FÉ: Com reza e cera derramada

Benzedeiras atravessam o tempo, oferecem calmaria com as mãos, mas sem ninguém para repassar, ensinamentos podem estar com os dias contados

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Atualizado há 5 anos

carimbo-especial-feBenzer. “Venzer”. Falando certo, escrevendo errado, seja lá como for, o verbo representa a mesma ação: abençoar. Milenar, o gesto é comum no interior do País, popular entre quem acredita. E mesmo quem nunca foi à uma benzedeira, imagina – e acerta! – como ela é: uma senhora, de bastante idade, de costas curvadas, de avental e rosto enrugado. É a clássica representação de uma vovó, daquelas bem tradicionais.

No Vale do Iguaçu, encontrar uma benzedeira clássica, daquelas que acreditam em Deus, não fazem “trabalhos”, e usam apenas os meios da natureza e da fé para abençoar quem lhe procura, não é uma tarefa exatamente fácil. É preciso peregrinar atrás de uma e nem sempre o encontro delas significa atendimento. Por conta da idade e de problemas de saúde, muitas abdicam de abrir as portas de casa por algum tempo. Como não é possível agendar uma consulta, quem procura uma senhorinha dessas vai precisar tem paciência e de boas indicações até encontrar a próxima.

Dona Josefá é benzedeira há 33 anos (Fotos: Mariana Honesko).
Dona Josefá é benzedeira há 33 anos (Fotos: Mariana Honesko).

Foi assim, seguindo esse roteiro, que a reportagem encontrou dona Josefá, uma benzedeira “das antigas”, que mora em São Cristóvão, em União da Vitória, e que atende após o almoço, de segunda a sexta. Josefá é o estereótipo padrão: tem a descrição quase fabular de uma rezadeira, a fala mansa, os gestos lentos, o sorriso fácil. Do alto de seus 86 anos, já pensou em parar de atender. “Mas as pessoas me pedem e como não é fácil encontrar alguém, eu continuo”, conta. “Trinta e três anos que estou benzendo. Comecei benzendo os filhos, os netos, e eles iam melhorando. Isso foi se espalhando. Sou católica e uso o Pai-Nosso, Ave Maria. Coloco a cera ‘venzida’ na bacia. Sempre foi assim”.

Cera e oração para proteção
Cera e oração para proteção

Os atendimentos são por hora de chegada. Uma taxa de R$ 7 é cobrada, embora quem não tenha o valor, pode ser atendido graciosamente. Dona Josefá faz da leitura da cera o diagnóstico. Dependendo dos nódulos que a massa aponta, mais sinal de susto (no caso das crianças), quebrante (para os baixinhos também), de inveja ou “olho gordo”.

Embora seja procurado, na maioria absoluta dos casos, por pais que querem um sono mais tranquilo ou um comportamento menos irritadiço em seus filhos, ela também abençoa casais em início de namoro e casamento, gente que acabou de comprar um carro ou uma casa, e pessoas com planos para execução. Além da vela, dona Josafá faz costura. “E queimo o ar. Só eu faço isso. Uso linhaça e isso é muito bom para quem tem dor de cabeça, sinusite”, conta. E é possível benzer à distância também, desde que uma peça de roupa da pessoa que precisa da benção, seja levada até a casa da benzedeira.

Extinção

A escritora Clarissa Pinkola sabia o que falava. “Toda mulher parece com uma árvore. Nas camadas mais profundas de sua alma ela abriga raízes vitais que puxam a energia das profundezas para cima, para nutrir suas folhas, flores e frutos. Ninguém compreende de onde uma mulher retira tanta força, tanta esperança, tanta vida. Mesmo quando são cortadas, tolhidas, retalhadas, de suas raízes ainda nascem brotos que vão trazer tudo de volta à vida outra vez”. Talvez por isso, a figura da benzedeira é sempre de uma mulher, uma pessoa plena, que consegue, com humildade, voltar às suas próprias raízes.

Mas, embora a prática de abençoar a partir de elementos da natureza seja milenar, a tradição mira na extinção. É que sem ter com quem continuar, os dons vão morrendo junto com as benzedeiras. No País, a figura dessas pessoas está enraizada, desde o período colonial. Com o tempo, contudo, o número de adeptos do método vem diminuindo.

Na tentativa de manter o trabalho – e as benzedeiras – a Lei aparece como favorável. No Paraná, por exemplo, Lei do dia 5 de novembro de 2018, “declara Patrimônio Cultural Imaterial os saberes, conhecimentos e práticas tradicionais de saúde dos ofícios tradicionais de saúde popular e cura religiosa”. O primeiro parágrafo (veja o quadro) é bastante claro e coloca nesta seleção, as benzedeiras.

O que diz a Lei
Artigo 1º

“Declara Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Paraná os saberes, conhecimentos e práticas tradicionais de saúde dos ofícios tradicionais de saúde popular e cura religiosa dos benzedeiros e benzedeiras, costureiros, costureiras de rendidura e machucadura, massagistas tradicionais, rezadeiras, remedieiros e parteiras do Estado do Paraná, em atendimento ao disposto nos arts. 215 e 216 da Constituição Federal e no art. 191 da Constituição Estadual”