“Foi a última vez que eu vi o rosto do meu amado pai”, desabafa moradora de UVA

Covid-19 pôs um ponto final na história de Milton Pillar Santos

·
Atualizado há 3 anos

Milton 3

De estatura baixa, pele negra e agora calvo, Milton Pillar Santos se tornou ao longo dos anos uma figura cativa no bairro Limeira, em União da Vitória. Aos 85 anos, ele queria viver, conversar e viver. Simples assim. Porém, toda a simplicidade planejada para os próximos aniversários de seu Milton fôra interrompida.

De uma hora para outra a chamada da existência se apagou, ficando um silêncio sepulcral. A morte repentina e solitária de Milton acentuou a tristeza daqueles que ficaram. Ele foi o primeiro morador de União da Vitória a morrer por complicações causadas pela Covid-19, no dia 27 de junho.

Carismático e afetivo, Milton era muito querido por todos, como afirma a sua filha Regiane Aparecida Santos Alves.

Conta ela, que Milton nasceu em Clevelândia no Paraná, cidade que faz divisa com o barracão da Argentina. Veio para União da Vitória, ainda moço, por causa do avô de Regiane que era policial.

Foi na região do Vale do Iguaçu que Milton casou com Maria Correa Santos, ficando ao lado dela até 2002, quando ela faleceu. Tempos depois, casou-se novamente. O matrimônio durou oito anos, pois sua esposa também faleceu.

Milton admirava uma boa companhia, por isso se casou pela terceira vez. O romance iria completar sete anos, não fosse o seu falecimento. Além da companheira, ele deixou também cinco filhos, sete bisnetos e 17 netos.

“No hospital, eu fui até a cabeceira da cama e ainda pedi perdão ao meu pai. Passei a mão no rosto dele em lágrimas e ele me respondeu também em lágrimas: Você vai ter uma recompensa. Eu senti aquilo como uma despedida. Foi a última vez que eu vi o rosto do meu amado pai; foi e é doloroso”.


“Morreu de uma hora para a outra”

No histórico clínico de Milton constava reumatismo, que é um inchaço das articulações. Ele estava aposentado, atuou por quase toda uma vida em um açougue em União da Vitória.

De acordo com Adilson Santos, também filho da vítima, Milton apresentou gripe, ficou em estado grave e foi internado. Não teve jeito, pois dois dias depois ele faleceu no hospital. “Gente, ela mata! Perdi meu pai para o coronavírus”, afirma.

Adilson e Regiane falaram em nome de toda a família. Estão entristecidos e com a sensação de impotência pela morte do pai. “É difícil entender e aceitar uma partida, que foi assim, tão prematura. Ele morreu de uma hora para a outra. Como ele pegou a Covid? A gente não faz nem ideia. Só sei que a doença evoluiu muito rápido”, desabafa Adilson.

O susto de tudo ser tão rápido ainda atormenta a família Santos. Eles não puderem puderam dar o último adeus ao seu Milton.

“A impossibilidade de viver o luto choca. Não fizemos um funeral digno para ele. É o que torna a despedida um peso a mais de se carregar”, conta.

Milton 1
Regiane e o esposo juntamente com o seu Milton  (centro)

De acordo com o Ministério da Saúde (MS) os sepultamentos de pessoas diagnosticadas com a Covid-19 devem ser realizados sem velório. Outras causas de mortes, devem evitar aglomeração de pessoas no momento da despedida.

Adilson também foi diagnosticado com a Covid-19. Ficou 21 dias em isolamento domiciliar. “Tive de tudo: febre alta, uma terrível dor de garganta, tosse seca, diarreia, dores no corpo, perda do paladar e olfato”, diz.

O morador de União da Vitória pede que a população tenha mais amor ao próximo. “Além de seguir o protocolo do Ministério da Saúde (como usar máscaras, álcool gel…) é preciso ter consciência e cuidar uns aos outros porque essa doença é terrível. Senti na pele a violência do vírus. Não façam festas e não aglomerem”, implora.


Trabalhador e caprichoso

Conta Regiane que o seu Milton não era daqueles de ficar abraçando as pessoas, mas retribuía o amor ao próximo de outras maneiras.

“Sempre ajudou as pessoas, além de ser muito trabalhador. Nunca faltou nada para os filhos e era honesto com seus deveres”.

Ela é a caçula entre os filhos e garante que nunca ficou longe do pai. “Sofri muito quando a minha mãe morreu, mas o olhava para o meu pai e tinha forças para seguir em frente. Era o meu porto seguro”. Até Milton se casar novamente, morou com a filha, a qual sempre visitou.

Seu Milton com a filha caçula Regiane
Seu Milton com a filha caçula Regiane

Com os olhos lacrimejando de saudade, Regiane admirava muitas atitudes do pai. “Ele amava ir à igreja e tocava gaita de boca muito bem. Sempre foi muito caprichoso, em especial com as roupas. Passava suas calças sociais e fazia friso como ninguém. Gostava de comer sagu e temperava a carne para o almoço de domingo. Ele não parava. Ah! Ele também arrumava guarda-chuvas”, lembra com carinho.


DESPEDIDA: “No hospital, pedi perdão”

Regiane ficou com o pai o tempo que pôde no hospital, até a chegada do diagnosticado da Covid. Foram dez dias de muita dor, e também de esperança. A filha chegou a confeccionar máscaras de proteção para o pai, porque ele alegava que apertava a orelha. “No hospital, eu fui até a cabeceira da cama e ainda pedi perdão ao meu pai; eu me julgava muito chata. Passei a mão no rosto dele em lágrimas e ele me respondeu também em lágrimas: Você vai ter uma recompensa. Eu senti aquilo como uma despedida. Foi a última vez que eu vi o rosto do meu amado pai. Jamais imaginei que o meu pai seria a primeira vítima da doença; foi e é doloroso”.