa enlutada não vivencia a expressão de seu luto, é possível que a médio e longo prazo, ocorra o desenvolvimento de alterações significativas em seu estado de saúde física, mental e emocional. O que temos de mais fortalecedor para o enfrentamento da dor do luto é justamente o contato com esta dor, ou seja, quanto maior o contato com os sentimentos causados pela dor da perda, maiores são as chances de que eu me fortaleça para lidar com a ausência de quem se foi.

Diante disso, com as alterações impostas pela pandemia, muitas pessoas podem estar experimentando dificuldades na elaboração da perda, ou seja, uma situação que já é naturalmente difícil de enfrentar, torna-se ainda mais pesada em tempos onde o contato com a morte foi reduzido. Contudo, uma das características dos seres humanos que garantiu nossa sobrevivência, é a capacidade de nos adaptarmos e nos reorganizarmos toda vez que a vida nos impõe transformações.

Portanto, é possível que mesmo neste tempo atípico como o que vivemos atualmente, podemos nos permitir a vivência de nossos lutos de uma forma saudável, ainda que diferente do que sempre foi, mas de modo a não adoecer pela falta de quem partiu e pela falta das manifestações fúnebres que o distanciamento social nos impôs. Algumas estratégias para a realização das despedidas estão sendo desenvolvidas ao longo desse ano de 2020, famílias viram seus entes pela última vez somente através de paredes de vidro, velórios estão sendo transmitidos aos grupos da família via chamadas de vídeos para que todos possam participar da despedida, mesmo que de maneira virtual. Ainda que sem a presença física dos familiares, estas estratégias podem ser recursos auxiliares para o enfrentamento destas horas tão tristes do velório e do sepultamento.

Assim, de alguma maneira as pessoas podem se fazer presentes nos rituais fúnebres e expressar sua dor e condolências, pois, a pandemia não representa um distanciamento afetivo e espiritual, só não estamos juntos fisicamente, mas ainda assim, podemos nos solidarizar em nossas dores, honrar a memória de quem partiu e, sobretudo, nos conectarmos em orações. Qualquer coisa que possamos fazer para participar da despedida e nos sentirmos conectados aos nossos rituais, será vital para nossa saúde física, mental e espiritual.

A pandemia nos tirou do coletivo presencial, mas mesmo geograficamente distantes, podemos manter nossos rituais para a elaboração do luto e principalmente, para o exercício de nossa fé, mesmo de dentro de nossas casas podemos rezar pelos falecidos, pois, a força de nossas orações são atemporais e não dependem de um local específico para suas manifestações.

Destaca-se ainda, que o luto é uma forma de criar um sentido e dar um significado à experiência da perda, dessa forma, ele é basicamente uma vivência individual onde cada um de nós vai senti-lo, experimenta-lo e reagir à dor a nossa própria maneira e no nosso próprio tempo. Por se tratar de um fenômeno tão subjetivo, podemos encontrar maneiras próprias de lidar com esta dor, embora saibamos que o apoio social é importante para o enfrentamento de qualquer situação difícil, hoje, este apoio virá através de contatos remotos, portanto, teremos que individualmente criar ferramentas que possam nos amparar nos momentos de dor.

Não estamos tendo a oportunidade de permanecer um longo tempo  em contato com os rituais de despedida presencial, o que pode ser prejudicial à nossa emocional e dificultar o entendimento de que a pessoa realmente partiu, mas, podemos desenvolver rituais em casa, com fotos, memórias, orações ou quaisquer outras formas que nos mantenham em contato com as lembranças de quem partiu.

Portanto, honrar a vida e memória da pessoa falecida, é certamente a melhor e mais saudável forma da vivência de nosso luto, e honrar nossos entes queridos, independe do contato social, pois, como dito anteriormente: A pandemia não representa um distanciamento afetivo e espiritual, pois, só não estamos juntos fisicamente!

Daniele Jasniewski 

Psicóloga CRP 08/12483 

Mestre em Psicologia 

Especialista em situações de perda e luto