“Operamos com o gás natural mais barato do Brasil”, diz presidente da SCGÁS

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Atualizado há 6 anos

Cosme PolêseNas duas últimas semana, o país inteiro praticamente parou. Santa Catarina também sofreu as consequências da paralisação dos transportadores de cargas. Alimentos, medicamentos, ração para os animais, oxigênio para os hospitais e produtos de toda ordem simplesmente deixaram de circular. O desabastecimento veio rápido e o caos ganhou contornos ainda mais graves quando o combustível, gasolina e etanol, desapareceram das bombas, assim como os botijões de gás cheios desapareceram das distribuidoras. Enquanto isso, os clientes da Companhia de Gás de Santa Catarina, a SCGÁS, experimentaram menos limitações do que o restante da população. As frotas de táxi e dos aplicativos de transporte urbano caíram quase que pela metade. Circularam apenas os que já usam o gás natural veicular (GNV), uma aternativa para quem dependia do transporte coletivo, que também teve circulação suspensa. Para o presidente da Companhia, Cosme Polêse, que concedeu essa entrevista exclusiva para falar do cenário caótico que se instalou, os efeitos da greve poderiam ter sido bem menos graves se a dependência dos combustíveis tradicionais fosse menor: “Os catarinenses poderiam ter continuado rodando com seus carros e utilizando seus fogões e chuveiros em casa sem a preocupação que o gás acabasse.”

[PeloEstado] – O que poderia ter sido diferente para os catarinenses na greve dos caminhoneiros?
Cosme Polêse – Os catarinenses poderiam ter continuado rodando com seus carros e utilizando seus fogões e chuveiros em casa sem a preocupação que o gás acabasse. Para quem já consome gás natural, estas não foram preocupações durante os dez dias de paralisação. Calculamos 100.000 consumidores beneficiados com o gás em rede diretamente. Se o gás natural fosse uma opção para o transporte pesado, como na Europa, a qualidade do ar das cidades seria melhor, as tarifas de ônibus seriam mais baratas e não haveria crise de abastecimento.

[PE] – Qual o investimento e o tempo necessários para que o estado chegue à condição ideal de distribuição de gás natural?
Polêse – Hoje nós calculamos que a construção de cada quilômetro de rede custa aproximadamente um milhão de reais. Nós já temos mais de 1.100 quilômetros de rede no estado e, mesmo assim, atendemos majoritariamente a porção Leste, indo até Rio do Sul. É claro que pensamos em levar a rede a todas as regiões, mas é preciso pensar em alternativas mais rápidas do que a implantação de redes para que todos os catarinenses tenham acesso ao gás natural. É a condição ideal. Em rede de distribuição, calculamos aproximadamente R$ 2 bilhões de investimentos, o que garantiria o atendimento de todas as regiões e as cidades com maior demanda pelo insumo. Mas dependemos de recursos federais em gasodutos de transporte, e o Plano de Expansão da Malha de Transporte (Pemat), do Ministério de Minas e Energia, não nos dá grande esperança de que teremos no curto ou médio prazo uma infraestrutura capaz de universalizar o acesso ao gás natural.

[PE] – O que impede que esse plano se efetive?
Polêse – Nossa capacidade de velocidade em investimento. É uma escolha estratégica e regulatória que depende do Estado. Uma tarifa competitiva como temos hoje – operamos com o gás natural mais barato do Brasil – significa postergação de investimentos. Entendo que devemos achar um equilíbrio que leva a SCGÁS a poder investir no mínimo R$ 100 milhões por ano em implantação de rede de infraestrutura de gás natural para a distribuição a novas regiões e cidades.

[PE] – Que apoio a SCGÁS recebe do governo estadual? É suficiente?
Polêse – O governo do Estado nos deu tudo. A concessão pública dos serviços de distribuição e as tarifas com as margens para investimento. Precisamos que ele seja um articulador de todos os interesses para que dialoguemos da melhor forma com o mercado e a sociedade. Precisamos compreender os múltiplos interesses para atendê-los e ninguém melhor que Estado para nortear estes passos que apontam para as regiões que precisam de novos investimentos. Aonde o gás chega, leva junto desenvolvimento e qualidade de vida. Os locais em que não chega, são punidos. Logo, o gás natural deve estar em todos os lugares.

[PE] – A SCGÁS é uma companhia lucrativa, autossustentável?
Polêse – Desde o início da operação, a SCGÁS sempre foi uma companhia lucrativa, mas que, na minha ótica, deveria ter investido muito mais. Por diversas contingências e, em especial, o gargalo no reajuste da nossa margem de distribuição, registramos um prejuízo de R$ 46 milhões em 2017 e nosso planejamento aponta para metade deste prejuízo em 2018. Esta curva deve ser revertida em 2019 com os avanços regulatórios necessários.

[PE] – Qual a situação de Santa Catarina na comparação com outros estados no que diz respeito ao gás natural?
Polêse – Atualmente, a SCGÁS é a segunda maior distribuidora do país em número de municípios atendidos, e Santa Catarina é o terceiro estado em extensão de rede, indústrias e postos de GNV atendidos. Em termos geográficos, nosso estado se assemelha muito com Portugal. Eles têm uma população um pouco maior, enquanto nosso atendimento industrial é superior, mas as soluções para interiorização são parecidas. Logicamente, eles estão muito à nossa frente, tanto que o modelo de redes isoladas, que está sendo construído em Lages e pretendemos utilizar em outras localidades, foi importado de Portugal.

[PE] – Como está o projeto de tornar as frotas municipais abastecidas por GNV?
Polêse – Isto depende dos municípios. Temos a oferta de um combustível altamente econômico e as ferramentas ideais para os investimentos necessários por meio de projeto especial da Agência de Fomento do Estado (Badesc). Vemos hoje muitos taxistas e motoristas de aplicativos optarem pelo GNV. Ele é novamente o combustível da moda, crescendo mais de 7% em 2017 na relação com o ano anterior.

[PE] – Qual a preocupação com a “corrida” às oficinas de adaptação de veículos para o uso de GNV, motivada pela greve?
Polêse – Não existe preocupação. Apesar de se tratar de um momento excepcional, ficamos felizes em saber que mais motoristas rodarão utilizando o gás natural, que é mais econômico e agride menos o meio ambiente que os combustíveis líquidos. Parece que a procura por convertedoras aumentou 20% nestes dias, segundo a ACOI (Associação Catarinense dos Organismos de Inspeção), e nós ficamos contentes com isso. A crise serviu para mostrar o grande valor do GNV, seja pela economia ou pela vantagem do fornecimento contínuo.

[PE] – Aliás, ainda tem muita confusão quanto às diferenças de GNV e GLP. Como explicar isso para a população leiga?
Polêse – De fato, muita gente ainda não consegue diferenciar e o erro acontece até por parte da imprensa. O gás natural tem origem na decomposição de materiais fósseis no interior da terra. Já o GLP, o gás liquefeito de petróleo, provém do refino de petróleo. Ainda nestes termos, o gás natural é mais seguro, porque é mais leve que o ar e se dissipa facilmente, ao contrário do que chamamos popularmente de gás de cozinha. Além disso, o gás natural é entregue através de rede canalizada, o que dispensa transporte rodoviário e estrutura de estocagem. Quanto ao preço, principalmente pela atual política de preços aplicada ao GLP, o gás natural mostra-se cada vez mais como uma solução vantajosa.

[PE] – Hoje, qual a relação de vantagens do gás natural em relação a outros combustíveis?
Polêse – Como combustível, ele é mais competitivo que os seus principais concorrentes, seja para indústria, comércio, serviços, residências ou automóveis. Talvez a única exceção neste sentido seja o carvão, que, por outro lado, agride muito mais o meio ambiente. Em termos de redução da poluição, aliás, o gás natural é o combustível fóssil que menos afeta a natureza, tanto que é tratado como a ponte para as energias renováveis nas nações desenvolvidas. Estudos da nossa Gerência de Tecnologia apontam, por exemplo, que o uso de gás natural reduz a emissão de gases poluentes em 90%. Já em 2012, outro estudo constatou que a conversão ao uso do gás natural dos clientes que atendíamos na época fez com que 11 milhões de toneladas de dióxido de carbono deixassem de ser liberadas na atmosfera, o que corresponde ao efeito de 20,3 milhões de árvores, quase 20 mil campos de futebol. Um terceiro aspecto diz respeito ao conforto da entrega via rede canalizada, já que não é preciso se preocupar com reposição e estoque. Até a mobilidade urbana melhora! É que o gás canalizado elimina a necessidade de circulação de 500 caminhões por dia em nossas vias públicas.