No ano passado, o Hospital Pequeno Príncipe, que faz parte da rede de proteção à criança e ao adolescente, recebeu 586 crianças vítimas de algum tipo de violência e, em 76% desses casos, elas foram praticadas dentro da própria casa ou na rede intrafamiliar.
Por isso, no dia 18, quando se lembra o Dia Nacional de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes, o maior hospital pediátrico do Brasil lembrou, com campanhas e discussões sobre o assunto, “que toda a sociedade é responsável pelos meninos e meninas vítimas de violências psicológica, física e sexual”.
“Até os sete anos de idade as crianças ainda não entendem ao certo os sentidos figurados; estão exercitando essa linguagem, por isso, devemos desmistificar a ideia de que o agressor é um monstro. Por vezes, a dificuldade da denúncia pode estar atrelada a isso – como o tio querido por toda a família é um monstro? Como o padrasto tão carinhoso com a mãe é um monstro? O primo que promove os churrascos familiares pode ser um monstro?”, questionou, em matéria veiculada no portal do Pequeno Príncipe, a psicóloga do hospital, Daniela Prestes, uma das responsáveis pelo atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violências.
Autoagressão pode estar ligada a outras violências
Em seu site, o Pequeno Príncipe alerta para os sinais de que algo pode estar errado. “Quando uma criança ou um adolescente sofre algum tipo de violência, ela pode perder a percepção da construção de valores e da maneira que lida com as dores. O Pequeno Príncipe, recebe, ano a ano, cada vez mais adolescentes que praticam a autoagressão (automutilação). Além de questões ligadas ao pertencimento a algum grupo ou depressão, por exemplo, esse escape para a dor de se automutilar ou modificar o próprio corpo pode estar ligado a uma desestrutura vivida pelos meninos e meninas”, alerta a redação.
“A violência contra a criança e ao adolescente é, por vezes, crescente. Ou seja, pode começar com uma humilhação e passar ao terrorismo psicológico; ir de denegrir a imagem, à violência física. Quando essa criança chega à adolescência e passa a fazer a apropriação do próprio corpo, ela pode ter dificuldade de externar e verbalizar esses sentimentos antes subjetivos e, então, pode sim comunicar esse sofrimento de diversas maneiras. É preciso interromper esse ciclo e lembrar que negligenciar isso também é um tipo de violência”, disse Daniela.
EntrevistaA Assistente Social do Hospital Pequeno Príncipe, Rosane Moura, foi a convidada do Programa CBN Tarde de Notícias na semana passada. Ela também conversou com a reportagem do jornal O Comércio.
Jornal O Comércio (JOC) – O Hospital segue na Rede de Proteção?
Rosane Moura (Rosane) – Sim, é uma rede grande, que envolve os hospitais, secretarias, o Ministério Público. São pessoas, cada uma em suas instituições, para proteção da criança. Acreditamos que isso vai acontecer em todo o Estado, a partir do programa Criança Segura, que o governo de Estado quer implementar.JOC – No dia 18, por conta da data, existe uma mobilização especial. Mesmo assim, os números vêm crescendo.
Rosane – O que a gente quer é chamar a atenção de que todos têm o dever de proteção. Neste ano, a gente quis pedir para que as denúncias fossem feitas, caso uma situação suspeita fosse diagnosticada. Isso é importante, porque com isso são levantados dados e a comprovação ou não dessa violência. Uma criança que pede socorro, que fale “pare por favor”. O que será que está acontecendo? Você pode denunciar se houver uma suspeita.JOC – Quem é o agressor?
Rosane – Muitas vezes você imagina uma pessoa com uma cara horrível, má e no fim, ele não tem um perfil. Tem pessoas que agridem crianças e são muito boas. São pessoas consideradas exemplares. Mas, na hora de lidar com aquela criança, ele pode ser violento. Não é um monstro: é uma pessoa comum, qualquer pessoa, independentemente de ter uma cara bacana ou não. Até os sete anos, onde temos um índice altíssimo de violência sexual, especialmente nessa faixa etária. A criança, confunde a violência com atenção, com carinho, e isso tem sérias consequências mais tarde.JOC – Fica uma ferida aberta?
Rosane – Sim e uma hora ou outra a criança vai entender. Por isso, é preciso prevenir. E isso não é uma tarefa só dos pais ou responsáveis. É algo de todos.Marcas no hospital
- 66% dos casos de violências atendidos na instituição ocorrem antes dos seis anos de vida
- 586 crianças vítimas de algum tipo de violência
- 76% dos casos foram praticadas dentro da própria casa ou na rede intrafamiliar